Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª T. Cooperativa médica. Ação declaratória c/c anulatória e obrigação de fazer. Assembleias gerais e previsões estatutárias. Rateio de prejuízos. Critério igualitário ou proporcional à fruição dos serviços. Considerações da Minª. Nancy Andrighi sobre o tema. Lei 5.764/1971, arts. 80, parágrafo único, 81 e 89.

Postado por Emilio Sabatovski em 02/09/2013
«... Cinge-se a controvérsia a verificar a legalidade do critério de distribuição igualitária dos prejuízos da cooperativa, referentes aos exercícios de 2003 e 2005, em detrimento do rateio proporcional à fruição dos serviços pelos cooperados.

[...].

II – Do rateio proporcional dos prejuízos (violação dos arts. 80, parágrafo único, I e II; 81 e 89 da Lei 5.764/1971)

Depreende-se da leitura da sentença e do acórdão recorridos que, na hipótese, a UNIMED BRASÍLIA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO efetivou o rateio dos prejuízos apurados nos exercícios de 2003 e 2005, de forma igualitária entre os cooperados, e não proporcional aos serviços por eles usufruídos.

Essa forma de rateio linear teria sido deliberada pela Assembleia Geral Ordinária (AGO) realizada em 24.03.2004 (e-STJ fl. 336 e 380), posteriormente ratificada pela Assembleia Geral Extraordinária (AGE) de 24.05.2005, que alterou o Estatuto Social da Cooperativa para incorporar a decisão da AGO, bem como pela Assembleia Geral Extraordinária (AGE) de 08.12.2005.

É importante destacar, antes de se adentrar propriamente na análise do mérito recursal, que as sociedades cooperativas apresentam características especiais que as distinguem das demais sociedades empresárias, principalmente porque não visam à distribuição de lucros, mas “seus membros a constituem com o objetivo de desempenharem, em benefício comum, determinada atividade” (Bastos, Celso Ribeiro. A Constituição de 1988 e seus problemas. São Paulo: LTr, 1997). Nesse sentido, também: Bulgarelli, Waldírio. As sociedades cooperativas e sua disciplina jurídica, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 20).

Dadas as suas peculiaridades, elas obedecem a uma principiologia própria, caracterizada, dentre outras coisas, pela participação econômica equitativa e proporcional de seus membros, de acordo com a sua respectiva participação nas operações da entidade, que orienta a distribuição de ônus, vantagens, riscos e benefícios, e que prevalece sobre a composição patrimonial do capital da sociedade. Assim, Guilherme Krueger:


A proporcionalidade indicada na lei é corolário de um fundamento formador do conceito de cooperativa. Esse conceito é formado por três elementos:


a) é uma sociedade intuito personae;


b) possui uma gestão equitativa e proporcional aos sócios dos ônus e benefícios (ingressos, dispêndios, sobras e perdas), conforme as operações que realizam com a cooperativa na qualidade de seus usuários. (Comentários à Legislação das Sociedades Cooperativas, T. I, Belo Horizonte: Ed. Mandamentos, 2008, p. 359/360 e p. 419).

Apesar de contarem com previsão no Código Civil (art. 1.093 e seguintes), as sociedades cooperativas são regidas pela Lei 5.764/1971 e, principalmente, pelos seus respectivos estatutos que, nas palavras de Wilson Alves Polônio definem “o objeto social, bem como as regras e diretrizes que deverão nortear as atividades das cooperativas e seu relacionamento com os cooperados” (Manual das Sociedades Cooperativas 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 56)

Com efeito, os estatutos das cooperativas contêm as normas fundamentais sobre a organização, a atividade dos órgãos e os direitos e deveres dos associados frente à associação. São disposições que valem para todos os partícipes (cooperados) por isso que de natureza geral e abstrata. Tais normas não assumem uma característica contratual, mas regulamentar ou institucional.

Na hipótese, conforme consta o acórdão recorrido, o Estatuto da UNIMED continha as seguintes regras pertinentes ao tema:


“Art. 6º. O associado obriga-se a:


[...]


e) Pagar as perdas apuradas em balanço, na proporção das operações que houve realizado com a Cooperativa, se o fundo de reserva não for suficiente para cobri-las.


Art. 7º. O associado responde subsidiariamente pelas obrigações contraídas pela Cooperativa perante terceiros, até o limite do valor das quotas partes do capital que subscreveu e o montante das perdas que lhe caibam, na proporção das operações que houver realizado com a Cooperativa, perdurando essa responsabilidade, até quando forem aprovadas pela Assembleia Geral com as contas do exercício em que se deu a retirada.


Art. 16. A Assembleia Geral dos Associados poderá ser Ordinária ou Extraordinária, sendo o órgão supremo da cooperativa e tendo poderes dentro do limite da Lei e deste Estatuto, para tomar toda e qualquer decisão de interesse da mesma.


Art. 68. As perdas verificadas no Balanço anual, que não tenham cobertura no fundo de reserva, serão rateadas entre os associados, após a aprovação do mesmo pela Assembleia Geral Ordinária, na proporção das operações que houverem realizado com a Cooperativa” (e-STJ fls. 341/342) (sem destaque no original)

Verifica-se, portanto, que está em perfeita consonância com a proporcionalidade do rateio, prevista nos arts. 80, parágrafo único; e 89 da Lei 5.764/1971.

Não obstante, conforme já mencionado, tanto o Tribunal de origem, como UNIMED destacam que a obrigação de rateio igualitário das perdas foi implementada, por maioria de votos, na AGO realizada em 24.03.2004. E que, por decisão tomada na AGE realizada em 24.05.2005, “foram reformados os capítulos III, IV, V, VI, VII, IX, XIII e XV do Estatuto da UNIMED BRASILIA, ficando definido, dentre diversas alterações, que a decisão tomada na Assembléia Geral Ordinária de 24.03.2004 seria incorporada, em definitivo, ao Estatuto” (sic) (e-STJ fl. 255). Assim, a forma de rateio igualitário dos prejuízos foi aplicada para os prejuízos apurados nos exercícios de 2003 e 2005, tendo sido mantida até nova alteração do Estatuto da cooperativa, deliberada pela AGO realizada em 21.03.2006, na qual se decidiu pela retomada da redação original do estatuto, que previa a responsabilidade proporcional dos cooperados pelas perdas (e-STJ fl. 253).

São duas, portanto, as questões que se colocam: (i) se a AGO de 24.03.2004 poderia estabelecer o rateio igualitário dos prejuízos entre os cooperados, diferentemente do que previa o Estatuto da cooperativa à época e (ii) se a alteração do estatuto, perpetrada pela AGE de 24.05.2005, legitima o mencionado rateio igualitário.

Embora a Assembleia Geral dos associados, nos termos do art. 38 da Lei 5.764/1971, seja o órgão supremo da sociedade, tendo poderes para decidir os negócios relativos ao objeto da sociedade e tomar as resoluções convenientes ao desenvolvimento e defesa desta, e suas deliberações vinculam a todos, ainda que ausentes ou discordantes, ela deve fazê-lo sempre “dentro dos limites legais e estatutários”.

Ademais, a alteração do estatuto social de uma sociedade cooperativa é de competência exclusiva da Assembleia Geral Extraordinária e não da Assembleia Geral Ordinária, nos termos do art. 46, I, da Lei 5.764/1971.

Na hipótese, considerando que o Estatuto da UNIMED previa rateio proporcional dos prejuízos, conforme observado pela sentença de primeiro grau de jurisdição, “em atenção ao princípio da segurança jurídica e à força normativa do estatuto, não se pode admitir que os associados presentes à assembleia geral ordinária deliberem de modo contrário ao estabelecido pela Lei 5764/71 e pelo estatuto da cooperativa, que impõem limite indispensável ao cumprimento das obrigações sociais pelos cooperados” (e-STJ fl. 225).

Por outro lado, ainda que, posteriormente, a AGE de 24.05.2005 tenha aprovado a alteração do estatuto da cooperativa para incorporar as deliberações da AGO de 24.03.2004, prevendo, por conseguinte, a distribuição igualitária ou linear dos prejuízos entre os cooperados, essa disposição estatuária contraria o disposto no art. 89 da Lei 5.764/1971, que dispõe, in verbis:


Art. 89. Os prejuízos verificados no decorrer do exercício serão cobertos com recursos provenientes do Fundo de Reserva e, se insuficiente este, mediante rateio, entre os associados, na razão direta dos serviços usufruídos, ressalvada a opção prevista no parágrafo único do artigo 80.

Com efeito, referido dispositivo legal retrata o princípio geral da participação econômica equitativa e proporcional dos membros da cooperativa, já mencionado. Pontue-se que a ressalva contida no art. 80, parágrafo único, da Lei 5.764/1971, trata apenas da possibilidade de previsão do estatuto das cooperativas do rateio igualitário das despesas gerais da sociedade, as quais não se confundem com os prejuízos.

Essa faculdade, denominada pela doutrina de rateio parcialmente linear, trata-se de um meio de incentivo contratual à participação dos cooperados, para possibilitar a correção das distorções e tornar mais equânime o custeio das despesas das cooperativas. Nas palavras de Plínio Antônio Machado:


As cooperativas que adotarem essa faculdade poderão corrigir as injustiças, com a vantagem de compelir os associados inativos ou displicentes a concorrerem para as despesas gerais, induzindo-os a prestar melhor colaboração a sua cooperativa, recorrente a seus serviços” (Comentários à lei do cooperativismo, São Paulo: Unidas, 1975, p. 197/198).

Assim, de acordo com o art. 80 da Lei 5.764/1971, depreende-se que, em relação às despesas gerais da cooperativa, embora a regra também seja a do rateio na proporção direta da fruição de serviços, faculta-se a realização do rateio igualitário, independentemente do cooperado ter usufruído dos serviços prestados pela cooperativa.

Nessa hipótese, deverá, ainda, ser feito o levantamento contábil em separado das referidas despesas, para possibilitar o rateio linear (art. 81), haja vista que a proporcionalidade será mantida no que tange à distribuição das sobras líquidas ou dos prejuízos verificados no balanço do exercício (art. 80, parágrafo único, II).

Nos termos do acórdão recorrido, é de se observar, outrossim, que esse levantamento em separado das despesas também não foi feito pela cooperativa, in verbis: “os documentos, inclusive os balanços patrimoniais da UNIMED, trazidos aos autos não demonstram cabalmente em qual categoria o questionado rateio se enquadra” (e-STJ fl. 344).

Em outras palavras, ainda que se admita o rateio igualitário das despesas gerais, a depender apenas de previsão no estatuto social da cooperativa e de levantamento contábil específico, o que não se verificou na hipótese, em relação aos prejuízos, sempre deverá ser observada a proporcionalidade, nos termos do art. 89 da Lei 5.764/1971.

Nesse sentido, Guilherme Krueger: “ainda que o art. 44, II, atribua à Assembleia a supremacia para deliberar sobre o rateio da perda, esta não pode ignorar a proporcionalidade exigida” (Op. Cit., p. 420). Também: Alves, Francisco de Assis. Sociedades Cooperativas. Regime Jurídico e Procedimentos Legais para constituição e funcionamento, 2ª ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 81.

Diante do exposto, conclui-se que as deliberações da AGO de 24.03.2004; da AGE de 24.05.2005; e da AGE 08.12.2005, relativas à distribuição igualitária dos prejuízos não devem prevalecer porque, na primeira hipótese, são contrárias às disposições estatuárias então vigentes, e, nas demais, são contrárias às disposições da Lei 5.764/1971, que prevê no seu art. 89, o rateio dos prejuízos de forma proporcional à fruição dos serviços pelos cooperados. ...» (Minª. Nancy Anhdrighi).»

Doc. LegJur (135.9184.4000.3700) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
▪ Cooperativa médica (Jurisprudência)
▪ Ação declaratória (v. ▪ Cooperativa médica) (Jurisprudência)
▪ Obrigação de fazer (v. ▪ Cooperativa médica) (Jurisprudência)
▪ Assembleias gerais (v. ▪ Cooperativa médica) (Jurisprudência)
▪ Rateio de prejuízos (v. ▪ Cooperativa médica) (Jurisprudência)
(Legislação)
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