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Atropelamento de pedestre em via férrea: reconhecimento da concorrência de culpas entre concessionária negligente e vítima imprudente com base em deveres de cuidado e vigilância

Publicado em: 16/02/2025 CivelProcesso Civil
Documento que analisa a configuração da concorrência de culpas em casos de atropelamento de pedestre em via férrea, destacando a responsabilidade da concessionária ferroviária pelo descumprimento do dever de cercar e fiscalizar a linha férrea, e a imprudência da vítima ao atravessar local inadequado, fundamentando-se na necessidade de práticas preventivas para evitar sinistros.

TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

No caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de culpas quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a composição ferroviária em local inapropriado.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

Trata-se de importante diretriz fixada sob o regime do art. 543-C do CPC/1973 (atual art. 1.036 do CPC/2015), com repercussão para todos os processos que versem sobre responsabilidade civil em acidentes ferroviários. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, em situações em que há omissão ou negligência da concessionária de serviço público quanto à adoção de medidas de segurança e fiscalização das faixas de domínio das linhas férreas, e, simultaneamente, imprudência da vítima ao atravessar em local proibido ou inadequado, deve-se reconhecer a concorrência de culpas, com mitigação proporcional do valor indenizatório.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 37, §6º: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

FUNDAMENTO LEGAL

  • CPC/2015, art. 1.036 (antigo art. 543-C): institui o regime dos recursos repetitivos, conferindo efeito vinculante às teses firmadas.
  • CCB/2002, art. 927, parágrafo único: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."
  • CCB/2002, art. 945: "Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano."
  • Decreto 1.832/1996, arts. 1º, IV; 4º, I; 54, IV; 55: disciplina a segurança nos serviços ferroviários e estabelece o dever das administrações ferroviárias de adotar medidas técnicas, administrativas, de segurança e educativas para prevenir acidentes, além da obrigação de vigilância e fiscalização.

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 54/STJ: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual."
  • Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese firmada pelo STJ tem grande relevância para a uniformização da jurisprudência nacional sobre responsabilidade civil por acidentes ferroviários, especialmente diante da urbanização das áreas próximas a linhas férreas e da recorrência de acidentes envolvendo pedestres. A decisão demonstra equilíbrio ao reconhecer tanto a omissão da concessionária quanto a imprudência da vítima, promovendo a repartição dos prejuízos conforme a gravidade das condutas envolvidas. Os reflexos práticos se traduzem na redução do valor das indenizações em caso de culpa concorrente, incentivando tanto a adoção de melhores práticas de segurança pelas concessionárias quanto a cautela por parte dos usuários. Ademais, a tese serve de orientação para casos análogos envolvendo outros modais de transporte público, reforçando a necessidade de análise minuciosa do nexo causal e das condutas das partes.

ANÁLISE CRÍTICA

Do ponto de vista jurídico, a decisão do STJ está alinhada com a doutrina majoritária e a jurisprudência consolidada acerca da responsabilidade civil em hipóteses de omissão do Estado ou de delegatários de serviço público. O acórdão distingue de forma clara quando se aplica a responsabilidade objetiva (ações comissivas) e quando é necessária a configuração da culpa (ações omissivas), exigindo a demonstração dos elementos tradicionais da responsabilidade subjetiva: o fato administrativo, o dano, o nexo causal e a culpa. A valorização do art. 945 do CCB/2002 para a fixação proporcional da indenização reflete uma tendência de equilíbrio e justiça distributiva, evitando tanto o enriquecimento sem causa quanto a impunidade. Do ponto de vista processual, a tese fortalece a segurança jurídica e a previsibilidade dos julgamentos, sendo aplicável a múltiplos casos semelhantes. Como consequência prática, a decisão orienta a atuação das concessionárias para o cumprimento rigoroso de sua obrigação de segurança e fiscalização, sem eximir o usuário do dever de cautela. Resta como desafio futuro o aprimoramento das políticas públicas para redução de acidentes e a educação da população acerca dos riscos inerentes ao uso indevido das vias férreas.


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