Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Fraude contra credores. Fraude preordenada para prejudicar futuros credores. Anterioridade do crédito. Temperamento. Relativização. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. CCB, art. 106, parágrafo único. CCB/2002, art. 158, § 2º.

Postado por Emilio Sabatovski em 17/11/2011
«... III – Da ausência de anterioridade do crédito impugnado. Violação do art. 106, parágrafo único, do CC/16.

Os recorrentes suscitaram ofensa ao art. 106, parágrafo único, do CC/16, alegando que, «para dar ensejo à anulação do ato caracterizado como fraudulento, é fundamental que tenha sido o crédito construído antes da realização do ato que se deseja anular». (fl. 1.571).

Dispõe a norma em debate que:


Art. 106 - Os atos de transmissão gratuita de bens, ou remissão de dívida, quando os pratique o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos.


Parágrafo único - Só os credores, que já o eram ao tempo desses atos, podem pleitear-lhes a anulação.

O nosso ordenamento jurídico disciplinou, na regra em comento, o instituto da fraude contra credores, visando a coibir a prática, pelo devedor, de atos fraudulentos que acarretem a diminuição de seu patrimônio com o propósito de prejudicar seus credores. Contra essa artimanha utilizada pelo devedor, surgiu a ação pauliana ou revocatória, que busca, uma vez caracterizada a fraude contra credores, conservar no patrimônio do devedor determinados bens, garantia do cumprimento das obrigações assumidas por este.

É certo que da literalidade do dispositivo em questão extrai-se que a afirmação da ocorrência de fraude contra credores depende, para além da prova de consilium fraudis e de eventus damni, da anterioridade do crédito em relação ao ato impugnado.

No que concerne ao requisito da anterioridade do crédito, entendo, contudo, que a interpretação literal do art. 106, parágrafo único, do CC/16 não deve sempre prevalecer. Há de se realizar uma exegese teleológica, finalística desse dispositivo, perquirindo os reais objetivos vislumbrados pelo legislador.

Assim procedendo, verifica-se que a finalidade da regra contida no art. 106, parágrafo único, do CC/16, cuja essência foi mantida pelo art. 158, §2º, do CC/02, é coibir atos fraudulentos.

Não há como negar que a dinâmica da sociedade hodierna, em constante transformação, repercute diretamente no direito e por consequência na vida de todos nós. O intelecto ardiloso, buscando adequar-se a uma sociedade em ebulição, também intenta - criativo como é - inovar nas práticas ilegais e manobras utilizados com o intuito de escusar-se do pagamento ao credor. Um desses expedientes é a diminuição maliciosa do patrimônio, já antevendo, num futuro próximo, o surgimento de dívidas, com vistas a afastar o requisito da anterioridade do crédito, como condição da ação pauliana. E a esse cenário, criado por aqueles que, de má-fé, buscam alternativas para burlar o sistema legal vigente, não pode o Poder Judiciário ficar alheio.

A ordem jurídica, como fenômeno cultural, deve sofrer constantemente uma releitura, na busca pela eficácia social do Direito positivado. Assim, aplicando-se com temperamento a regra contida no referido preceito legal, entendo que, embora a anterioridade do crédito – relativamente ao ato impugnado – seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, ela pode ser relativizada quando for verificada a fraude predeterminada para atingir credores futuros, ou seja, o comportamento malicioso dos recorrentes, no sentido de dilapidarem o seu patrimônio na iminência de contraírem débito frente à requerida.

O TJ/SP, ao delinear o quadro fático, salienta que «da cronologia dos fatos narrados nas peças juntadas aos autos, verifica-se a patente intenção de fraudar futuros credores», destacando ser «demasiadamente estranho e nebuloso que os apelados (...) tenham constituído empresas, posteriormente, alienado/transferido todos seus bens móveis e imóveis a estas, procederam alienação dessas quotas sociais para outras off-shores, e, logo em seguida, em curtíssimo espaço de tempo, serem avalistas garantidores (...) de valor vultoso, mesmo sabedores de que não dispunham – oficialmente – de mais nenhum bem em seus patrimônios ». (fl. 1.536).

Mais adiante (fl. 1.537) assevera que:


Contornos peculiares da presunção preordenada de dolo se infere das qualidade subjetivas dos apelados A. Vespa Ltda. e Avejota Ltda., que são, nada mais, nada menos, que empresas constituídas por meio dos próprios bens dos apelados Almir Vespa, Almir Vespa Junior e outros, das quais foram sócios e, inusitadamente, exerceram seu direito de retirada da sociedade e transferiram as quotas para off-shores em paraísos fiscais.


(...)


Fato de curial importância para fixar a engenhosidade e nebulosidade são as sucessivas alterações societárias operadas nas empresas apeladas (das quais sócios os co-apelados), seja em face do aumento repentino do capital social, com a transferência dos bens particulares, seja pelo fato de que após concluídas todas as transações as empresas não mantiveram mais nenhuma operação mercadológica.

Qualquer conclusão em sentido contrário exigiria o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 07/STJ.

Dessa forma, tendo restado caracterizado nas instâncias ordinárias o conluio fraudatório e o prejuízo com a prática do ato – ao contrário do que querem fazer crer os recorrentes – e mais, tendo sido comprovado que os atos fraudulentos foram predeterminados para lesarem futuros credores, tenho que se deve reconhecer a fraude contra credores e declarar a ineficácia dos negócios jurídicos (transferências de bens imóveis para as empresas Vespa e Avejota).

Esta Corte, no julgamento do REsp 10.096/RJ, de relatoria do e. Min. Cláudio Santos (3ª Turma, DJ de 27.04.92), decidiu nesse sentido. Do acórdão extrai-se o seguinte excerto:


Decidiu com acerto o Eg. Tribunal a quo. E o fez ampliando o entendimento literal do parágrafo único do art. 106 do Código Civil de 1916, a fim de tornar a lei compatível com as transformações sociais da segunda metade deste século.


Yussef Said Cahali lembra que «a jurisprudência mais atualizada, contudo, em antecipação meritória, vem reconhecendo que, embora a anterioridade do crédito, relativamente ao ato impugnado como fraudulento, seja, via de regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, «esse pressuposto, no entanto é afastável quando ocorrer a fraude predeterminada para atingir credores futuros». (in «Fraude contra Credores», São Paulo, RT, 1989, p.123). E em nota de rodapé registra acórdão da 1ª CC do TJRS, de 26.11.80, Rel. Athos Gusmão Carneiro, RJTRS 90/258.

Na seara doutrinária ensina Orlando Gomes que «de regra, só é anulável a transmissão feita depois de ter sido contraída a dívida, mas não há razão para essa limitação porque o ato de alienação praticado anteriormente pode ser dolosamente preordenado para o fim de prejudicar a satisfação do futuro credor». (Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., 1976, p. 283).

Na mesma senda de entendimento, a lição de Yussef Said Cahali (Fraude contra credores. São Paulo: RT, 3ª ed., 2002, p. 141) e Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. I. São Paulo: Saraiva, 26ª ed., 2009, p. 209).

Igualmente no direito comparado, em especial no direito italiano e francês – como bem destacou o acórdão recorrido – projeta-se essa tese. Yussef Said Cahali, noticiando o entendimento jurisprudencial atual da Corte de Cassação Francesa, revela que esse Tribunal «tem decidido de maneira constante que os credores posteriores ao ato fraudulento podem por exceção impugnar esse ato se houve da parte do devedor prévision frauduleuse, se o ato foi praticado para ludibriar os terceiros que viriam a contratar com ele ulteriormente». (op.cit., fl. 144).

Inexiste, portanto, ofensa ao art. 106, parágrafo único, do CC/16. ...» (Minª. Nancy Andrighi).»

Doc. LegJur (117.7174.0000.7100) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Fraude contra credores (Jurisprudência)
Fraude preordenada (v. Fraude contra credores ) (Jurisprudência)
Futuros credores (v. Fraude contra credores ) (Jurisprudência)
Anterioridade do crédito (v. Frande contra credores ) (Jurisprudência)
Relativização (v. Fraude contra credores ) (Jurisprudência)
CCB, art. 106, parágrafo único
CCB/2002, art. 158, § 2º
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