Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Consumidor. Contrato bancário. Banco. Fundos de investimento. Dever de informação. Transferência dos valores investidos para banco não integrante da relação contratual. Conhecimento do cliente. Mera presunção. Ausência de anuência expressa. Intervenção Bacen no Banco Santos S/A. Indisponibilidade das aplicações. Responsabilidade do banco contratado. Ocorrência. Ressarcimento dos valores depositados. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o dever de informação ao consumidor e os riscos da álea bancária. CDC, arts. 14, § 1º, II e 31.

Postado por Emilio Sabatovski em 22/10/2012
«... III – Da alegação de violação do art. 31 do CDC. Dever de informação. Indisponibilidade dos valores investidos. Transferência a terceiro alheio à relação contratual. Presunção de conhecimento do homem médio. Riscos inerentes aos fundos de investimento.

O presente recurso especial vem amparado na alegação de ofensa ao art. 31 da Lei Consumerista. Sustenta o recorrente que o acórdão hostilizado teria violado a norma em comento ao entender que o redirecionamento das aplicações ao Banco Santos estaria inserido dentro dos riscos normais e previsíveis, ínsitos aos fundos de investimento. Aduz que, para esse tipo de operação realizada pelo recorrido, impõe-se a demonstração prévia e específica da ciência por parte do correntista-investidor, não bastando a mera presunção de conhecimento, como entendeu o Tribunal de Origem. Alega ainda que o art. 14, § 1º, II, do CDC não guarda relação com a matéria discutida, porquanto não se discute, na espécie, sobre os defeitos do serviço e sobre os riscos esperados, mas sim de investimentos feitos por iniciativa do banco recorrido.

Para uma melhor análise da controvérsia, faz-se mister quer seja a pretensão contextualizada em pormenores. A hipótese em exame versa sobre aplicações em fundos de investimento, mediante contrato celebrado entre o investidor, recorrente, e a instituição bancária recorrida (Banco da Amazônia – BASA). A existência do negócio jurídico resta inegável, assim como a transferência das aplicações feitas pelo recorrente junto ao BASA – banco do qual era correntista –, para fundo gerido pelo Banco Santos, o qual veio, posteriormente, a sofrer intervenção do Bacen, o que ocasionou a indisponibilidade de resgate dos investimentos do recorrente.

É cediço que os fundos de investimento são contratos de risco, aleatórios e em geral dependentes do acaso, o que importa, conforme as lições de Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil: direito das obrigações. 2ª Parte. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 67) em incerteza da fortuna.

Acerca do conceito de contratos de fundo de investimento, ensina-nos, ainda, Carlos Alberto Bittar (Contratos Comerciais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008, p.163) ao defini-los como:


contrato com objeto definido, mas cercado de obrigações e deveres correlatos, como de regras nas áreas bancária e financeira. De fato centra-se na recepção, na conservação e na aplicação do numerário, para a devolução da data, na ocasião definida pelo interessado, observadas as formalidades próprias. A administração da verba, enquanto em poder da instituição é, assim, elemento básico do ajuste, podendo, ademais, ser sua obrigação própria, em contrato que a preveja (ou seja, em que à entidade compete fazer as destinações para os vários tipos de aplicações).

Nas aplicações em fundos de investimento, a entidade bancária realiza uma prestação de serviços, obtendo para tanto uma remuneração, o que enquadra esses contratos no conceito de prática comercial. Por essa razão, a relação existente entre o investidor e a instituição financeira configura-se como uma típica relação de consumo – como entendeu, com razão, o TJ/MG –, de modo que a figura do investidor-consumidor conta com a especial proteção concedida pela CDC. Nesse sentido, o ensinamento de Fernando Estevam Bravin Ruy (Direito do Investidor: Consumidor no Mercado de Capitais e nos Fundos de Investimentos. Lumen Júris: Rio de Janeiro, 2010. p. 11).

É importante lembrar que, tanto nas relações de consumo, como nas relações contratuais em geral, o princípio da boa-fé objetiva deve ser colocado em primeiro plano. Dele decorre a exigência do agir com probidade e transparência, de forma que em uma relação obrigacional não se cause dano à outra parte ou a terceiros. Dentre as funções desse princípio destaca-se a criação de deveres anexos ao contrato, entre os quais se encontra o dever de informação.

O principio da boa-fé e seus deveres anexos devem ser aplicados na proteção do investidor-consumidor que utiliza os serviços dessas instituições, o que implica a exigência, por parte do fornecedor dos serviços bancários, de informações adequadas, suficientes e específicas sobre o serviço que está sendo prestado com o patrimônio daquele que o escolheu como parceiro.

No universo das informações que devem ser prestadas, inclui-se, como ensina Fernando Estevam Bravin Ruy (Ob. Cit., p. 135) a informação «sobre os serviços prestados, sobre os produtos desejados para futuro investimento ou os produtos que estão sendo vendidos em razão dos investimentos anteriormente realizados, além dos produtos que não serão adquiridos». Salienta-se ainda que, por força da regra contida no art. 8º do CDC, as informações necessárias e adequadas a respeito de «riscos normais e previsíveis». também estão abrangidas no dever geral de informação imposto ao fornecedor de serviços.

Esta colenda Turma, contudo, em julgamento recente (REsp 1.003.893/RJ. Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 08/09/2010), entendeu por negar provimento ao recurso especial interposto por investidor que buscou a responsabilização do banco pelas perdas havidas em fundo de investimento – decorrentes da maxidesvalorização sofrida pelo real em 1999 –, sob o fundamento de que «no investimento em fundos derivativos, principalmente os vinculados ao dólar americano, é ínsito o alto grau de risco, tanto para grandes ganhos, como para perdas consideráveis», concluindo que «aqueles que se encorajam a investir em fundos arrojados estão cientes dos riscos do negócio, caso contrário depositariam suas reservas em investimentos mais conservadores, como, por exemplo, na poupança».

Consagrou-se, assim, a presunção de conhecimento pelo homem-médio (consumidor-padrão) acerca dos riscos normais e previsíveis ínsitos aos fundos de investimento, os quais, em outro precedente desta Corte (REsp 747.149/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 05/12/2005), foram denominados pelo i. Min. Aldir Passarinho Junior, em seu voto-vista, de «variações que acontecem, que são próprias do mercado», como de fato foi o episódio ocorrido em 1999, em decorrência da alteração da política cambial, implementada pelo governo como estratégia de contenção à perda de reservas.

No que concerne à existência de conhecimento ou anuência do correntista acerca dos riscos ínsitos aos fundos de investimentos, constata-se que o acórdão recorrido, para desonerar o banco de qualquer responsabilidade, baseou-se também numa presunção de conhecimento, comum ao consumidor-padrão, conforme se depreende pela leitura do seguinte excerto (e-STJ fls. 357/348):


Data vênia, a alegação tecida pelo recorrente quanto à ausência de informações precisas acerca dos riscos oferecidos pelas aplicações em fundos de investimento não guarda conformidade com a natureza do relacionamento estabelecido entre as partes e com a própria pessoa do recorrente. É que, em tendo optado por depositar sua poupança pessoal em fundos de investimentos, presume-se que, de conformidade com as mais comezinhas regras de experiência comum, havia ele se inteirado da natureza do investimento que efetivava e dos riscos que lhe eram inerentes, pois refoge ao senso comum aventar-se que qualquer cidadão efetive um investimento de consideráveis somas sem antes inteirar-se dos riscos aos quais se submeteria, notadamente, na hipótese presente, em que havia um valor total aplicado correspondente a R$725.000,00.

Verifica-se, contudo, que a causa de pedir na hipótese dos autos é distinta da presente nos dois precedentes citados, daí a importância de se contextualizar a pretensão, para não se partir de uma premissa equivocada. Na espécie não se está discutindo pura e simplesmente perdas no fundo de investimento pelo que se pode chamar de «variações próprias do mercado».

O episódio ocorrido na hipótese em análise, de redirecionamento das aplicações do recorrente ao fundo gerido pelo Banco Santos, configura-se, todavia, operação que a instituição bancária realizou fora de seu compromisso contratual e legal e que extrapola, por essa razão, a alea natural do contrato. Essa situação não pode ser equiparada, a título exemplificativo, ao risco de que o real se desvalorize frente ao dólar ou de que determinada ação sofra uma queda abrupta na bolsa de valores, pois na espécie existe um elemento volitivo, com o qual o conceito de risco, como algo revestido de incerteza, é incompatível.

Não se pode chamar de risco, a desonerar a instituição bancária de sua responsabilidade, o que foi sua própria escolha. O recorrente não contratou qualquer aplicação financeira com o Banco Santos, tendo estabelecido relação contratual com o recorrente, não lhe dizendo respeito a subsequente relação firmada entre a instituição financeira recorrida e o Banco Santos S.A.

A aplicação junto ao Banco Santos do capital investido pelo recorrente enquanto correntista da instituição financeira recorrida, portanto, ao contrário do que entendeu o acórdão hostilizado, não está «inserida na alea natural». (e-STJ fl. 348) do contrato e, assim sendo, não é suficiente para desonerar o banco recorrido a mera presunção de conhecimento pelo recorrente. Para tanto deveria o banco recorrido ter comprovado que o autor teria autorizado, de forma expressa, quanto à finalidade pretendida, ônus do qual não logrou desincumbir-se.

Assim, se banco o recorrido, instituição escolhida pelo recorrente para administrar seu capital, redirecionou inadequadamente os recursos para instituição financeira alheia à relação contratual, cometeu ilícito contratual, em flagrante violação do princípio da boa-fé e de seus deveres anexos, como o dever de informação. Por essa razão, não cabe imputar ao recorrente eventual ônus decorrente da indisponibilização de seu capital, devendo o recorrido arcar com a má-escolha, operada supostamente em nome do cliente.

Forte nesses razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para condenar o banco recorrido a restituir ao recorrente os valores depositados. Em virtude da inversão da sucumbência, condeno o recorrido ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, mantidos quanto a estes o valor fixado pelo Juízo de 1º grau de jurisdição. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (127.0531.2000.7700) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Consumidor (Jurisprudência)
▪ Contrato bancário (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Banco (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Fundos de investimento (v. ▪ Contrato bancário) (Jurisprudência)
▪ Informação (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Dever de informação (v. ▪ Consumidor) (Jurisprudência)
▪ Transferência dos valores (v. ▪ Banco) (Jurisprudência)
▪ CDC, art. 14, § 1º, II
▪ CDC, art. 31.
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