Limitações legais da guarda civil municipal na prisão em flagrante e nulidade de provas decorrentes de busca pessoal ilícita sem fundada suspeita
O documento analisa a atuação da guarda civil municipal na prisão em flagrante, destacando que não podem realizar atividades típicas das polícias militar e civil. Aborda a ilegalidade da busca pessoal sem fundada suspeita, especialmente fora da proteção de bens municipais, e suas consequências jurídicas, como a nulidade da prova e o trancamento da ação penal por abuso de poder.
TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
A guarda civil municipal pode efetuar prisão em flagrante, mas não lhe é permitido exercer atividades ostensivas ou investigativas típicas das polícias militar e civil. A busca pessoal realizada por guardas municipais é ilícita se não houver fundada suspeita, especialmente quando não relacionada à proteção de bens, serviços ou instalações municipais, constituindo abuso de poder e acarretando a nulidade da prova e o trancamento da ação penal.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
A decisão delimita de forma precisa as competências das guardas civis municipais no sistema de segurança pública, reconhecendo que sua atuação deve restringir-se à tutela do patrimônio municipal e à garantia dos serviços públicos. Outras atividades, como investigações ou abordagens generalizadas com motivação meramente subjetiva ou fundada apenas em “atitude suspeita”, não se incluem em suas atribuições. O acórdão acentua que a mera mudança de direção ao avistar uma viatura, em local conhecido por tráfico, não constitui justa causa para revista pessoal, afastando a legalidade de provas obtidas por tais meios. Assim, busca pessoal sem justa causa e sem relação com a função institucional da guarda é ilegal, ensejando reconhecimento da ilicitude da prova e consequente nulidade dos atos processuais posteriores.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
CF/88, art. 5º, LVI (“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”);
CF/88, art. 144, §8º (delimita a competência das guardas municipais à proteção de bens, serviços e instalações do município).
FUNDAMENTO LEGAL
CPP, art. 244 (“a busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito”);
CPP, art. 302 (definição de flagrante delito e possibilidade de atuação de qualquer do povo no flagrante);
CPP, art. 157, §1º (“são inadmissíveis as provas ilícitas no processo penal”).
SÚMULAS APLICÁVEIS
Não há súmulas vinculantes específicas sobre o tema, mas a jurisprudência do STJ é consolidada nos precedentes citados: REsp Acórdão/STJ, HC Acórdão/STJ, AgRg no HC Acórdão/STJ, HC 755.123/SP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevância da tese reside na proteção dos direitos e garantias fundamentais, especialmente quanto à limitação do poder de polícia e à inadmissibilidade de provas ilícitas. O entendimento do STJ previne abusos no exercício do poder de polícia por parte de agentes cuja competência constitucional é restrita, evitando a transformação de abordagens preventivas em instrumentos de investigação sem respaldo legal. A decisão fortalece o devido processo legal e a legalidade estrita na atuação estatal, com impactos práticos para a atuação das guardas municipais em todo o país e para a defesa de réus em processos criminais que envolvam provas obtidas por meio de abordagens indevidas. Futuramente, a consolidação desta orientação poderá demandar dos municípios a revisão de protocolos de atuação das guardas civis, reforçando a observância dos limites constitucionais e legais de sua atuação.
ANÁLISE CRÍTICA
O acórdão adota uma interpretação rigorosa dos limites institucionais das guardas civis municipais, em observância ao princípio da legalidade e do devido processo legal. A argumentação jurídica é consistente ao invocar o art. 144, §8º, da CF/88 e ao recusar a validade de abordagens baseadas em meras suspeitas genéricas ou em localidade conhecida pelo tráfico, exigindo a concreta e objetiva demonstração de fundada suspeita. O afastamento da validade de provas obtidas por busca pessoal ilegal reafirma a centralidade do direito fundamental à intimidade, à liberdade e à não autoincriminação. As consequências práticas são relevantes: ações penais instruídas por provas ilícitas tendem a ser anuladas, fortalecendo os mecanismos de controle sobre abusos de poder e exigindo formação qualificada dos agentes municipais quanto aos limites de sua atuação. A decisão também estimula a reflexão sobre política criminal e a necessidade de integração entre os diferentes órgãos de segurança, com respeito à autonomia constitucional de cada um.