Definição e consolidação da natureza formal do crime de falsa identidade (art. 307 do CP) pelo STJ, afastando necessidade de resultado lesivo e excludente de tipicidade por autodefesa

Tese doutrinária extraída do acórdão do STJ que estabelece que o crime de falsa identidade é formal, consumado no momento da atribuição consciente de dados falsos, independentemente de resultado naturalístico ou vantagem, com fundamentação constitucional, legal e súmulas aplicáveis, além de análise crítica sobre a rigidez do entendimento e sua importância para a proteção da fé pública e segurança jurídica.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO

O delito de falsa identidade é crime formal, que se consuma quando o agente fornece, consciente e voluntariamente, dados inexatos sobre sua real identidade, e, portanto, independe da ocorrência de resultado naturalístico.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos repetitivos, estabelece de forma categórica que o crime de falsa identidade (CP, art. 307) possui natureza formal, consumando-se no exato momento em que o agente, de forma consciente e voluntária, atribui a si ou a outrem identidade diversa da real. Isto significa que não se exige a obtenção de vantagem pelo agente ou a produção de qualquer efeito prático ou prejuízo a terceiros para a configuração do delito. Também não há espaço para a aplicação do instituto do arrependimento eficaz após a atribuição da falsa identidade, mesmo que haja retratação antes do registro oficial da ocorrência.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

CF/88, art. 5º, inciso LVII (princípio da presunção de inocência) — embora não diretamente relacionado à definição típica, serve de pano de fundo para assegurar a correta delimitação dos direitos do acusado. Ademais, o art. 5º, inciso LXIII (direito ao silêncio e à autodefesa), foi enfrentado pela tese, na medida em que se assentou a impossibilidade de invocação da autodefesa como excludente da tipicidade no caso de atribuição de falsa identidade.

FUNDAMENTO LEGAL

CP, art. 307: “Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem.”
CPC/2015, art. 927, III (vinculação de precedentes obrigatórios)
CPC/2015, arts. 1.036 a 1.041 (rito dos repetitivos)

SÚMULAS APLICÁVEIS

Súmula 522/STJ: “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.”
Tema 478/STF: “O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP).”
Tema 646/STJ: “[É] típica a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial, ainda que em situação de alegada autodefesa (art. 307 do CP).”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância da tese reside em consolidar o entendimento de que o crime de falsa identidade não depende de resultado lesivo para se consumar, bastando a conduta dolosa do agente. Isso fortalece a proteção à fé pública e a segurança nas relações jurídicas e administrativas, evitando interpretações restritivas que poderiam comprometer o combate a fraudes e obstaculizar a persecução penal. O precedente também delimita com clareza a impossibilidade de aplicação do arrependimento eficaz e afasta tentativas de relativização da tipicidade sob o argumento da autodefesa. No plano prático, a decisão uniformiza a jurisprudência nacional, orientando juízes e tribunais, além de evitar absolvições baseadas em critérios subjetivos ou consequências posteriores à conduta criminosa.

ANÁLISE CRÍTICA

A argumentação do acórdão mostra-se sólida ao adotar a linha doutrinária majoritária e reiterar a jurisprudência consolidada do STJ e STF. A valorização da proteção à fé pública como bem jurídico central do tipo penal do art. 307 do CP justifica a adoção do conceito de crime formal, afastando a necessidade de resultado naturalístico. A decisão também é didática ao esclarecer que o direito à autodefesa não autoriza práticas criminosas, protegendo o interesse público contra tentativas de burlar a persecução penal. Como consequência, reforça-se a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais em matéria penal. Por outro lado, a tese pode ser criticada por sua rigidez, pois não admite qualquer flexibilização diante de situações excepcionais onde não haja sequer risco real ou potencial de dano, hipótese que, sob enfoque garantista, mereceria análise mais casuística. Ainda assim, o critério objetivo adotado privilegia a coerência sistêmica e a efetividade da tutela penal.