Jurisprudência em Destaque

STF. Pleno. Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Considerações do Min. Gilmar Mendes sobre o cabimento, ou não, da ação direta de inconstitucionalidade para impugnar normas de efeito concreto. Lei 11.514/2007, art. 100 (LDO). CF/88, art. 165, § 2º. Lei 9.868/1999, art. 10.

Postado por Emilio Sabatovski em 24/01/2012
«... Em primeiro lugar, analiso a preliminar suscitada pela Advocacia-Geral da União quanto ao não cabimento da presente ação direta de inconstitucionalidade. Sustenta a Advocacia-Geral da União que a Lei 11.514/2007, por ser lei de diretrizes orçamentárias («LDO 2008»), não possui autonomia normativa e caráter geral e abstrato suficientes para ser objeto do controle abstrato de constitucionalidade.

Como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem considerado inadmissível a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra atos de efeito concreto. Assim, tem-se afirmado que a ação direta é o meio pelo qual se procede ao controle de constitucionalidade das normas jurídicas in abstracto, não se prestando ela «ao controle de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei – as leis meramente formais, porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinam relações em abstrato»(1).


▪ (1) ADI 647, Rel. Moreira Alves, DJ de 27-3-1992, p. 3801.

Na mesma linha de orientação, afirma-se que «atos estatais de efeitos concretos, ainda que veiculados em texto de lei formal, não se expõem, em sede de ação direta, à jurisdição constitucional abstrata do Supremo Tribunal Federal»

(...), porquanto «a ausência de densidade normativa no conteúdo do preceito legal impugnado desqualifica-o – enquanto objeto juridicamente inidôneo – para o controle normativo abstrato»(2).


▪ (2) ADI 842, Rel. Celso de Mello, DJ de 14-5-1993, p. 9002; cf., também, ADI 647, Rel. Moreira Alves, DJ de 27-3-1992, p. 3801, e ADI 767, Rel. Carlos Velloso, DJ de 18-6-1993, p. 12110.

Assim, tem-se afirmado que disposição constante de lei orçamentária que fixa determinada dotação configura ato de efeito concreto, insuscetível de controle jurisdicional de constitucionalidade por via de ação («Os atos estatais de efeitos concretos – porque, despojados de qualquer coeficiente de normatividade ou de generalidade abstrata – não são passíveis de fiscalização, em tese, quanto à sua legitimidade constitucional»)(3).


▪ (3) ADI 283, Rel. Celso de Mello, DJ de 12-3-1990, p. 1691.

Identifica-se esforço no sentido de precisar a distinção entre normas gerais e normas de efeito concreto na seguinte reflexão de Pertence:


É expressiva dessa orientação jurisprudencial a decisão que não conheceu da ADI 2.100, 17-12-1999, Jobim, DJ de 1º-6-2001:


«Constitucional. Lei de diretrizes orçamentárias. Vinculação de percentuais a programas. Previsão da inclusão obrigatória de investimentos não executados do orçamento anterior no novo. Efeitos concretos. Não se conhece de ação quanto a lei desta natureza. Salvo quando estabelecer norma geral e abstrata, ação não conhecida.»


A contraposição, no precedente, da disposição legal de efeitos concretos à regra geral e abstrata amolda-se à distinção, na obra póstuma de Hans Kelsen, entre a norma de caráter individual quando se torna individualmente obrigatória uma conduta única – e a norma de caráter geral – na qual «uma certa conduta é universalmente posta como devida» (Hans Kelsen, Teoria Geral das Normas, trad.G. Florentino Duarte, Fabris Ed., 1986, p. 11). «O caráter individual de uma norma [explica o mestre da Escola de Viena] não depende de se a norma é dirigida a um ser humano individualmente determinado ou a várias pessoas individualmente certas ou a uma categoria de homens, ou seja, a uma maioria não individualmente, mas apenas de certas pessoas de modo geral. Também pode ter caráter geral uma norma que fixa como devida a conduta de uma pessoa individualmente designada; não apenas uma conduta única, individualmente determinada, é posta como devida, mas uma conduta dessa pessoa estabelecida em geral. Assim quando, p. ex., por uma norma moral válida – ordem dirigida a seus filhos – um pai autorizado ordena a seu filho Paul ir à igreja todos os domingos ou não mentir. Essas normas gerais são estabelecidas pela autoridade autorizada pela norma moral válida; para os destinatários das normas, são normas obrigatórias, se bem que elas apenas sejam dirigidas a uma pessoa individualmente determinada. Se pela autoridade para tanto autorizada por uma norma moral válida é dirigido um mandamento a uma maioria de sujeitos individualmente determinados e apenas é imposta uma certa conduta individualmente – como, porventura, no fato de um pai que ordenou a seus filhos Paul, Jugo e Friedrich felicitarem seu professor Mayer pelo 50º aniversário – então há tantas normas individuais quantos destinatários de norma. O que é devido numa norma – ou ordenado num imperativo – é uma conduta definida. Esta pode ser uma conduta única, individualmente certa, conduta de uma ou de várias pessoas individualmente; pode, por sua vez, de antemão, ser um número indeterminado de ações ou omissões de uma pessoa individualmente certa ou de uma determinada categoria de pessoas. Esta é a decisiva distinção».(4)


▪ (4) ADI 2.535, Rel. Sepúlveda Pertence, DJ de 21-11-2003.

A extensão da jurisprudência, desenvolvida para afastar do controle abstrato de normas os atos administrativos de efeito concreto, às chamadas leis formais suscita, sem dúvida, alguma insegurança, porque coloca a salvo do controle de constitucionalidade um sem número de leis.

Não se discute que os atos do poder público sem caráter de generalidade não se prestam ao controle abstrato de normas, porquanto a própria Constituição elegeu como objeto desse processo os atos tipicamente normativos, entendidos como aqueles dotados de um mínimo de generalidade e abstração.

Ademais, não fosse assim, haveria uma superposição entre a típica jurisdição constitucional e a jurisdição ordinária.

Outra há de ser, todavia, a interpretação, se se cuida de atos editados sob a forma de lei. Nesse caso, houve por bem o constituinte não distinguir entre leis dotadas de generalidade e aqueloutras, conformadas sem o atributo da generalidade e abstração. Essas leis formais decorrem ou da vontade do legislador, ou do desiderato do próprio constituinte, que exige que determinados atos, ainda que de efeito concreto, sejam editados sob a forma de lei (v.g., Lei de Orçamento, lei que institui empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia e fundação pública).

Ora, se a Constituição submete a lei ao processo de controle abstrato, até por ser este o meio próprio de inovação na ordem jurídica e o instrumento adequado de concretização da ordem constitucional, não parece admissível que o intérprete debilite essa garantia da Constituição, isentando um número elevado de atos aprovados sob a forma de lei do controle abstrato de normas e, muito provavelmente, de qualquer forma de controle. É que muitos desses atos, por não envolverem situações subjetivas, dificilmente poderão ser submetidos a um controle de legitimidade no âmbito da jurisdição ordinária.

Ressalte-se que não se vislumbram razões de índole lógica ou jurídica contra a aferição da legitimidade das leis formais no controle abstrato de normas, até porque abstrato – isto é, não vinculado ao caso concreto – há de ser o processo e não o ato legislativo submetido ao controle de constitucionalidade.

Por derradeiro, cumpre observar que o entendimento acima referido do Supremo Tribunal acaba, em muitos casos, por emprestar significado substancial a elementos muitas vezes acidentais: a suposta generalidade, impessoalidade e abstração ou a pretensa concretude e singularidade do ato do poder público.

Os estudos e análises no plano da teoria do direito indicam que tanto se afigura possível formular uma lei de efeito concreto – lei casuística – de forma genérica e abstrata quanto seria admissível apresentar como lei de efeito concreto regulação abrangente de um complexo mais ou menos amplo de situações(5).


▪ (5) Cf. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional, 5. ed., Coimbra, 1992, p. 625-6; Pieroth e Schlink, Grundrechte – Staatsrecht II, Heidelberg, 1988, p. 78.

Todas essas considerações parecem demonstrar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não andou bem ao considerar as leis de efeito concreto como inidôneas para o controle abstrato de normas.

Sem embargo, é importante ressalvar que, recentemente, o Tribunal(6) reconheceu o caráter normativo de disposições de lei orçamentária anual da União (Lei 10.640/2003, que disciplinou a destinação da receita da Cide-Combustíveis)(7). Na espécie, por maioria, acolheu-se a preliminar de cabimento de ação direta de inconstitucionalidade contra lei orçamentária, sob o argumento de que os dispositivos impugnados eram dotados de suficiente abstração e generalidade (ADI 2.925, Rel. Ellen Gracie, Rel. p/ o ac. Marco Aurélio, DJ de 4-3-2005). O acórdão assim está ementado:


▪ (6) ADI 2.925, Rel. Ellen Gracie, DJ de 4-3-2005.


▪ (7) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico dos Combustíveis.


Processo objetivo – Ação direta de inconstitucionalidade – Lei orçamentária. Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta. Lei orçamentária – Contribuição de intervenção no domínio econômico – Importação e comercialização de petróleo e derivados, gás natural e derivados e álcool combustível – Cide – Destinação – Art. 177, § 4º, da Constituição Federal. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no § 4º do art. 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas a, b e c do inciso II do citado parágrafo.

Cito também a decisão do Ministro Sepúlveda Pertence na ADPF 63 (DJ de 11-2-2005), na qual o eminente Ministro afirmou o seguinte:


(...) o entendimento desta Corte, ao contrário do que afirma a Requerente, não é taxativo quanto à falta de abstração e generalidade das normas orçamentárias.


No julgamento da ADI 2.925 (Ellen Gracie, Inf. 2.333), acentuei:


«Na jurisprudência do Tribunal, creio, mesmo em norma de LDO – exemplo típico de norma concreta que se esgota com o ato que se destina a regrar, isto é, a elaboração do projeto do orçamento anual –, numa das poucas aberturas – pelo menos as minhas anotações consignam –, admitimos a ação direta, em parte. Refiro-me à ADI 2.108, em que conhecemos com relação a uma norma da LDO, porque vinculava a execução orçamentária mensal à receita líquida. Era uma norma de vigência temporária, mas pareceu-nos geral e, portanto, susceptível do controle direto de constitucionalidade. Assim também parece no caso concreto, ainda sem me aventurar a anunciar critérios gerais de orientação da jurisprudência.»


Na mesma linha, o eminente Ministro Gilmar Mendes:


«Em se tratando de lei orçamentária, com maior razão, porque, se atentarmos para aquilo que está no texto, veremos que ele não guarda qualquer relação – como já destacado pelo Ministro Marco Aurélio – com as normas típicas de caráter orçamentário. Ao contrário, está dotado de generalidade e abstração, é claro que gravada pela temporalidade, como não poderia deixar de ser em matéria de lei orçamentária. Penso que é uma oportunidade para o Tribunal, talvez, rediscutir esse tema.»

A meu ver, essa nova orientação é mais adequada porque, ao permitir o controle de legitimidade no âmbito da legislação ordinária, garante a efetiva concretização da ordem constitucional.

Portanto, entendo que o dispositivo impugnado, o art. 100 da Lei 11.514/2007, pode perfeitamente figurar como objeto desta ação direta de inconstitucionalidade. ...» (Min. Gilmar Mendes).»

Doc. LegJur (12.5645.3000.4700) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Ação direta de inconstitucionalidade (Jurisprudência)
Medida cautelar (Jurisprudência)
(Legislação)
CF/88, art. 165, § 2º
(Legislação)
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