Liberdade religiosa como fundamento para custeio estatal de tratamento médico diferenciado com viabilidade técnica e respeito à dignidade do paciente

Este documento aborda a possibilidade de o dever do Estado custear tratamentos médicos diferenciados, não disponíveis na rede pública, fundamentado na liberdade religiosa do cidadão, desde que haja comprovação de viabilidade técnica, garantindo uma existência digna e o respeito às convicções individuais do paciente.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

A liberdade religiosa do cidadão pode justificar o dever do Estado de custear tratamento médico diferenciado, não disponível na rede pública de saúde, desde que haja viabilidade técnica comprovada para a realização do procedimento de acordo com as convicções do paciente, assegurando não apenas a sobrevivência, mas uma existência digna, com respeito às crenças individuais.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A decisão reconhece que o direito à saúde, como direito fundamental de natureza social, não se restringe à mera proteção da vida biológica, mas abrange a garantia de uma existência digna, compatível com a autodeterminação e as convicções religiosas do indivíduo. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a repercussão geral do tema, enfatiza que a prestação estatal em saúde deve ser ajustada às peculiaridades do caso concreto, inclusive nos casos em que o paciente recusa determinados tratamentos por razões de crença religiosa, desde que seja tecnicamente possível oferecer alternativa eficaz. O caso paradigmático envolve paciente Testemunha de Jeová que recusou transfusão sanguínea, sendo reconhecido o dever do Estado de custear procedimento alternativo.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  1. CF/88, art. 1º, III (dignidade da pessoa humana)
  2. CF/88, art. 5º, VI (liberdade de consciência e de crença)
  3. CF/88, art. 6º (direito social à saúde)
  4. CF/88, art. 196 (dever do Estado de garantir saúde a todos)

FUNDAMENTO LEGAL

  1. Lei 8.080/1990, art. 2º (princípios e diretrizes do SUS)
  2. Lei 8.080/1990, art. 7º, II (universalidade do acesso aos serviços de saúde)

SÚMULAS APLICÁVEIS

  1. Súmula 279/STF (vedação de reexame de fatos e provas em recurso extraordinário – citada na decisão quanto à impossibilidade de revolvimento fático-probatório)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese possui alta relevância prática e simbólica, pois reafirma o pluralismo e o respeito às minorias religiosas no âmbito das políticas públicas de saúde, reforçando o caráter multifacetado do direito fundamental à saúde. A decisão impõe ao Estado o dever de buscar alternativas viáveis e eficazes, sempre que possível, para atender à dignidade e autodeterminação do paciente, sem descurar da gestão racional de recursos públicos. Entretanto, ressalta-se que a exigência de atendimento específico não é absoluta, devendo ser sopesada com os princípios da universalidade, igualdade e razoabilidade, especialmente diante da escassez de recursos. O precedente projeta impactos relevantes em futuros litígios envolvendo colisão entre direitos fundamentais, notadamente em demandas de saúde de cunho individual e coletivo, e na formatação de políticas públicas inclusivas e respeitosas à diversidade.

ANÁLISE CRÍTICA

A argumentação central do acórdão evidencia o equilíbrio entre o direito individual à liberdade religiosa e a necessidade de manutenção de um sistema público de saúde universal, igualitário e eficiente. Ao reconhecer a possibilidade de custeio estatal de tratamento diferenciado por motivos religiosos, desde que viável e comprovadamente necessário, o STF valoriza a autodeterminação e dignidade do paciente, promovendo um ambiente de tolerância e respeito às diferenças. Contudo, a decisão destina-se a situações excepcionais, em que a alternativa médica esteja tecnicamente justificada e não implique afronta à isonomia ou inviabilização do sistema público. A consequência prática é o estímulo à busca de soluções dialogadas entre o Poder Público e o cidadão, evitando judicialização excessiva e decisões que possam desestruturar a política pública de saúde. O precedente servirá como baliza para futuras demandas em que haja colisão entre direitos fundamentais, promovendo a ponderação e harmonização de interesses.