Jurisprudência em Destaque
STJ. 6ª T. Apropriação indébita. Pegar bicicleta emprestada e não saber onde deixou não caracteriza apropriação indébita
Em maio de 2003, na cidade de Miranda, em Mato Grosso do Sul, M.C. pediu emprestada a bicicleta marca Sundow 18 marchas que pertencia a W.M.O. com a finalidade de comprar carne e outros produtos com o objetivo de fazer um churrasco. Algumas horas depois, M.C. retornou ao apartamento do amigo sem a bicicleta, afirmando que não sabia onde havia deixado o bem. Vinte dias depois, W.O. conseguiu reaver a bicicleta que estava abandonada no mesmo local no qual havia sido esquecida, o Mercado Lisboa.
A denúncia por apropriação indébita aconteceu em 2006 e, um ano depois, o acusado foi condenado à pena de um ano e seis meses de reclusão, tendo sido estabelecido o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena. A defensoria pública recorreu ao Tribunal de Justiça estadual (TJMS) para que fosse extinta a ação penal por ausência de justa causa, mas o tribunal negou provimento ao recurso: «Não há que se falar em absolvição se restou demonstrado nos autos que o agente não tinha a intenção de devolver a bicicleta para a vítima, uma vez que esta só foi recuperada porque a própria vítima a encontrou, sendo que o agente em nada contribuiu para o feito».
Inconformada, a defesa apelou ao STJ, alegando que M.C. foi injustamente condenado. «Uma mera análise superficial da prova testemunhal evidencia a atipicidade de sua conduta pela absoluta ausência de dolo. Afinal, a própria vítima, W.O., durante as fases do processo, confirma terem se passado cerca de seis horas entre o empréstimo da bicicleta e o retorno do amigo sem o referido veículo; e que ele voltou até o prédio em tal grau de embriaguez que, num primeiro momento, sequer se lembrava de ter pegado a bicicleta. Somente quando foi confrontado com testemunhas que presenciaram o empréstimo, foi que ele assumiu não se lembrar onde a deixara».
A defensoria também alegou que na única oportunidade em que foi ouvido, o acusado deixou claro jamais ter tido a intenção de se apoderar da bicicleta, não tendo devolvido o bem ao legítimo dono simplesmente porque não sabia onde a havia deixado. Com base nestes argumentos, requereu ao STJ concessão do habeas corpus para «absolver M.C. e mantê-lo em liberdade, diante da atipicidade de sua conduta pela ausência de dolo».
O Min. Nilson Naves, relator do processo, acolheu as alegações da defesa e ressaltou: «No caso, pode-se afirmar que o paciente foi displicente, negligente mesmo com a coisa que lhe foi emprestada, pois em vez de embriagar-se a ponto de esquecer onde deixara a bicicleta que não era dele, deveria ter feito suas compras e prontamente devolvido o veículo ao proprietário. Sua conduta poderia se encaixar numa modalidade culposa, mas fica a anos luz do dolo exigido para configurar a apropriação indébita descrita no Código Penal».
Para o relator, M.C. não obteve nenhum proveito em razão do empréstimo, uma vez que a bicicleta ficou abandonada na porta do estabelecimento comercial por vinte dias. «Como, então, atestar a vontade inequívoca de não restituir o bem? Tenho sérias dúvidas da tipicidade do fato. O meu convencimento é o da desnecessidade aqui da tutela penal, visto que a ação de apropriar-se ficou a meio caminho – se o crime é um fato típico e antijurídico, como se falar em conduta penalmente punível se o elemento subjetivo não se confirmou?», salientou.
Seguindo o voto do relator, que concluiu não haver justa causa para ação penal pelo crime de apropriação indébita, os ministros da Sexta Turma concederam o pedido de habeas corpus, extinguindo o processo. (HC 92.828).
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