Jurisprudência em Destaque

STJ. 6ª T. Tóxicos. «Habeas corpus». Prova ilícita. Tráfico de drogas. Investigação policial. Exercício do direito de permanecer calado manifestado expressamente pelo indiciado (CF/88, art. 5º, LXIII). Gravação de conversa informal realizada pelos policiais que efetuaram a prisão em flagrante. Elemento de informação considerado ilícito. Vulneração de direito constitucionalmente assegurado. Inaplicabilidade do entendimento no sentido da licitude da prova coletada quando um dos interlocutores tem ciência da gravação do diálogo. Situação diversa. Autoacusação. Direito à não autoincriminação que deve prevalecer sobre o dever-poder do estado de realizar a investigação criminal. Mplas considerações do Min. Sebastião Reis Júnior sobre o tema. Precedentes do STF e STJ.

Postado por Emilio Sabatovski em 05/11/2012
... Ocorre que, segundo consta do auto de prisão em flagrante, o preso exerceu o direito de permanecer calado, situação que mostra a incoerência da permanência nos autos de um diálogo gravado na delegacia.

Primeiro, porque a situação demonstra que, apesar de ter sido formalmente consignado no auto de prisão em flagrante que o indiciado exerceu o direito de permanecer calado, não foi ele informado, por ocasião do diálogo gravado com os policiais, da existência desse direito assegurado na própria Constituição Federal. Quando afirmo na própria Constituição Federal, eu o faço para enfatizar a ofensa dos agentes de polícia a esse direito ao procederem à gravação do diálogo, quando o paciente, preso em flagrante, já se encontrava sob a custódia do Estado.

Dispõe o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal:


[...]


LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;


[...]

Ora, se o Estado não se incumbir de concretizar um direito constitucionalmente assegurado na Lei Maior do próprio Estado, não sei quem poderá fazê-lo.

Caso os policiais responsáveis pela gravação do diálogo procedessem de modo a informar ao paciente a existência desse direito, acredito que não haveria diálogo.

Em razão do fato em análise, não foi suprimido do paciente apenas o direito constitucional de ser informado de seus direitos e de permanecer calado, mas também o princípio da imunidade à autoacusação.

Segundo Guilherme de Souza Nucci:


A imunidade à autoacusação significa que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere). Trata-se de decorrência natural da conjugação dos princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º, LVII) e da ampla defesa (art. 5º, LV), com o direito humano fundamental que permite ao réu manter-se calado (art. 5º, LVIII). Se o indivíduo é inocente, até que seja provada sua culpa, possuindo o direito de produzir amplamente prova em seu favor, bem como se pode permanecer em silêncio sem qualquer tipo de prejuízo à sua situação processual, é mais do que óbvio não estar obrigado, em hipótese alguma, a produzir prova contra si mesmo.


(Manual de Processo Penal e Execução Penal. 8ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, pág. 86)

Pensar de modo contrário redundaria em permitir que, em um Estado intitulado Democrático de Direito, toda vez que uma pessoa fosse presa em flagrante, seria previamente submetida a uma conversa informal, gravada, com agentes de polícia e, na ocasião do interrogatório policial, devidamente informada de seus direitos constitucionais, entre os quais o de permanecer calada, o exercitasse, produzindo, sem saber, prova contra si mesma, sob o magnífico argumento de que um dos interlocutores tinha conhecimento da gravação na ocasião do diálogo. Tratar-se-ia, na minha opinião de julgador, de um falso exercício de um direito constitucionalmente assegurado, o que não pode nunca acontecer em um Estado Democrático de Direito.

Importante, portanto, fazer um cotejo analítico entre a jurisprudência firmada e a situação tratada no presente habeas corpus, com o fim de reforçar a impossibilidade de se aplicar o entendimento à situação dos autos.

Em primeiro lugar, vamos à semelhança entre casos confrontados:

Em ambos os casos, um dos interlocutores tinha conhecimento da gravação a ser realizada.

Agora, vejamos as diferenças:

No caso do precedente citado – que consolidou o entendimento firmado no sentido da licitude da prova decorrente de gravação ambiental, quando um dos interlocutores possui conhecimento da gravação (RE 583.937 QO-RG/RJ) –, trata-se de uma ação penal que apura o crime de desacato supostamente praticado pelo acusado contra um Juiz de Direito em audiência. No caso em análise, trata-se de prisão em flagrante pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, estando o indiciado na delegacia, aguardando a lavratura do auto de prisão em flagrante.

No caso paradigma (RE 583.937 QO-RG/RJ), era o acusado quem tinha conhecimento da gravação do diálogo. No caso em questão, os policiais responsáveis pela prisão é que tinham conhecimento da gravação.

No caso paradigma, a gravação foi utilizada para provar a inocência do réu no crime de desacato. No caso em análise, a gravação encontra-se passível de ser utilizada na ação penal para sustentar uma acusação.

No caso paradigma, está em jogo o sigilo das comunicações, em que se entendeu não violado, em razão da ciência de um dos interlocutores a respeito da gravação do diálogo. No caso em questão, está em jogo o direito do indiciado de permanecer em silêncio, na fase policial, direito que não pode ser relativizado em função do poder-dever do Estado de exercer a investigação criminal.

Evidenciado que a prova coletada e constante da ação penal foi produzida em ofensa a direito constitucionalmente assegurado, deve ser considerada ilícita.

Nesse sentido:


HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRIVILÉGIO CONSTITUCIONAL CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO: GARANTIA BÁSICA QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO (PARLAMENTAR, POLICIAL OU JUDICIAL) NÃO SE DESPOJA DOS DIREITOS E GARANTIAS ASSEGURADOS (STF, HC 94.082-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008). PRINCÍPIO NEMO TENETUR SE DETEGERE. POSITIVAÇÃO NO ROL PETRIFICADO DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS (ART. 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): OPÇÃO DO CONSTITUINTE ORIGINÁRIO BRASILEIRO DE CONSAGRAR, NA CARTA DA REPÚBLICA DE 1988, DIRETRIZ FUNDAMENTAL PROCLAMADA, DESDE 1791, PELA QUINTA EMENDA [À CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA], QUE COMPÕE O BILL OF RIGHTS. NORTE-AMERICANO (STF, HC 94.082-MC/RS, REL. MIN. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008). PRECEDENTES CITADOS DA SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS: ESCOBEDO V. ILLINOIS (378 U.S. 478, 1964); MIRANDA V. ARIZONA (384 U.S. 436, 1966), DICKERSON V. UNITED STATES (530 U.S. 428, 2000). CASO MIRANDA V. ARIZONA: FIXAÇÃO DAS DIRETRIZES CONHECIDAS POR MIRANDA WARNINGS, MIRANDA RULES OU MIRANDA RIGHTS. DIREITO DE QUALQUER INVESTIGADO OU ACUSADO A SER ADVERTIDO DE QUE NÃO É OBRIGADO A PRODUZIR QUAISQUER PROVAS CONTRA SI MESMO, E DE QUE PODE PERMANECER EM SILÊNCIO PERANTE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA, POLICIAL OU JUDICIÁRIA. INVESTIGADA NÃO COMUNICADA, NA HIPÓTESE, DE TAIS GARANTIAS FUNDAMENTAIS. FORNECIMENTO DE MATERIAL GRAFOTÉCNICO PELA PACIENTE, SEM O CONHECIMENTO DE QUE TAL FATO PODERIA, EVENTUALMENTE, VIR A SER USADO PARA FUNDAMENTAR FUTURA CONDENAÇÃO. LAUDO PERICIAL QUE EMBASOU A DENÚNCIA. PROVA ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA (FRUITS OF THE POISONOUS TREE). ORDEM CONCEDIDA.


1. O direito do investigado ou do acusado de ser advertido de que não pode ser obrigado a produzir prova contra si foi positivado pela Constituição da República no rol petrificado dos direitos e garantias individuais (art. 5º, inciso LXIII). É essa a norma que garante status constitucional ao princípio do Nemo tenetur se detegere. (STF, HC 80.949/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, 1ª Turma, DJ de 14/12/2001), segundo o qual ninguém é obrigado a produzir quaisquer provas contra si.


2. A propósito, o Constituinte Originário, ao editar tal regra, nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda [à Constituição dos Estados Unidos da América], que compõe o Bill of Rights. norte-americano (STF, HC 94.082-MC/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ DE 25/03/2008).


3. Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado – ainda que convocada como testemunha (RTJ 163/626 –RTJ 176/805-806) –, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio e de não produzir provas contra si própria (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).


4. Nos termos do art. 5º, inciso LXIII, da Carta Magna o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. Tal regra, conforme jurisprudência dos Tribunais pátrios, deve ser interpretada de forma extensiva, e engloba cláusulas a serem expressamente comunicadas a quaisquer investigados ou acusados, quais sejam: o direito ao silêncio, o direito de não confessar, o direito de não produzir provas materiais ou de ceder seu corpo para produção de prova etc.


5. Na espécie, a autoridade policial, ao ouvir a Paciente durante a fase inquisitorial, já a tinha por suspeita do cometimento do delito de falsidade ideológica, tanto é que, de todas as testemunhas ouvidas, foi a única a quem foi requerido o fornecimento de padrões gráficos para realização de perícia, prova material que ensejou o oferecimento de denúncia em seu desfavor.


6. Evidenciado nos autos que a Paciente já ostentava a condição de investigada e que, em nenhum momento, foi advertida sobre seus direitos constitucionalmente garantidos, em especial, o direito de ficar em silêncio e de não produzir provas contra si mesma, resta evidenciada a ilicitude da única prova que embasou a condenação. Contaminação do processo, derivada da produção do laudo ilícito. Teoria dos frutos da árvore envenenada.


7. Apenas advirta-se que a observância de direitos fundamentais não se confunde com fomento à impunidade. É mister essencial do Judiciário garantir que o jus puniendi estatal não seja levado a efeito com máculas ao devido processo legal, para que a observância das garantias individuais tenha eficácia irradiante no seio de toda a sociedade, seja nas relações entre o Estado e cidadãos ou entre particulares (STF, RE 201.819/RS, 2ª Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Rel. p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, DJ de 27/10/2006).


8. Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia com base em outras provas.


(HC 107.285/RJ, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 7/2/2011 – grifo nosso)

Vale, por fim, diante da peculiaridade do caso concreto, bem como da relevância da questão em debate, transcrever trecho do parecer do Dr. Maurício de Paula Cardoso, Subprocurador-Geral da República, que opinou favoravelmente à concessão da ordem (fls. 133/134):


[...]


O ora impetrante requer, por meio da presente impetração, seja reconhecida a ilicitude da gravação feita pelos policiais responsáveis pela prisão do ora paciente, após sua apresentação à autoridade policial.


Não obstante a ação estatal esta albergada pelo manto da ilegalidade, visto que, como ressaltado na inicial acusatória (fl. 14), o flagrante ocorreu durante diligência para cumprimento de mandado de busca e apreensão, dadas as suspeitas da prática de tráfico de drogas pelo ora paciente, a gravação ora atacada fora produzida de forma ilícita.


Verifica-se às fl. 17,29 e 36, que o ora apelante e um corréu afirmaram o desejo de usar do direito constitucional ao silêncio, pelo que a autoridade policial deu por encerrada suas oitivas.


No entanto, a mesma autoridade, sem a devida ciência ao paciente e ao corréu, promoveu a gravação da conversa com ambos, momento em que relataram detalhes de suas condutas supostamente ilícitas.


A atividade de investigar crimes não pode ferir disposições legais, ou, o que é mais grave, garantias constitucionais, sob pena de ser acoimada de ilícita, como ocorreu no presente caso quanto ao DVD referido.


Ao promover a gravação das conversas com os acusados, a autoridade policial, no afã de produzir outras provas aptas a sustentarem a acusação, incorreu em ato atentatório ao direito constitucional de qualquer cidadão de manter-se em silêncio e, por conseguinte, não se autoincriminar.


Dessa forma, a gravação da conversa sobredita, por atentar contra a garantia individual, deve ser desconsiderada, autorizando o seu desentranhamento dos autos, como pretende o ora impetrante.


[...]

Em face de todo o exposto, concedo a ordem impetrada para determinar o desentranhamento da mídia que contém a gravação do diálogo ocorrido entre o paciente Bruno Siqueira de Souza e os policiais que efetuaram sua prisão dos autos da Ação Penal 040.12.000855-6, em trâmite na Vara Criminal da comarca de Laguna/SC. ... (Min. Sebastião Reis Júnior).

Doc. LegJur (127.3334.6000.3400) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Tóxicos (Jurisprudência)
▪ Habeas corpus (Jurisprudência)
▪ Prova ilícita (Jurisprudência)
▪ Tráfico de drogas (v. ▪ Tóxicos) (Jurisprudência)
▪ Investigação policial (v. ▪ Prova ilícita) (Jurisprudência)
▪ Direito de permanecer calado (v. ▪ Prova ilícita) (Jurisprudência)
▪ Gravação de conversa informal (v. ▪ Direito de permanecer calado) (Jurisprudência)
▪ Prisão em flagrante (v. ▪ Direito de permanecer calado) (Jurisprudência)
▪ Gravação do diálogo (v. ▪ Direito de permanecer calado) (Jurisprudência)
▪ Autoacusação (v. ▪ Direito de permanecer calado) (Jurisprudência)
▪ Autoincriminação (v. ▪ Direito de permanecer calado) (Jurisprudência)
▪ CF/88, art. 5º, LXIII
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