Possibilidade de realização de procedimento cirúrgico sem transfusão sanguínea para Testemunha de Jeová no SUS, considerando convicção religiosa e limites técnicos médicos
Este documento aborda a possibilidade e os limites da realização de procedimentos cirúrgicos no sistema público de saúde (SUS) para pacientes Testemunhas de Jeová que recusam transfusão de sangue por convicção religiosa, ressaltando que tal recusa deve respeitar alternativas médicas seguras e viáveis, sem obrigar o Estado a custear ou realizar tratamentos que coloquem em risco a vida do paciente ou violem princípios técnicos e legais, como o da isonomia e segurança na prestação do serviço público.
TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
A possibilidade de paciente, Testemunha de Jeová, submeter-se a procedimento cirúrgico no sistema público de saúde sem a utilização de transfusão de sangue, por motivo de convicção religiosa, está condicionada à existência de alternativas médicas viáveis e seguras, não podendo o Estado ser compelido a custear ou realizar procedimento que coloque em risco a vida do paciente ou infrinja limites técnicos da medicina, sob pena de violação ao princípio da isonomia e da segurança na prestação do serviço público de saúde.
Comentário Explicativo
A tese reconhece o direito à autodeterminação confessional de pacientes Testemunhas de Jeová, permitindo-lhes recusar transfusões sanguíneas fundamentadas em crença religiosa. Contudo, limita tal prerrogativa à disponibilidade de técnicas médicas capazes de garantir, dentro de padrões mínimos de segurança, a eficácia do tratamento. O acórdão rechaça a possibilidade de obrigar o Estado e os profissionais de saúde a realizarem procedimentos que careçam de respaldo técnico ou que possam comprometer a vida do paciente, evidenciando a impossibilidade de subordinação da política pública de saúde a interesses individuais em detrimento do coletivo e da segurança clínica.
Fundamento Constitucional
- CF/88, art. 1º, III – Dignidade da pessoa humana.
- CF/88, art. 5º, caput, II, VI e VIII – Direito à igualdade, liberdade de consciência, crença e proteção contra discriminação religiosa.
- CF/88, art. 196 – Direito à saúde e dever do Estado em sua prestação.
Fundamento Legal
- CPC/2015, art. 319 – Requisitos da petição inicial, aplicáveis à fundamentação dos pedidos judiciais.
- CCB/2002, art. 15 (por analogia) – Ninguém pode ser constrangido a tratamento médico contrário à sua vontade, salvo em caso de risco à comunidade.
Súmulas Aplicáveis
- Súmula 279/STF – Vedação de reexame de provas em recurso extraordinário (utilizada no processo, mas não como fundamento de mérito).
Considerações Finais
A relevância da tese reside em harmonizar o direito fundamental à liberdade religiosa e à autodeterminação existencial com o dever constitucional do Estado de proteção à saúde e à vida. A decisão preserva a autonomia individual sem descurar da responsabilidade técnica e dos limites éticos da medicina e do princípio da isonomia na prestação do serviço público.
Reflexos futuros podem ser observados em casos análogos, nos quais demandas por tratamentos específicos, motivadas por convicções religiosas, colidam com parâmetros técnicos e interesses coletivos, exigindo análise criteriosa quanto à viabilidade dos procedimentos e à atuação do Estado. O acórdão contribui para evitar precedentes que possam comprometer a universalidade, integralidade e equidade do Sistema Único de Saúde (SUS), além de reforçar a importância do juízo técnico na definição de condutas médicas.
Análise Crítica
O acórdão evidencia robusta fundamentação jurídica na ponderação de princípios constitucionais, especialmente entre dignidade da pessoa humana, liberdade religiosa e direito à saúde. A argumentação rechaça o absolutismo de direitos fundamentais, reconhecendo a necessidade de ponderação e harmonização diante de conflitos concretos.
No plano prático, a decisão resguarda a segurança jurídica e a integridade das políticas públicas de saúde, evitando imposições que extrapolem a capacidade técnica dos entes públicos e de seus profissionais. Por outro lado, reafirma a autonomia do paciente, desde que compatível com a viabilidade médica e os parâmetros científicos aceitos. Assim, o Estado não está obrigado a inovar ou a experimentar procedimentos sem respaldo técnico, tampouco a tratar de forma diferenciada situações equivalentes, o que preserva o princípio da isonomia.
A consequência jurídica mais relevante é o estabelecimento de balizas para o controle judicial de políticas públicas de saúde, fixando limites à atuação do Poder Judiciário na ingerência sobre escolhas técnicas e administrativas, e reforçando a necessidade de decisões baseadas em evidências científicas e respeito à coletividade.