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STJ. 5ª T. Falsidade ideológica. Crime tributário. Subfaturamento de bens importados. Objetivo de iludir o pagamento de imposto sobre importação. Falso (crime-meio). Descaminho (crime-fim). Relação de causalidade. Extinção da punibilidade do crime-fim. Tributo pago. Ausência de autonomia do crime de falso. Constrangimento ilegal evidenciado. Recurso provido para trancar a ação penal. Considerações do Min. Marco Aurélio Bellizze sobre o tema. CP, arts. 71, 299 e 334.

Postado por Emilio Sabatovski em 02/09/2013
«... Busca o recorrente, em síntese, o trancamento da ação penal, haja vista não se ter configurado o crime-fim (descaminho), ante o pagamento do tributo, razão pela qual não se pode punir o crime-meio (falsidade). No mais, afirma que nem sequer ficou demonstrada a falsidade documental e que não houve dolo específico.

O cerne do presente recurso consiste, portanto, em saber se persiste a pretensão punitiva estatal em face da suposta prática do crime-meio, quando o crime-fim nem ao menos chega a ser apurado. Ou seja, perquire-se a punibilidade do crime-meio, nas relações de consunção.

Nas lições de Rogério Greco, uma das hipóteses de aplicação do princípio da consunção é «quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime» (Curso de direito Penal, 6ª Ed., Volume I, Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 34). Assim, o referido princípio deve incidir sempre que a conduta, com adequação típica no diploma repressivo, servir como meio para alcançar o fim criminoso pretendido pelo agente.

A regra é que o crime de descaminho (art. 334 do CP) e de falsidade ideológica (art. 299 do CP) são autônomos, com tipificações distintas, consoante previsão legal. Contudo, diante da situação concreta, pode-se reconhecer a existência apenas do primeiro tipo penal pela aplicação do princípio da consunção. Para tanto, é necessário que se comprove a relação de dependência entre as condutas absorvidas com a principal. Em outras palavras, os crimes-meio somente são absorvidos pelo crime-fim quando ficar demonstrando uma relação de causalidade entre eles.

Este raciocínio motivou, inclusive, a edição do enunciado nº 17 da Súmula desta Corte: «Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido»

No caso dos autos, verifica-se que o falso imputado ao paciente tinha por fim iludir o pagamento de tributo. Com efeito, o Ministério Público Federal fez expressa menção na inicial acusatória, afirmando que o recorrente «fez inserir em Declarações de Importação, instruídas com documentos inidôneos, valores inexatos (subfaturados) em relação à realidade das transações comerciais efetuadas pela empresa H8 COMÉRCIO IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA, com o fim de iludir o pagamento de tributos incidentes nas importações, alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante e prejudicando direito do fisco federal enquanto autoridade aduaneira» (fl. 4).

Atribuiu-se à conduta do recorrente a capitulação jurídica constante do art. 299 do Código Penal: «Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante» E o fato juridicamente relevante, no caso dos autos, diz respeito ao pagamento de imposto pela entrada de mercadoria no país (art. 334 do CP).

O Tribunal de origem, entretanto, denegou a ordem no prévio mandamus, sob os seguintes fundamentos (fls. 1.557/1.559):


Melhor sorte não assiste ao paciente quanto à alegação de aplicabilidade do princípio da consunção para fins de trancamento da ação penal. Isso porque, primeiro, levando em conta a versão contida na denúncia, que o subfaturamento (falsidade ideológica) visava iludir o pagamento de tributos incidentes nas importações, alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante e prejudicando direito do fisco federal enquanto autoridade aduaneira, parece claro que a falsidade denunciada nada mais á do que o crime-meio para possível redução de tributos, fatos que podem ser enquadráveis como delito de descaminho, seja na forma consumada (ACR 2001.71.09.000272-3/RS, rel. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, 7a Turma, DE 10.01.2007), seja na forma tentada (ACR 2002.71.01.006847-9/RS, rel. Des. Federal NÉFI CORDEIRO, 7a Turma, DE 07.03.2007), uma vez que há notícia de parametrização das mercadorias importadas para o canal verde (ou amarelo, conforme referido nos autos da ação 2009.70.08.001132-3) de conferência aduaneira. Em assim sendo enquadrado, para a configuração do delito previsto no artigo 334 do Código Penal basta internação em território nacional de mercadorias sem o devido pagamento de impostos, ressalvada a insignificância (ACR 2002.70.05.009542-0/PR, rel. Des. Federal NÉFI CORDEIRO, 7a Turma, DE 15.03.2006), sendo incabível falar-se em atipicidade ou extinção de punibilidade do crime em função do eventual pagamento posterior dos tributos, pois não traz consequência no âmbito penal. Aliás, nesse ponto, cumpre consignar que a parte impetrante juntou à inicial documentação (denominada DAR13) comprovando o recolhimento autorizado pelo MM. Juízo Federal de Paranaguá/PR em antecipação de tutela, deferida nos autos da ação ordinária 2009.70.08.000356-9/PR, da quantia de R$116.196,82 (cento e dezesseis mil, cento e noventa e seis reais e oitenta e dois centavos), a título de tributos devidos em razão da diferença de preço apurada pelo fisco para fins de desembaraço da mercadoria junto ao recinto alfandegário, o que afasta eventual entendimento sobre a aplicação do princípio da insignificância ao caso dos autos. Segundo, ainda girando sobre os fatos imputados ao paciente, não deve ser descurado que a conduta denunciada também pode, ao final, ser capitulada como delito da Lei 8.137/90, mormente a capitulação de que trata o artigo 2º, inciso I, crime formal, que criminaliza a conduta de quem faz declaração falsa visando eximir-se do pagamento de tributos, independentemente de obter ou não fim colimado. Sobre o artigo 2º, inciso I, da Lei 8.137/90, Paulo José da Costa Jr. e Zelmo Denari ensinam, em Infrações Tributárias e Delitos Fiscais, Editora Saraiva, 4a Edição, 2000, p. 134/136, que: [...]. Como se vê, os fatos denunciados são complexos, dependendo de dilação probatória para levar ao cabo o exato enquadramento jurídico. Demais disso, o paciente apresentou, em 21.03.2011, defesa preliminar (EVENTO 19 do processo-crime 5000651-71.2010.404.7008) sem que tenha havido manifestação do MM. Juízo Singular sobre a resposta à acusação. Com todos esses contornos tenho que é açodado o trancamento nessa fase inicial da ação penal.

Da leitura do acórdão acima transcrito, constata-se, ademais, o efetivo pagamento «da quantia de R$116.196,82 (cento e dezesseis mil, cento e noventa e seis reais e oitenta e dois centavos), a título de tributos devidos em razão da diferença de preço apurada pelo fisco para fins de desembaraço da mercadoria junto ao recinto alfandegário» Assim, recolhido o tributo devido antes mesmo do início de eventual ação penal por crime tributário, fica extinta a punibilidade do crime-fim, questionando-se, portanto, a subsistência do crime-meio.

A meu ver, o fato de o crime de falso ter sido praticado com o propósito de «iludir o pagamento de tributos incidentes nas importações» não autoriza a punição do recorrente, pela falsidade ideológica, de forma autônoma, seja porque não foi o acusado sequer denunciado pelo crime principal, descaminho; seja porque a conduta descrita na denúncia não comprova potencialidade lesiva em si, configura apenas meio para sonegar, em parte, o imposto sobre importação. Note-se que se mostra evidente a relação de causalidade entre os delitos em análise, não havendo comprovação de dolo diverso que enseje a punição como crime autônomo.

Está claro, dessa forma, que a conduta imputada na denúncia relativa ao crime de falsidade ideológica foi o meio encontrado pelo recorrente para alcançar a finalidade que pretendia – reduzir a incidência do imposto sobre importação -, razão pela qual não há falar em autonomia do crime e de justa causa para o prosseguimento da ação penal apenas pela falsidade, diante da não configuração do crime de descaminho.

Nesse sentido:


PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. EXTINÇÃO DA AÇÃO PENAL. CRIME-MEIO PARA O DESCAMINHO. AÇÃO PENAL EXTINTA QUANTO A ESTE DELITO POR AUSÊNCIA DE PRÉVIA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. ABSORÇÃO DO FALSUM PELO CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA QUE NARRA A FALSIDADE COMO INSTRUMENTO PARA A SUPRESSÃO DE TRIBUTOS. ABSORÇÃO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA OU BANDO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE SEUS ELEMENTOS. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. 1. O princípio da consunção resolve o conflito aparente de normas penais quando um crime menos grave é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro mais nocivo. Em casos que tais, o agente só será responsabilizado pelo último. Para tanto, é imprescindível a constatação de nexo de dependência das condutas a fim de que ocorra a absorção daquela menos grave pela mais danosa. 2. Narra a denúncia que a falsidade teria sido praticada mediante desígnios autônomos, não podendo, por conseguinte, ser considerada crime meio para o descaminho. Todavia, a mesma denúncia também consignou que o falsum - ocultação do nome da empresa AGIS EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS DE INFORMÁTICA LTDA - fora praticado com o fito de resguardar a empresa da atuação da Receita Federal, tendo em vista que as operações de importação tidas como fraudulentas seriam feitas por meio de pessoa jurídica interposta. 3. No caso, a acusação relativa ao crime de falsidade ideológica está indissociavelmente ligada a descrição do crime contra a ordem tributária, cuja apuração se apresentou carente de justa causa dada a ausência de constituição definitiva do crédito tributário na esfera administrativa. A conduta descrita no art. 299 do Código Penal, se realmente foi praticada, o foi com o propósito deliberado de iludir o Fisco, não podendo, na espécie, ser tratado como delito autônomo. As Declarações de Importação tidas como ideologicamente falsas somente poderiam ser utilizadas para iludir o pagamento dos tributos, ou seja, a potencialidade lesiva de tais documentos, por assim dizer, se esgotaria em tal conduta. 4. [...]. 5. Recurso provido a fim de extinguir a Ação Penal nº 2007.70.00.016026-7 - Terceira Vara Federal Criminal de Curitiba. (RHC 29.028/PR, Relator o Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), DJe 28/09/2011).


RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE DOCUMENTO FALSO. DECLARAÇÃO FALSA PRESTADA PARA REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA FÍSICA. APRESENTAÇÃO DE RECIBOS ODONTOLÓGICOS IDEOLOGICAMENTE FALSOS À AUTORIDADE FAZENDÁRIA. EXAURIMENTO DA CONDUTA ANTERIOR. DELITOS AUTÔNOMOS. INOCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. 1. Na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Física, o sujeito passivo da obrigação tributária presta ao Fisco todas as informações relativas às hipóteses de incidência do referido tributo no prazo previsto na legislação aplicável, para que seja conhecida a base de cálculo sobre a qual irá incidir a alíquota respectiva. 2. Sem olvidar o entendimento consolidado no enunciado 24 da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, eventual omissão ou declaração com a intenção de reduzir ou suprimir tributo se verifica no momento em que a legislação tributária atribui ao próprio contribuinte o dever de fornecer ao Fisco as informações necessárias à apuração e definição da exação. 3. A declaração falsa inserida na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física nada mais é do que a representação da informação contida no documento ideologicamente falsificado, do qual se utiliza o agente para obter a redução ou supressão do referido tributo, circunstância que impede a incidência dos tipos penais previstos no artigo 299 e 304 do Código Penal, para que não ocorra o vedado bis in idem. 4. O fato do sujeito passivo da obrigação tributária apresentar o documento ideologicamente falsificado à autoridade fazendária, quando chamado a comprovar as declarações prestadas em momento anterior, se trata de mero exaurimento da conduta necessária para a configuração do delito de sonegação fiscal, já que desprovido, neste momento, de qualquer outra potencialidade lesiva que exija a aplicação autônoma do delito descrito no artigo 304 do Estatuto Repressor. 5. Recurso ordinário provido para determinar o trancamento da ação penal deflagrada em desfavor do recorrente, estendendo-se os efeitos desta decisão ao corréu, por força do disposto no artigo 580 do Código de Processo Penal. (RHC nº 26891/MG, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe 01/08/2012).

Portanto, extinta a punibilidade do crime-fim, em razão do pagamento do tributo devido, antes mesmo de eventual ação penal, não se vislumbra justa causa para se punir o recorrente apenas pela falsidade, a qual é mero crime-meio. ...» (Min. Marco Aurélio Bellizze).»

Doc. LegJur (135.9184.4000.0700) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Falsidade ideológica (Jurisprudência)
▪ Crime tributário (v. ▪ Falsidade ideológica) (Jurisprudência)
▪ Subfaturamento de bens importados (v. ▪ Crime tributário) (Jurisprudência)
▪ Crime-meio (Jurisprudência)
▪ Crime-fim (Jurisprudência)
▪ Relação de causalidade (v. ▪ Falsidade ideológica) (Jurisprudência)
▪ Extinção da punibilidade (Jurisprudência)
▪ Tributo pago (v. ▪ Crime tributário) (Jurisprudência)
▪ CP, art. 71
▪ CP, art. 299
▪ CP, art. 334
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