Natureza jurídica da remuneração paga às empregadas gestantes afastadas durante a pandemia de COVID-19: reconhecimento como obrigação patronal e afastamento da caracterização como salário-maternidade para fins d...

Este documento aborda a tese firmada pelo STJ sobre a natureza jurídica dos valores pagos às empregadas gestantes afastadas durante a pandemia de COVID-19, esclarecendo que tais pagamentos são remuneração regular a cargo do empregador e não se configuram como salário-maternidade para fins de compensação previdenciária, fundamentando-se em dispositivos constitucionais e legais específicos, além de destacar a importância do respeito ao processo legislativo e ao equilíbrio fiscal.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

Os valores pagos às empregadas gestantes afastadas, inclusive às que não puderam trabalhar remotamente, durante a emergência de saúde pública da pandemia de COVID-19, possuem natureza jurídica de remuneração regular, a cargo do empregador, não se configurando como salário-maternidade para fins de compensação.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

O STJ, ao analisar a legislação de regência e os vetos presidenciais à Lei 14.151/2021, assentou que os pagamentos efetuados pelo empregador às gestantes afastadas do trabalho presencial durante a pandemia, ainda que não fosse possível o teletrabalho ou a realocação em outras funções, não se equiparam ao salário-maternidade. Trata-se de remuneração regular derivada do vínculo empregatício, em razão da continuidade da execução do contrato de trabalho, apenas com alteração de sua forma (presencial para remota ou, na impossibilidade, mantida a remuneração). Assim, não é possível a compensação desses valores com as contribuições previdenciárias devidas, pois não se trata de benefício previdenciário, mas de obrigação patronal decorrente da legislação emergencial.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

CF/88, art. 1º, III – Dignidade da pessoa humana;
CF/88, art. 7º, XVIII – Licença-maternidade;
CF/88, art. 195, §5º – Necessidade de fonte de custeio para benefícios previdenciários;
CF/88, art. 201, caput – Equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social.

FUNDAMENTO LEGAL

Lei 14.151/2021, art. 1º – Garantia de afastamento da gestante do trabalho presencial, sem prejuízo da remuneração;
Lei 8.213/1991, arts. 71 e 72 – Definição e pagamento do salário-maternidade;
CLT, art. 394-A, §§ 2º e 3º – Afastamento da gestante e hipótese de salário-maternidade;
Lei Complementar 101/2000, art. 24 – Vedação à concessão de benefício sem fonte de custeio.

SÚMULAS APLICÁVEIS

Não há súmula específica sobre o tema. A Súmula Vinculante 10/STF pode ser invocada para resguardo da reserva de plenário quando se pretende afastar a incidência de lei federal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese firmada pelo STJ tem grande impacto prático e financeiro, especialmente para os empregadores e para o Fisco, afastando a possibilidade de ampliação do benefício previdenciário sem respaldo legal ou fonte de custeio. Reforça o respeito ao processo legislativo, especialmente aos vetos presidenciais, e impede que o Judiciário, por meio de interpretação extensiva, crie benefícios não previstos em lei. A manutenção da remuneração como encargo do empregador, ainda que em situações excepcionais como a pandemia, representa solução de política pública adotada pelo legislador, cujo controle pelo Judiciário deve ser restrito e deferente aos fundamentos de equilíbrio fiscal e responsabilidade orçamentária. O precedente tende a ser relevante em eventuais crises sanitárias futuras e em debates sobre a extensão de benefícios previdenciários em situações emergenciais.

ANÁLISE CRÍTICA

A argumentação do acórdão é robusta ao distinguir a figura do salário-maternidade, regido por requisitos e hipóteses específicas, da remuneração devida em decorrência do afastamento emergencial da gestante. O acórdão enfatiza a necessidade de observância estrita ao processo legislativo, inclusive aos vetos, e à disciplina fiscal prevista constitucional e legalmente. A decisão previne a criação judicial de obrigações para o regime previdenciário, sem fonte de custeio, o que poderia comprometer a sustentabilidade do sistema. Do ponto de vista prático, elimina incertezas sobre a possibilidade de compensação tributária, conferindo maior estabilidade às relações trabalhistas e fiscais. Contudo, não ignora o ônus extraordinário imposto aos empregadores, o qual, segundo o acórdão, é justificado pela excepcionalidade da pandemia e pelos objetivos de proteção à maternidade e à vida, reconhecendo que a solução adotada foi fruto de uma opção legítima do legislador.