Jurisprudência em Destaque

STF. Pleno. Interrogatório. Ampla defesa. Realização no final da fase instrutória. Íntegra do voto do Min. Ricardo Lewandowski sobre momento do interrogatório de acusados. Lei 11.719/2008. CPP, art. 400. Lei 8.038/90, arts. 7º, 8º e 9º. CF/88, art. 5º, LV

Postado por Emilio Sabatovski em 26/03/2011
Eis a íntegra do voto do Min. Ricardo Lewandowski no julgamento do Agravo Regimental na Ação Penal (AP) 528, no Pleno do STF. Nesse julgamento, os ministros decidiram aplicar nova regra do Código de Processo Penal (CPP), modificada pela Lei 11.719/2008, que alterou o momento de realização do interrogatório dos acusados para o fim da fase de instrução criminal.

RELATÓRIO


O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: Trata-se de ação penal cujo objeto é a condenação dos réus WLADIMIR AFONSO DA COSTA RABELO e WLAUDECIR ANTÔNIO DA COSTA RABELO por suposto cometimento do crime objeto do art. 312, § 1º, do Código Penal.

A denúncia, à unanimidade, foi recebida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em 19 de novembro de 2009 (fl. 1.723).

Na sequência, determinei a expedição de carta de ordem à Justiça Federal de Belém (fl. 1.332) para a citação dos réus e a realização dos respectivos interrogatórios, à luz dos arts. 7º e 8º da Lei 8.038/90.

O réu WLAUDECIR, embora devidamente citado, não compareceu ao ato, sendo que o réu WLADIMIR sequer foi encontrado naquela localidade, não obstante diversas tentativas encetadas pelo Oficial de Justiça.

Com o retorno da carta de ordem, em resposta à abertura de vista, a Procuradoria Geral da República requereu

«seja determinada a intimação da defesa do réu Wlaudecir Antonio da Costa Rabelo para que apresente sua defesa prévia, bem como a expedição de nova carta de ordem e interrogatório do réu Wladimir Afonso da Costa Rabelo em Brasília/DF» (fl. 1.368).

Na decisão de fl. 1.370, acolhi os pleitos de intimação da defesa de WLAUDECIR para ofertar a defesa prévia, bem como a citação do Deputado WLADIMIR em Brasília, por meio da expedição de nova carta de ordem. Determinei, ainda, o quanto segue:

«Em vista do previsto na Lei 11.719/2008, que modificou o art. 400 do CPP e transferiu o interrogatório para o final do processo, considerando a nova sistemática mais favorável à defesa, na presente ação penal os réus serão interrogados ao final».

Desta parte final do decisum agravou a Procuradoria Geral da República (1.378-1.383). Sustentou, em suma, o argumento de que as regras da norma especial (no caso, a Lei 8.038/90) prevalecem sobre a geral (o Código de Processo Penal), pleiteando que os interrogatórios sejam ultimados antes da apresentação da defesa prévia, destacando, ainda, que o réu WLAUDECIR teria perdido o direito de exercer esse ato de auto-defesa, justamente por não ter comparecido à audiência previamente designada em Belém.

É o relatório.

VOTO


O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI: em que pesem as relevantes considerações formuladas pela agravante, penso não lhe caber razão, pelos fundamentos abaixo listados.

Como é sabido, a Lei 11.719/2008 modificou o art. 400 do CPP e transferiu o interrogatório para o final do procedimento, passando o dispositivo a contar com a seguinte redação

    «Art. 400 - Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado».


Não se pode negar que se trata de um tema de altíssima relevância, dado o reflexo que a referida inovação legal exerce sobre o direito constitucional à ampla defesa, embora não tenha tido ainda o Supremo Tribunal Federal a oportunidade de posicionar-se definitivamente a respeito dele, nem mesmo em sede de questão de ordem.

O tema, é bem verdade, chegou a ser debatido pelos Ministros na sessão plenária de 7 de outubro de 2010, em questão de ordem suscitada na AP 470. Contudo,como naquela ação penal o interrogatório já havia sido realizado, não se prosseguiu a discussão.

Revendo as notas taquigráficas da aludida sessão, a apoiar a tese da transferência do interrogatório para o final do procedimento, penso serem elucidativas as considerações tecidas na ocasião pelo eminente Ministro Celso de Mello. Em transcrição livre, dado que o v. acórdão ainda não foi inteiramente lavrado, nas palavras de Sua Excelência:

    «Agora, de outro lado, tal seja a compreensão que se dê ao ato de interrogatório, que, mais do que simples meio de prova, é um ato eminente de defesa daquele que sofre a imputação penal e é o instante mesmo em que ele poderá, no exercício de uma prerrogativa indisponível, que é o da autodefesa e que compõe o conceito mais amplo e constitucional do direito de defesa, tal seja a compreensão então que se dê ao ato de interrogatório - eu, por exemplo, vejo, no interrogatório, um ato de defesa, e isso foi muito acentuado por essa recente alteração introduzida pela reforma processual penal de 2008 -, portanto, a realização do interrogatório do acusado como o ato final da fase instrutória permitirá a ele ter, digamos, um panorama geral, uma visão global de todas as provas até então produzidas nos autos, quer aquelas que o favorecem, quer aquelas que o incriminam, uma vez que ele, ao contrário do que hoje sucede - hoje, o interrogatório como sendo um ato que precede a própria instrução probatória muitas vezes não permite ao réu que apresente elementos de defesa que possam suportar aquela versão que ele pretende transmitir ao juízo processante -, com a nova disciplina ritual e tendo lugar na última fase da instrução probatória o ato do interrogatório, o acusado terá plenas condições de estruturar de forma muito mais adequada a sua defesa, embora ele, como réu, não tenha o ônus de provar a sua própria inocência; cabe sempre o ônus da prova a quem acusa. O órgão do Ministério Público que deve acusar; deve acusar com base em provas lícitas e, além de qualquer dúvida, razoável.


    Mas, de qualquer maneira, o réu tem o direito de ser interrogado; pode, eventualmente, calar-se; pode, eventualmente, abster-se de qualquer resposta. Mas, de todo modo, tendo uma visão global de todos os elementos de informação até então produzidos, ele então poderá estruturar melhor a sua defesa. E, ainda, devemos ter em consideração que o processo penal é, por excelência, um instrumento de salvaguarda dos direitos do réu. O Estado delineia um círculo em cujo âmbito torna-se lícito ao Poder Público fazer instaurar a persecução penal e praticar todos os atos que levem à comprovação lícita da imputação deduzida contra determinada pessoa. O que não se pode é transpor os limites da circunferência, sob pena de o Estado, em assim agindo, incidir em comportamento ilícito.


    Portanto, são regras que claramente vêm definidas em favor do acusado. Já o dizia o velho João Mendes de Almeida Júnior, no seu conhecido «Curso de Processo Penal», em edição de 1911. E essa é uma posição que vem sendo reafirmada pela doutrina, especialmente hoje com a constitucionalização do processo, notadamente do processo penal, em que se estabelece uma clara relação de polaridade conflitante entre a pretensão punitiva do Estado, de um lado, e o desejo de liberdade do acusado, de outro».


Tendo em conta essas judiciosas constatações, afirmar que é essencial aos sistemas processuais respeitarem à plenitude o direito de defesa e ao contraditório afigura-se, no mínimo, despiciendo, pois tais premissas encontram-se assentadas não apenas no ordenamento pátrio, mas revelam-se como alguns dos mais caros valores do Estado Democrático de Direito, assim sendo reconhecido pela grande maioria das nações civilizadas.

Nessa linha, parece-me relevante constatar que, se a nova redação do art. 400 do CPP possibilita ao réu exercer de modo mais eficaz a sua defesa, tal dispositivo legal deve suplantar o estatuído no art. 7º da Lei 8.038/90, em homenagem aos princípios constitucionais aplicáveis à espécie.

Ora, possibilitar que o réu seja interrogado ao final da instrução, depois de ouvidas as testemunhas arroladas, bem como após a produção de outras provas, como eventuais perícias, a meu juízo, mostra-se mais benéfico à defesa, na medida em que, no mínimo, conferirá ao acusado a oportunidade para esclarecer divergências e incongruências que, não raramente, afloraram durante a edificação do conjunto probatório.

Assim, caso entenda-se que a nova redação do art. 400 do CPP propicia maior eficácia à defesa, penso que deve ser afastado o previsto no art. 7º da Lei 8.038/90, no concernente à designação do interrogatório.

Voltando a discussão para um aspecto mais formal, entendo que o fato de a Lei 8.038/90 ser norma especial em relação ao Código de Processo Penal, de cunho nitidamente geral, em nada influencia o que aqui se assentou.

É que, a meu sentir, a norma especial prevalece sobre a geral apenas nas hipóteses em que estiver presente alguma incompatibilidade manifesta e insuperável entre elas. Nos demais casos, considerando a sempre necessária aplicação sistemática do direito, cumpre cuidar para que essas normas aparentemente antagônicas convivam harmonicamente.

De resto, a aplicação subsidiária das disposições gerais e especiais do CPP à Lei 8.038/90 é expressamente reconhecida pelo art. 9º desta última, cuja redação estabelece o seguinte:

    «Art. 9º - A instrução obedecerá, no que couber, ao procedimento comum do Código de Processo Penal».


Com base nas considerações acima, voto no sentido de negar provimento ao agravo regimental em tela.

Referências:

CF/88, art. 5º, LV. (Ampla defesa).

Lei 8.038/90, arts. 7º, 8º e 9º. (Institui normas procedimentais para os processos que especifica, perante o STJ e STF).

CPP, art. 400. (Interrogatório).

Lei 11.719/2008. (CPP. Alteração).



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