Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 121.0124.5456.6007

1 - TJRJ Apelação. Ação de busca e apreensão. Compra e venda de veículo entre particulares. Fraude. Sentença de procedência. Apelo do réu. Esquema fraudulento em anúncios na plataforma de classificados digitais. Excepcionalidade.

Apelo do proprietário/vendedor contra a sentença que julgou procedente o pedido, para confirmar a tutela antecipada já deferida e determinar a busca e apreensão do veículo, consolidando nas mãos da autora/compradora o domínio e a posse plenos e exclusivos do bem, condenando o réu ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, estes que fixou em 10% (dez por cento) do valor da causa. Negócio jurídico entre particulares envolvendo a compra e venda de um veículo automotor (caminhão) aparentemente intermediada por terceiro fraudador. Cumpre assinalar que a relação jurídica de compra e venda de bens móveis entre particulares não ostenta natureza consumerista, haja vista que negócios jurídicos firmados por pessoas naturais, que não se dedicam à atividade empresarial de compra e venda como a de que ora se cuida configura transação de caráter civil, não sujeita às disposições do CDC. Nessa vereda, a responsabilidade do réu, na qualidade de suposto vendedor, é subjetiva e, portanto, só se concretiza com a demonstração de dolo ou culpa. Há de se ressaltar, no entanto, o que de início decidiu o Juízo às fls. 120 em relação ao pleito de reconsideração formulado pelo réu, para manter integralmente a decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, ou seja, o fato de que ele assinou o documento de venda do veículo, não negou a autenticidade da assinatura e nem questionou o reconhecimento de firma realizado pelo Cartório do 14º Ofício de Notas, concluindo que restava claro até aquele momento a sua participação ao menos em parte das tratativas para venda do veículo. Observe-se a questão então levantada pela ilustre magistrada: «Se o réu é vítima de fraude perpetrada por terceiro, não é a autora, que até o momento tem a seu lado a aparência de boa fé na realização do negócio jurídico em testilha, quem deve arcar com o prejuízo pela não concretização da tradição, podendo o réu ajuizar ação regressiva contra quem afirma tê-lo prejudicado". A autora demonstra que chegou ao caminhão em razão de anúncio publicado em «site da Internet, viu de perto o bem oferecido, aceitou as condições e fechou o negócio. Obteve o financiamento, pagou o preço, mas não recebeu o veículo, ocasião em que acordou para a fraude que se delineava. Em sua irresignação, o réu questiona o fato de ter oferecido o bem em anúncio pelo valor de R$110.000,00 e não R$60.000,00, afirmando ainda que o seu caminhão «não está desaparecido". Ou seja: o roteiro que se apresenta é aquele vislumbrado pela ilustre magistrada, pelas partes e pelo entendimento deste Tribunal de Justiça. De fato, o esquema fraudulento ocorre, em síntese, mediante anúncios na plataforma de classificados digitais - OLX, onde o vendedor propaga a venda do veículo de sua propriedade, o comprador demonstra interesse na compra de um bem com características similares ao do anúncio, e nessa seara surge um terceiro, fraudador, que, sabendo da pretensão de ambas as partes, passa-se por intermediário do negócio jurídico, apresentando sempre condições mais favoráveis para, ao final, apropriar-se indevidamente do valor da compra e venda. «In casu, observa-se peculiaridades distintivas: o vendedor, ora apelante, não entregou o veículo e «não recebeu o preço, enquanto a autora, compradora, ora apelada, não recebeu o bem, mas foi levada a transferir os valores da compra e venda para o fraudador. Ora, não obstante não se vislumbre concretamente conluio entre as partes e o golpista, restou caracterizada a ilicitude propiciada pela atuação do réu, motivo pelo qual tenho como acertada a sentença. Com efeito, instados em provas (fls. 120), o réu se manifestou às fls. 122 se limitando a questionar a conclusão do Juízo ao conceder a tutela antecipada, reiterando que o anúncio do veículo definiu o preço (R$110.000,00), tendo a autora efetuado o pagamento de apenas de R$60.000,00, contraditoriamente afirmando que «jamais a Autora foi autorizada pelo vendedor a pagar qualquer quantia à outra pessoa do valor da compra do veículo". A documentação então adunada (fls. 123 a 147), foi tida como manifestamente insuficiente para desconstituir a versão autoral, não obstante o Registro de Ocorrência pelo réu realizado (fls. 63/64) e também as provas anexadas com a exordial (o pix, o contrato de financiamento e o Registro de Ocorrência pela autora também efetuado), considerado as narrativas em confronto, nada mais requerendo o réu «em provas". Consigne-se que também a autora se limitou a ao conjunto probatório já produzido (fls. 152). De todo modo, concluiu a ilustre magistrada que a autora, compradora, entregou o preço para suposto o fraudador e não recebeu o veículo. E considerou que o réu afirma que está na posse do bem móvel e não impugnou validamente a informação prestada pela autora, quando repassou a comunicação de seu gerente quanto a que o vendedor (Sr. Jorge) entrou em contato com o banco solicitando que o gravame fosse retirado, desse modo devendo o mesmo suportar o prejuízo. Sem resposta restou, aliás, outra conclusão do Juízo quanto a que, como se depreendia dos autos, o réu assinou o documento de venda e, caso tenha sido vítima de fraude perpetrada por terceiro, não seria a autora, que demonstrou boa fé na realização do negócio jurídico, quem deve arcar com o prejuízo pela não concretização da tradição, podendo o réu ajuizar ação regressiva contra quem afirma tê-lo prejudicado. Sobre o que foi também alegado pelo réu no sentido de que a autora estivesse desautorizada para levar adiante a negociação, bem consignou a ilustre magistrada o fato de os links por ela apresentado retratarem as tratativas feitas entre as partes, restando evidenciado que o Sr. Jorge requereu que a parte autora acertasse com Bruno, o suposto fraudador. Por amor ao argumento, ainda que se constatasse que ambas as partes fossem responsáveis pelos prejuízos que ambas tiveram, seria o caso de eventual aplicação do disposto no CCB, art. 945. No entanto, não é essa a hipótese de que aqui se cuida. Sentença que não merece reparos, devendo ser mantida. Recurso a que se nega provimento.

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