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STJ. 6ª T. Deficiente físico. Professor. Crime. Recusa, suspensão, procrastinação, cancelamento ou cessação da inscrição de pessoa portadora de deficiência em estabelecimento de ensino. Inocorrência. Não aceitação pela professora de aluno deficiente em sua sala de aula. Conduta atípica. Inexistência de prejuízo à inscrição da vítima. Crime próprio. Não descrição de que a recorrente tenha qualificação para praticá-lo. Considerações da Minª. Maria Thereza de Assis Moura sobre o tema. Lei 7.853/1989, art. 8º, I. Violação. Ocorrência.

Postado por Emilio Sabatovski em 15/01/2012
«... Constata-se, assim, a existência de dúvida quanto à real abrangência do tipo penal capitulado no inciso I do artigo 8º da Lei 7.853/89, sendo necessário, portanto, que esta Corte Superior lance suas luzes sobre o tema, a fim de reforçar a eficácia da Legislação Federal aplicável às pessoas portadoras de deficiência, sem que isso implique violação ao princípio da legalidade, tão caro ao direito penal.

Inicialmente, verifica-se que o Tribunal de origem, ao corroborar o entendimento do parquet estadual, manifestou-se no sentido de que «há de ser o tipo interpretado levando-se em consideração a vontade do legislador», assim «é preciso enxergar a mens legis, o que o legislador pretendeu com a norma e não apenas a mera interpretação literal que é tida como a mais chula e inexpressiva de todas». Ao ensejo, importante ter em mente que o parágrafo 1º do artigo 1º da Legislação ora em análise determina que, «na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indicados na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito».

Não obstante, tem-se como certo que referidas máximas interpretativas não podem se sobrepor aos princípios de Direito Penal, devendo, portanto, amoldar-se a eles. De fato, na seara criminal, em virtude de se tratar de normas que podem levar à restrição da liberdade, sua interpretação não pode se dar de forma indiscriminada, sob pena de, por vezes, tudo ser crime, ou mesmo de nada ser crime. Assim, deve-se lidar com normas expressamente delineadas, ou com possibilidade restrita de interpretação, segundo o crivo do próprio legislador, que expressamente permite, em alguns casos, a utilização de interpretação analógica, fixando um preceito casuístico seguido de um norma genérica.

Contudo, interpretação analógica, admitida eventualmente, não se confunde com analogia, a qual é terminantemente proibida em direito penal. Com efeito, a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei, disposição legal relativa a um caso semelhante. No entanto, na seara criminal, tem-se que tudo que não for expressamente proibido é permitido, pois, se o legislador não previu dada conduta como criminosa, é porque não se mostra relevante na esfera penal, não podendo, portanto, ser abrangida por meio da analogia em malam partem. Ao ensejo, confira-se os ensinamentos de Rogério Greco:


«As condutas que o legislador deseja proibir ou impor, sob a ameaça de sanção, devem vir descritas de forma clara e precisa, de modo que o agente as conheça e as entenda sem maiores dificuldades. O campo de abrangência do Direito Penal, dado o seu caráter fragmentário, é muito limitado. Se não há previsão expressa da conduta que se quer atribuir ao agente, é sinal de que esta não merecer a atenção do legislador, muito embora seja parecida com outra já prevista pela legislação penal. Quando se inicia o estudo da analogia em Direito Penal, devemos partir da seguinte premissa: é terminantemente proibido, em virtude do princípio da legalidade, o recurso à analogia quando esta for utilizada de modo a prejudicar o agente, seja ampliando o rol de circunstâncias agravantes, seja ampliando o conteúdo dos tipos penais incriminadores, a fim de abranger hipóteses não previstas expressamente pelo legislador, etc». (Curso de direito penal - parte geral. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. p. 46 - grifos nossos).

Dessarte, deve-se analisar se a conduta praticada pela recorrente, qual seja, impedir o acesso de aluna portadora de deficiência auditiva à sua sala de aula, na condição de professora, preenche o comando incriminador descrito no artigo 8º, inciso I, da Lei 7.853/89, norma tida por violada no presente recurso especial. Ao ensejo, transcreve-se a redação da norma em apreço:


Art. 8º - «Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa:


I - recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta; (...)».

De saída, verifica-se que o bem jurídico tutelado é o acesso de pessoa deficiente aos estabelecimentos de ensino, materializado por meio da inscrição do aluno. Ademais, o meio executivo é tipicamente referido, podendo o fato típico ser realizado mediante a recusa, a suspensão, a procrastinação, o cancelamento ou a cessação da inscrição de pessoa portadora de deficiência. Conclui-se, ainda, que não são todas as pessoas que trabalham em uma escola que são responsáveis pela inscrição de alunos, portanto, a prática da conduta restringe-se àqueles que têm ingerência administrativa na escola, constatando se cuidar, portanto, de crime próprio. Com efeito, não se vislumbra por exemplo, que a faxineira da escola possa praticá-lo, lado outro, os membros da diretoria da escola têm plenas condições de ser sujeito ativo. Ao ensejo, confira-se a lição de João Mestieri:


«Sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa com poder para realizar a conduta típica; trata-se de crime próprio mas não de mão própria; admite o concurso de agentes. Assim, haverá concurso entre as condutas de um diretor de estabelecimento de ensino que, sem justa causa, recusar aluno com base em sua deficiência, secundado por um chefe de secretaria, aplicando-se a regra do artigo 29 do CP». (Comentários à legislação federal aplicável às pessoas portadoras de deficiência. Coordenadora: Maria Paula Teperino. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 214/215)

No caso em análise, portanto, não se demonstrou, inicialmente, a conduta típica, pois, da leitura dos autos, não se verifica ter a agravante recusado, suspendido, procrastinado, cancelado ou feito cessar, sem justa causa, a inscrição da aluna. Ademais, nem ao menos se explicitou se a recorrente possuía ou não as características necessárias para ser sujeito ativo do delito. Com efeito, tratando-se de professora, a menos que cumule também atividades de diretoria do estabelecimento educacional, o que não restou descrito, não teria condições de praticar a conduta típica, a qual está intrinsecamente relacionada à inscrição da educanda. Por fim, não constou da narrativa dos fatos que a aluna tenha de alguma forma tido sua inscrição na escola prejudicada.

Portanto, não se demonstrou de qualquer forma a prática da conduta típica, a possibilidade de a recorrente ser sujeito ativo do delito em análise, haja vista cuidar-se de crime próprio, nem se identificou eventual prejuízo à inscrição da aluna na escola. Dessarte, mostra-se patente a atipicidade da conduta narrada na exordial e, consequentemente, a violação ao artigo 8º, inciso I, da Lei 7.853/89, devendo, portanto, ser restabelecida a decisão que rejeitou a denúncia.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, para reconhecer a violação ao artigo 8º, inciso I, da Lei 7.853/89, restabelecendo a decisão de 1º grau, que entendeu ser atípica a conduta da recorrente. ...» (Minª. Maria Thereza de Assis Moura).»

Doc. LegJur (12.2601.5001.0700) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Deficiente físico (Jurisprudência)
Professor (v. Deficiente físico ) (Jurisprudência)
Crime (v. Deficiente físico ) (Jurisprudência)
Ensino (v. Deficiente físico ) (Jurisprudência)
Estabelecimento de ensino (v. Deficiente físico ) (Jurisprudência)
Aluno (v. Deficiente físico ) (Jurisprudência)
Sala de aula (v. Deficiente físico ) (Jurisprudência)
Crime próprio (Jurisprudência)
    Lei 7.853/1989, art. 8º, I (Legislação)
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