Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Medida cautelar. Exibição de documentos. Ação cautelar de exibição de documentos societários. Sociedade. Sócia cotista. Sociedade limitada. Participação em sociedades as quais integram como sócias majoritárias o quadro social de outras. Holding familiar. Documentos comuns em virtude das relações jurídicas coligadas. Princípio da confiança. Manutenção da affectio societatis. Observância do princípio constitucional da preservação da empresa. Considerações do Min. Luis Felipe Salomão sobre o tema. Precedentes do STJ. CCB/2002, arts. 1.020 e 1.021. CPC, arts. 844, II.

Postado por Emilio Sabatovski em 08/05/2012
«... 3.5. Retomando a questão relativa à possibilidade de os autores obterem os documentos desejados, é bem de ver que, no presente caso, tratando-se de uma holding familiar, a relação jurídica dos sócios desta com as empresas por ela controladas ressoa ainda mais evidente esse direito.

Isso porque, ao se criar uma holding familiar, objetiva-se a concentração e proteção do patrimônio da família, facilitando a gestão dos bens e ainda obtendo maiores benefícios fiscais em caso de sucessão.

Não havendo nenhuma limitação ou determinação sobre a sua natureza jurídica, a «chamada holding familiar não é um tipo específico, mas uma contextualização específica», sendo que sua «marca característica é o fato de se encartar no âmbito de determinada família e, assim, servir ao planejamento desenvolvido por seus membros, considerando desafios como organização do patrimônio, administração de bens, otimização fiscal, sucessão hereditária etc.». (MAMEDE, Gladston. Holding familiar e suas vantagens: planejamento jurídico e econômico do patrimônio e da sucessão familiar. São Paulo: Atlas, 2011, p. 5).

No grupo de empresas de que cuidam os presentes autos, a recorrente é sócia de quatro holdings que - possuindo quase a totalidade das quotas das demais empresas do grupo-, deixam de ser apenas depositárias de participações societárias, assumindo papel primordial de governo de toda a organização.

Assim, consoante preleciona Gladston Mamede, na já referida obra Holding Familiar: «A holding pode se tornar a sociedade que representa o conjunto das sociedades controladas, na mesma proporção em que também representa a família que a controla». ( p. 55)

Fábio Konder Comparato definiu semanticamente o controle: «A palavra ´controle´ passou a significar, corretamente, não só vigilância, verificação, como ato ou poder de dominar, regular, guiar ou restringir». (COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de Controle na Sociedade Anônima. 5 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2008, p.29). Ao exercer o controle, portanto, as holdings da presente hipótese estão no comando das demais empresas do grupo.

Desse modo, a existência da relação jurídica entre as empresas controladas e as holdings está intimamente relacionada com o liame jurídico entre estas e a recorrente, defluindo-se daí interesses diretos e indiretos sobre todas as sociedades empresariais do grupo, uma vez que o aviltamento do patrimônio da sociedade controlada acarretará, consequentemente, o esvaziamento do patrimônio da sociedade controladora.

Destaque-se que os réus José Fonseca de Oliveira, Adolfo Acioli do Prado Neto e Augusto Fonseca de Oliveira, compõem um grupo majoritário nas quotas da sociedade controladora, sendo os responsáveis pela administração, de forma que, eventuais gastos ilegítimos ou má aplicação de recursos, refletirão no resultado da empresa, afetando o da sociedade que a controla e, por consequência, os haveres dos sócios que a compõem.

Ademais, na hipótese de ocorrer a prática de atos fora dos limites do contrato social, em desvio de finalidade ou para fins de confusão patrimonial, poderá surgir, inclusive, a desconsideração da personalidade jurídica do grupo, sendo atingido o patrimônio dos sócios, dentre eles, a recorrente.

Conquanto aqui não se esteja a estabelecer previamente a possibilidade de desconstituição, essa hipótese, ao menos em tese, revela-se pertinente para se demonstrar a presença do interesse da recorrente em verificar a regularidade na administração do grupo, no qual é detentora, ainda que minoritária, de quotas das empresas controladoras.

Ademais, a reforçar a presença do interesse da recorrente, cumpre ressaltar que a legislação nacional possui, em seus mais diversos campos, dispositivos que tratam da responsabilidade solidária ou subsidiária das sociedades integrantes de grupos econômicos como o art. 2º, § 2º, da CLT, o art. 17 da Lei 8884/94, o art. 28 do CDC e o art. 30, IX, da Lei 8.212/91.

A esta altura, vale rememorar que o grupo empresarial familiar em questão foi constituído sob a forma de sociedade limitada, onde os sócios foram congregados, por ocasião da sua constituição, por motivações pessoais, agindo substancialmente como força atrativa a afeição recíproca e a mútua confiança que permeava entre eles, considerada a base da affectio societatis.

Esta última, analisada sob o seu aspecto objetivo, «traduz o dever geral de todos os sócios de atuarem a bem da sociedade, permitindo que se realizem as suas funções jurídica, econômica e social». (MAMEDE, Gladston. Direito Societário. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2007, pg. 104)

Dessa forma, ao impedir-se o acesso da recorrente aos documentos das sociedades coligadas apenas com fundamento em uma interpretação restritiva dos arts. 1.020 e 1.021 do Código Civil e do art. 844, II, do CPC, corre-se o risco de instaurar, ou arrefecer, um clima de beligerância entre os sócios da holding, comprometendo a existência da affectio societatis e, em última análise, atuando contra o princípio constitucional da preservação da empresa.

Pondere-se que, em razão da função social da empresa, a continuidade desta transcende os meros interesses dos seus sócios, estendendo-se a todo ambiente social em que ela atua.

Nunca é demais lembrar que, ao aplicar a lei, o julgador não deve, tão somente, restringir-se à subsunção do fato à norma.

Cumpre a ele estar atento aos princípios regentes do ordenamento jurídico e aos fins sociais a que a lei se dirige.

Trazendo a lume o princípio constitucional da preservação da empresa como critério para resolução de conflitos entre sócios minoritários e sócios majoritários, Modesto Carvalhosa consigna:


[...] à construção pretoriana o sábio e oportuno critério decisório de conciliação entre os interesses dos sócios minoritários e daqueles da sociedade e de seus sócios majoritários, sob a égide da preservação da empresa, de que resultou a adoção da figura da dissolução parcial. E, com efeito, a dissolução parcial é fruto específico da construção pretoriana, já que nem a lei societária e muito menos o art. 335 do Código Comercial contemplam essa louvável solução dos conflitos societários em torno de sua existência. (CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas: Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, tomo I, rev. e ampl., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 23)

Noutro giro, procurando afastar uma interpretação meramente formal da lei, desassociada da realidade dinâmica da vida social, Waldirio Bulgarelli, analisando a questão da concentração de empresas, leciona:


Não que se despreze a noção de empresa e suas consequências, e por certo, em muitos dos pontos a serem abordados, ela estará presente.


Até porque, é inegável, que como base da atividade produtora ou de distribuição de bens e serviços para o mercado ela pressiona, inclusive, a forma jurídica da sociedade titular que passa, em muitos casos, a ser mero instrumento para a sua afirmação. Leva, assim, até mesmo a uma nova concepção da própria amplitude da personalidade jurídica que, sobretudo nos grupos, deve ser entrevista dentro da realidade maior da junção das empresas componentes, e não no seu aspecto meramente formal. (BULGARELLI, Waldirio. Fusões, incorporações e cisões de sociedades. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.)

Sob a ótica de que a personalidade jurídica nos grupos de sociedades deve ser tomada dentro da realidade maior da junção das empresas componentes, e não no seu aspecto meramente formal, convém ressaltar que, constituindo um dos pilares da affectio societatis, a confiança que deve reinar entre os sócios também deve imperar no relacionamento entre os sócios da holding e as empresas coligadas.

Com efeito, um dos principais instrumentos para manter a harmonia na relação societária, reforçando a confiança existente, é o direito de acesso aos documentos da sociedade, com vistas a verificar a regularidade na condução da empresa a fim de cumprir o seu objeto social.

Cumpre trazer à colação trecho do voto proferido pelo em. Min. Castro Meira, ao julgar o REsp 1.130.103/RJ, que, amparado na doutrina de J. J. Gomes Canotilho bem destacou a importância do princípio da confiança como meio de resguardar a boa-fé e a segurança jurídica nas relações sociais, verbis:


No cenário contemporâneo da economia nacional e internacional, altamente dependente da saúde financeira do setor empresarial e da confiabilidade das informações, a eticidade nas relações interna corporis das companhias é bem jurídico igualmente digno de tutela, por meio do estímulo à segurança e à transparência das operações financeiras.


Por tais motivos, é indispensável uma proteção substancial da confiança dos sócios minoritários, bem como de toda a comunidade, diante de eventuais situações jurídicas geradas pelo comportamento desleal dos administradores e sócios-controladores das pessoas jurídicas.


Nesse contexto, devem ser observadas as diretrizes norteadas pelo princípio da confiança, que visa a resguardar a boa-fé e a segurança jurídica de todas as relações sociais, a partir do qual a atuação proba e adequada passa a ser reconhecida como bem jurídico altamente essencial e digno de proteção jurídica.


Esse princípio ganha ainda maior relevo, quando se trata de tutelar situações jurídicas travadas no âmbito das sociedades anônimas que detêm natural posição de hegemonia econômica e financeira na economia de escala. Neste campo, os órgãos de proteção do mercado de capitais exercem relevante papel na manutenção da segurança jurídica das relações econômico-sociais, travadas dentro e fora destas empresas.


Ao abordar o princípio da confiança e a função do Estado na construção e preservação da segurança jurídica, anota J. J. Gomes Canotilho:


O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. Esses dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados a ponto de alguns autores considerarem o princípio da protecção de confiança como um subprincípio ou como uma dimensão especifica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos. A segurança e a protecção da confiança, exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Deduz-se já que os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder – Legislativo, Executivo e Judicial. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a idéia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem do direito poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas» (José Joaquim Gomes Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 256).

Nessa ordem de ideias, impedir a recorrente de ter acesso aos documentos das sociedades controladas, sob o argumento de que não integra o quadro social destas, fere os aludidos dispositivos legais, interpretados de maneira consentânea com os citados princípios e com a realidade que permeia o grupo empresarial familiar.

Ressalte-se, por fim, que o Superior Tribunal de Justiça firmou precedente no sentido de se reconhecer a legitimidade ativa de sócio da holding, na ação de prestação de contas movida contra empresa controlada, da qual é «sócia indireta».

Referido julgado recebeu a seguinte ementa:


PRESTAÇÃO DE CONTAS. LEGITIMIDADE DE PARTE. GERENTE DE SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA QUE, AFRONTANDO AS NORMAS DO CONTRATO SOCIAL, AFASTA OS DEMAIS ADMINISTRADORES. CIRCUNSTÂNCIAS PARTICULARES DA ESPÉCIE RESSALTADAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA DE CONTRARIEDADE AOS ARTIGOS DE LEI FEDERAL INVOCADOS NO RESP. - Legitimidade de parte ativa e passiva reconhecida pelo Tribunal de origem em face das circunstâncias peculiares à controvérsia, em que os interesses da empresa controlada se confundem com os da empresa controladora e, ainda, com o sócio desta. - Imprequestionamento dos temas alusivos aos arts. 20 do Código Civil e 47 do CPC. Inexistência de afronta ao art. 290 do Código Comercial. Recurso especial não conhecido. (REsp 125.400/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 20/04/1999, DJ 28/06/1999, p. 115)

Ante esse precedente, entendo que deve ser aplicada a máxima de «quem pode o mais, prestação de contas, pode o menos, exibição de documentos». ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (122.8770.2000.0300) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Medida cautelar (Jurisprudência)
Exibição de documentos (Jurisprudência)
Ação cautelar (v. Exibição de documentos ) (Jurisprudência)
Documentos societários (v. Exibição de documentos ) (Jurisprudência)
Sócia cotista (v. Exibição de documentos ) (Jurisprudência)
Holding familiar (v. Sociedade ) (Jurisprudência)
Sociedade limitada (v. Exibição de documentos ) (Jurisprudência)
Documentos comuns (v. Exibição de documentos ) (Jurisprudência)
Princípio da confiança (v. Exibição de documentos ) (Jurisprudência)
Affectio societatis (v. Sociedade ) (Jurisprudência)
Preservação da empresa (v. Sociedade ) (Jurisprudência)
CCB/2002, art. 1.020
CCB/2002, art. 1.021
CPC, art. 844, II
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