Reconhecimento da eficácia de coisa julgada "erga omnes" em ações populares contra a privatização da Companhia Vale do Rio Doce com base no art. 18 da Lei 4.717/65
Publicado em: 13/09/2024 AdministrativoProcesso CivilTESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO
TESE: Diante da conexão existente entre as ações populares que possuem como objeto litigioso a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, ainda que sob os mais diversos pretextos (conforme se verifica das razões de decidir no CC 19.686/DF, STJ), a superveniência de sentença transitada em julgado em uma delas (REO 2002.01.00.034012-6; TRF 1ª Região) possui eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", nos termos do art. 18 da Lei 4.717/65, motivo pelo qual a parte dispositiva deve recair sobre todas as ações populares que possuem o mesmo objeto.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Incidente de Assunção de Competência n.º 7, firmou entendimento de que, havendo conexão entre ações populares que discutem a privatização da Companhia Vale do Rio Doce – mesmo que por fundamentos variados –, a sentença com trânsito em julgado proferida em uma dessas ações irradia efeitos de coisa julgada erga omnes (oponível a todos), atingindo as demais ações populares que tenham por objeto o mesmo núcleo litigioso.
A ratio decidendi baseia-se na natureza transindividual dos interesses tutelados pela ação popular e na necessidade de unidade decisória, a fim de evitar o risco de decisões contraditórias e garantir a segurança jurídica na tutela de interesses públicos e coletivos. O entendimento harmoniza-se com o propósito da ação popular enquanto mecanismo voltado à defesa de bens jurídicos de titularidade difusa, reafirmando a eficácia abrangente da sentença, salvo nas hipóteses excepcionais previstas em lei.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
- CF/88, art. 5º, LXXIII: "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural..."
- CF/88, art. 37, caput: Princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na Administração Pública.
- CF/88, art. 5º, XXXV e XXXVI: Princípios do acesso à justiça e da coisa julgada.
FUNDAMENTO LEGAL
- Lei 4.717/65, art. 18: "A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível 'erga omnes', exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."
- Lei 4.717/65, art. 5º, §3º: "A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos."
- CPC/2015, art. 947: Incidente de Assunção de Competência e vinculação da decisão como precedente.
- CPC/2015, art. 55, §3º: Reunião para julgamento conjunto de processos com risco de decisões conflitantes, ainda que sem conexão formal.
- Lei 7.347/85, art. 16 (por analogia): Eficácia erga omnes da sentença em ação civil pública coletiva.
- RISTJ, art. 271-B: Julgamento pelo Incidente de Assunção de Competência.
SÚMULAS APLICÁVEIS
- Súmula 82/STJ: "A ação civil pública é instrumento processual idôneo para a proteção de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos."
- Súmula 345/STJ: "A sentença faz coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas."
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tese fixada pelo STJ possui elevada relevância para o processo coletivo brasileiro. Ao reconhecer a extensão erga omnes da coisa julgada nas ações populares conexas, o Tribunal mitiga o risco de decisões jurisdicionais contraditórias, fortalece a segurança jurídica e confere efetividade à proteção de interesses coletivos e difusos perante o Poder Judiciário.
A decisão também reforça a necessidade de racionalização do processo coletivo, evitando a proliferação de lides idênticas ou análogas em diferentes foros, com potencial para gerar insegurança e instabilidade social.
No aspecto prático, a aplicação da tese limita novas discussões judiciais sobre o mesmo objeto – a privatização da CVRD – por meio de ações populares, exceto na restrita hipótese de improcedência fundada em deficiência probatória. Essa diretriz contribui para a economia processual, previne a sobrecarga do Judiciário e garante tratamento isonômico aos jurisdicionados.
Por fim, a orientação vincula não apenas os órgãos do Judiciário, mas também os legitimados ativos, que deverão atentar para o alcance da coisa julgada coletiva, reafirmando o papel do STJ como Corte uniformizadora da interpretação do direito federal em matéria de direitos coletivos, com reflexos importantes em futuras discussões sobre privatizações, ações populares e demais meios de tutela coletiva.
ANÁLISE CRÍTICA
A fundamentação jurídica do acórdão está alicerçada na natureza difusa dos interesses protegidos pela ação popular, bem como na necessidade de unidade jurisdicional para evitar decisões inconciliáveis, o que preserva a credibilidade do Poder Judiciário. O STJ, ao reafirmar a eficácia erga omnes da sentença coletiva, prestigia o princípio da segurança jurídica, alinhando-se à moderna doutrina processual que preconiza a concentração de competências e a coletivização de lides de interesse público.
Destaca-se, ainda, a observância do incidente de assunção de competência (CPC/2015, art. 947), cuja função é justamente uniformizar a interpretação de relevantes questões de direito, conferindo efeito vinculante à decisão, o que eleva o grau de previsibilidade do sistema jurídico.
As consequências práticas da decisão envolvem a limitação do ajuizamento de novas ações populares sobre o mesmo objeto, reforçando a importância do planejamento estratégico na tutela coletiva e exigindo maior diligência dos legitimados quanto à produção probatória em momento oportuno, sob pena de preclusão.
Em suma, a decisão representa um avanço na consolidação dos precedentes qualificados no processo coletivo e projeta efeitos para além da causa concreta, servindo de paradigma para situações análogas envolvendo direitos transindividuais no âmbito do direito público.
Outras doutrinas semelhantes

Reconhecimento da Coisa Julgada Erga Omnes em Ações Populares sobre Privatização da Companhia Vale do Rio Doce com Base no Art. 18 da Lei 4.717/65
Publicado em: 13/09/2024 AdministrativoProcesso CivilDocumento que analisa a eficácia da coisa julgada transitada em julgado em ação popular relativa à privatização da Companhia Vale do Rio Doce, determinando sua aplicação a todas as ações conexas com o mesmo objeto, conforme art. 18 da Lei 4.717/65 e jurisprudência do STJ e TRF 1ª Região.
Acessar
Coisa Julgada em Ações Populares
Publicado em: 13/09/2024 AdministrativoProcesso CivilAnálise do conceito de coisa julgada no âmbito das ações populares, com base na decisão do Superior Tribunal de Justiça.
Acessar
Aplicação do prazo prescricional quinquenal da Lei da Ação Popular à execução individual de sentença em ação civil pública após trânsito em julgado
Publicado em: 23/05/2025 AdministrativoProcesso CivilAnálise da aplicação do prazo prescricional de cinco anos previsto na Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular) para a execução individual de sentença proferida em ação civil pública, considerando o início da contagem a partir do trânsito em julgado e a ausência de afronta à coisa julgada mesmo com reconhecimento da prescrição após o trânsito em julgado da sentença coletiva.
Acessar