Reconhecimento do tempo de prisão provisória para fins de concessão de indulto e comutação de penas conforme art. 42 do Código Penal e fundamentos constitucionais e legais do STJ

Decisão do STJ que consolida o entendimento de que o período de prisão provisória deve ser computado para concessão de indulto e comutação de penas, fundamentada no artigo 42 do Código Penal, princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana e competência do Presidente da República, garantindo efetividade dos direitos fundamentais e uniformidade jurisprudencial na execução penal.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

É possível, conforme o artigo 42 do Código Penal, o cômputo do período de prisão provisória na análise dos requisitos para a concessão do indulto e da comutação previstos nos respectivos decretos.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A decisão proferida pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema Repetitivo n. 1.277, consolidou o entendimento de que o tempo de prisão provisória deve ser computado para fins de aferição do requisito objetivo exigido nos decretos presidenciais que tratam de indulto e comutação de penas. Trata-se de interpretação in bonam partem do CP, art. 42, permitindo que o período de privação de liberdade, ainda que anterior ao trânsito em julgado da condenação, seja considerado como tempo efetivamente cumprido, inclusive para viabilizar a concessão de benefícios coletivos de clemência, como o indulto natalino.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 5º, incisos XLVI e XLVII – Princípios da individualização da pena e da vedação de penas cruéis.
  • CF/88, art. 84, XII – Competência privativa do Presidente da República para concessão de indulto e comutação de penas.
  • CF/88, art. 1º, III – Princípio da dignidade da pessoa humana.

FUNDAMENTO LEGAL

  • CP, art. 42 – Determina que se computam, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, administrativa e de internação.
  • CPP, art. 387, §2º – O tempo de prisão provisória, administrativa ou de internação será computado para fins de determinação do regime inicial.
  • CPC/2015, arts. 927, III, 1.039 e seguintes – Vinculação dos tribunais e juízos aos temas firmados em recursos repetitivos.
  • LEP, arts. 192 e 193 – Procedimentos para concessão do indulto pelo juízo da execução penal.

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 631/STJ – O indulto extingue os efeitos primários da condenação (pretensão executória), mas não atinge os efeitos secundários, penais ou extrapenais.
  • Súmula 83/STJ – Não cabe recurso especial quando a decisão recorrida está em consonância com a jurisprudência do STJ.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese fixada possui grande relevância prática e jurídica no âmbito da execução penal, pois assegura a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana e o respeito ao caráter ressocializador da pena. O reconhecimento de que a liberdade já suprimida pelo Estado, ainda que sob o título de prisão provisória, deve ser contabilizada para concessão de benefícios, representa avanço na proteção de direitos fundamentais e na efetividade das garantias processuais penais. Ademais, a decisão harmoniza a leitura dos dispositivos legais nacionais com as diretrizes internacionais de direitos humanos, conforme ressaltado pelo acórdão ao citar precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O entendimento fixado tem potencial de impactar milhares de execuções penais em curso, conferindo segurança jurídica e uniformidade interpretativa, além de evitar a perpetuação de situações de inconstitucionalidade reconhecidas pelo STF (ADPF 347). A tese também reforça a competência discricionária do Presidente da República para definir, nos decretos de indulto e comutação, eventuais restrições, não cabendo ao Judiciário restringir o alcance do CP, art. 42, salvo se houver previsão legal expressa em sentido diverso.

ANÁLISE CRÍTICA

A decisão do STJ está tecnicamente fundamentada, tanto em dispositivos infraconstitucionais quanto em princípios constitucionais, privilegiando a interpretação mais favorável ao apenado (in bonam partem) e alinhando-se à evolução doutrinária e jurisprudencial nacional e internacional. O acórdão destaca a necessidade de se considerar a prisão provisória como efetiva privação de liberdade, afastando interpretações restritivas que poderiam perpetuar injustiças e inviabilizar a reintegração social dos apenados. Do ponto de vista processual, reforça-se a importância da correta aplicação da detração penal, evitando contagem múltipla e respeitando as balizas legais e jurisprudenciais.

Em termos práticos, a decisão amplia a possibilidade de concessão do indulto e da comutação de penas, beneficiando aqueles que já suportaram longo tempo de privação de liberdade antes da sentença definitiva. Entretanto, ressalta-se que a eventual restrição quanto ao trânsito em julgado da condenação deve estar prevista no próprio decreto presidencial, sob pena de o Poder Judiciário violar a separação de poderes e a competência privativa do Chefe do Executivo.

Como consequência, espera-se a uniformização do entendimento em todo o território nacional, com diminuição de litigiosidade e celeridade na apreciação dos pedidos de indulto e comutação, além de contribuir para a redução do déficit carcerário. O julgado, portanto, representa avanço significativo no direito penal e processual penal, com reflexos positivos na tutela dos direitos fundamentais dos apenados.