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Análise do STJ sobre penhora de imóvel alienado fiduciariamente por débitos condominiais: natureza propter rem, integração do credor fiduciário e fundamentos jurídicos principais
Doc. LEGJUR 250.6020.1983.9605
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Comentário/Nota
ANÁLISE CRÍTICA DO JULGADO DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ SOBRE PENHORA DE IMÓVEL ALIENADO FIDUCIARIAMENTE POR DÉBITOS CONDOMINIAIS
CONTEXTO E OBJETO DA CONTROVÉRSIA
Em julgamento de alta relevância para o direito das coisas e para o sistema de financiamento imobiliário, a Segunda Seção do STJ, por maioria, assentou a possibilidade de penhora da própria unidade autônoma gravada com alienação fiduciária para satisfação de cotas condominiais inadimplidas. A controvérsia opunha, de um lado, a corrente que reputava impenhorável o imóvel por integrar a propriedade resolúvel do credor fiduciário; e, de outro, a vertente que afirma a prevalência da natureza propter rem do crédito condominial e sua aderência ao bem, ainda que sob propriedade fiduciária.
SÍNTESE DA TESE FIXADA PELA MAIORIA
- É lícita a penhora do imóvel que originou o débito condominial, ainda que alienado fiduciariamente, em razão da natureza propter rem do crédito (CCB/2002, art. 1.345).
- O condomínio deve promover a citação do credor fiduciário, além do devedor fiduciante, para integrar a execução (CPC/2015, art. 799, I), facultando-se ao primeiro quitar o débito, sub-rogando-se nos direitos do exequente e exercendo regresso contra o fiduciante.
- As regras da alienação fiduciária, em especial as do regime legal (Lei 9.514/1997, art. 27, §8º; CCB/2002, art. 1.368-B, parágrafo único), disciplinam as relações entre fiduciário e fiduciante, não podendo afastar direitos de terceiros, como o do condomínio credor, decorrentes da obrigação propter rem.
FUNDAMENTOS JURÍDICOS PREDOMINANTES
- Natureza propter rem e aderência ao bem: O crédito condominial adere à coisa e acompanha o titular do direito real, razão pela qual a responsabilidade perante o condomínio recai, em última instância, sobre o proprietário (inclusive o proprietário resolúvel), independentemente da posse direta (CCB/2002, art. 1.345; CCB/2002, art. 1.336, I; CCB/2002, art. 1.314; CCB/2002, art. 1.315).
- Dualidade débito/responsabilidade: A maioria acolhe a distinção entre débito (de quem usufrui e deve pagar no plano primário) e responsabilidade (sujeição patrimonial), de modo que, embora o débito corrente seja imputado ao possuidor direto (fiduciante), a responsabilidade perante o condomínio também alcança o titular do direito real (fiduciário), pela natureza propter rem. Assim, o imóvel pode responder pela dívida, ainda que a propriedade esteja resolutivamente com o credor fiduciário.
- Limites das normas especiais: As previsões que atribuem ao fiduciante a responsabilidade primária pelas cotas até a imissão do fiduciário (Lei 9.514/1997, art. 27, §8º; Lei 9.514/1997, art. 23, §2º; CCB/2002, art. 1.368-B, parágrafo único) não afastam a oponibilidade, pelo condomínio, da natureza propter rem contra o titular do direito real. Tratam-se de regras inter partes, que não podem prejudicar terceiros estranhos ao contrato.
- Analogia com locação: Assim como o locador (proprietário/possuidor indireto) permanece responsável perante o condomínio se o inquilino não paga (Lei 8.245/1991, art. 23, XII), o credor fiduciário — proprietário resolúvel e condômino — não pode se eximir das despesas comuns, sob pena de transferir o ônus aos demais condôminos.
VOTOS VENCIDOS E ARGUMENTOS CONTRAPOSTOS
A divergência sustentou a impenhorabilidade do bem alienado fiduciariamente, com possibilidade apenas de penhora do direito real de aquisição do fiduciante (CPC/2015, art. 835, XII; CCB/2002, art. 1.368-B). Argumentou-se que o imóvel integra o patrimônio do fiduciário e que permitir a execução por dívida do fiduciante subverteria a arquitetura da garantia fiduciária. A maioria rebateu, destacando que: (i) a obrigação condominial é propter rem e vincula o titular do direito real perante o condomínio; (ii) a responsabilização do fiduciário perante o condomínio não elimina o regresso contra o fiduciante; e (iii) a solução alternativa (penhora apenas do direito aquisitivo) é inefetiva na prática, por baixa atratividade e dependência de anuência do credor.
ASPECTOS PROCESSUAIS RELEVANTES
- Integração do credor fiduciário ao polo passivo: Determinou-se a citação do fiduciário para compor a execução, com vistas ao contraditório e à preservação de sua garantia, bem como para facultar-lhe a purgação da mora condominial por sub-rogação (CPC/2015, art. 799, I).
- Responsabilidade patrimonial: O patrimônio do devedor responde por suas obrigações (CPC/2015, art. 789), mas, nas obrigações propter rem, o próprio bem responde pela dívida que o onera. A penhora deve recair sobre a unidade, observadas as intimações do titular do direito real e a publicidade registral.
- Sub-rogação e regresso: Quitada a dívida pelo fiduciário, opera-se a sub-rogação legal, com direito de regresso contra o fiduciante pelas vias próprias, inclusive com consequências contratuais.
CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DA DECISÃO
- Para condomínios: Reforça-se a efetividade da cobrança, com possibilidade real de excussão do bem, mitigando o repasse do inadimplemento aos condôminos adimplentes. Haverá, contudo, maior rigor procedimental na integração do fiduciário.
- Para credores fiduciários: Amplia-se o dever de gestão do risco condominial: exigência contratual periódica de certidões de adimplência, gatilhos para vencimento antecipado e monitoramento do inadimplemento. O pagamento por sub-rogação passa a ser ferramenta regular de preservação da garantia.
- Para devedores fiduciantes: A omissão no pagamento de cotas condominiais passa a gerar risco direto de perda do bem, além das sanções ordinárias do condomínio e das repercussões no contrato fiduciário.
- Para o mercado (SFI/SFH): Possível reprecificação de risco em financiamentos e securitizações, com cláusulas de covenant condominial mais estritas. A decisão induz boas práticas, mas pode aumentar custos transacionais.
PONTOS FORTES E CRÍTICAS
- Elogios:
- Coerência sistemática com a natureza propter rem das despesas condominiais (CCB/2002, art. 1.345) e com os deveres do condômino-proprietário, ainda que resolúvel (CCB/2002, art. 1.336, I).
- Proteção da coletividade condominial e prevenção de moral hazard, evitando a socialização do prejuízo entre terceiros alheios ao contrato fiduciário.
- Aplicação sofisticada da teoria dualista (débito x responsabilidade), preservando o regresso do fiduciário contra o fiduciante.
- Críticas e pontos em aberto:
- Ordem de preferência no produto da alienação judicial: O julgado admite a penhora e a participação do fiduciário, mas não positivou, de forma exaustiva, a ordem de satisfação entre crédito condominial e crédito fiduciário no produto da hasta. A fala de S. Exa. J. O. N. sugere pagamento preferencial das despesas condominiais, com saldo ao fiduciário; contudo, a definição de hierarquia e seus limites demanda amadurecimento jurisprudencial.
- Interação com a execução extrajudicial fiduciária: É necessário compatibilizar a penhora judicial do bem com eventual consolidação e leilão extrajudicial (Lei 9.514/1997, art. 27), evitando colisões procedimentais e garantindo máxima utilidade econômica da garantia.
- Risco de encarecimento do crédito: A assunção, pelo fiduciário, do ônus de antecipar pagamentos condominiais por sub-rogação pode repercutir em spreads e exigências contratuais adicionais.
ALCANCE NORMATIVO DAS REGRAS ESPECIAIS
Atribuir ao fiduciante a obrigação de pagar cotas enquanto na posse direta (Lei 9.514/1997, art. 27, §8º; Lei 9.514/1997, art. 23, §2º) e deslocar a responsabilidade ao fiduciário após a imissão na posse (CCB/2002, art. 1.368-B, parágrafo único) não equivale a excluir a responsabilidade propter rem do proprietário resolúvel perante o condomínio. O julgado delimita, com precisão, o alcance inter partes dessas normas, sem sacrificar o direito de terceiro (condomínio), reforçando a leitura topológica do Código Civil (capítulo de condomínio em diálogo com o da propriedade fiduciária).
DIRETRIZES OPERACIONAIS PARA OS ATORES ENVOLVIDOS
- Condomínios:
- Ao propor a execução, requerer desde logo a citação do credor fiduciário (CPC/2015, art. 799, I), com averbação da penhora e das intimações de estilo.
- Observar a penhora prioritariamente sobre o imóvel, deixando como subsidiária a constrição do direito aquisitivo (CPC/2015, art. 835, XII).
- Credores fiduciários:
- Inserir covenants de adimplência condominial, com obrigação de prova periódica e cláusulas de vencimento antecipado por inadimplemento de cotas.
- Em caso de execução, avaliar economicamente a quitação por sub-rogação para preservação da garantia e posterior regresso contra o fiduciante.
- Devedores fiduciantes:
- Atentar para o aumento do risco de perda do bem por dívida condominial, cumulativamente às obrigações contratuais fiduciárias.
CONFORMAÇÃO JURISPRUDENCIAL E SEGURANÇA JURÍDICA
O julgamento pacifica divergência histórica entre as Turmas de Direito Privado do STJ, conferindo diretriz unificada: a obrigação propter rem subsiste e permite a excussão do próprio bem, com integração do credor fiduciário à execução. Embora não se trate de precedente qualificado por rito repetitivo, a ratio decidendi tem vocação paradigmática e tende a orientar a prática forense nacional.
CONCLUSÕES E REFLEXOS FUTUROS
A decisão prestigia a essência da obrigação propter rem e reequilibra os interesses em jogo: não subtrai a segurança do crédito imobiliário, pois preserva a posição do fiduciário por meio da sub-rogação e do regresso, e protege a coletividade condominial de suportar a inadimplência alheia. Como desdobramentos prospectivos, são esperados: (i) ajustes contratuais padronizados nos financiamentos para mitigação do risco condominial; (ii) maior eficiência na recuperação de créditos pelos condomínios; (iii) amadurecimento jurisprudencial sobre preferência de pagamentos no produto da alienação e sua articulação com a execução extrajudicial. Em síntese, o julgado reafirma a centralidade do bem como garantia legal das despesas condominiais, fortalece a coerência sistêmica entre CCB/2002, art. 1.345, CCB/2002, art. 1.368-B, parágrafo único, Lei 9.514/1997, art. 27, §8º, e as regras processuais de responsabilidade patrimonial (CPC/2015, art. 789; CPC/2015, art. 799, I), e projeta impactos significativos e duradouros no mercado imobiliário e na governança condominial.
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