Análise da Concorrência de Culpas em Atropelamento de Pedestre em Via Férrea por Negligência da Concessionária e Imprudência da Vítima
Documento que aborda a configuração da concorrência de culpas em acidentes envolvendo atropelamento de pedestres em via férrea, destacando a negligência da concessionária ferroviária no dever de cercamento e fiscalização e a imprudência da vítima ao atravessar em local inadequado. Fundamenta-se na responsabilidade civil e nas obrigações de segurança das partes envolvidas.
TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
No caso de atropelamento de pedestre em via férrea, configura-se a concorrência de culpas quando: (i) a concessionária do transporte ferroviário descumpre o dever de cercar e fiscalizar os limites da linha férrea, mormente em locais urbanos e populosos, adotando conduta negligente no tocante às necessárias práticas de cuidado e vigilância tendentes a evitar a ocorrência de sinistros; e (ii) a vítima adota conduta imprudente, atravessando a via férrea em local inapropriado.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
A tese consolida a compreensão de que, nos acidentes ferroviários envolvendo pedestres, a responsabilidade pela indenização deve ser repartida entre a concessionária e a vítima quando ambos contribuem para o evento danoso. A obrigação da concessionária de adotar medidas eficazes de segurança (cercas, muros, sinalização e fiscalização) é mitigada caso se demonstre que a vítima também agiu de forma imprudente, como ao atravessar a via em local indevido, ignorando passarelas ou sinalizações existentes. Trata-se de aplicação do princípio da concorrência de culpas, o que resulta na redução proporcional da indenização devida.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
CF/88, art. 37, §6º: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
FUNDAMENTO LEGAL
- CPC/2015, art. 543-C (atual art. 1.036): Regime dos recursos repetitivos, fixando orientação vinculante para casos idênticos;
- CCB/2002, art. 945: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.”;
- CCB/2002, art. 927, parágrafo único: Responsabilidade objetiva em casos previstos em lei ou quando a atividade implicar risco;
- Decreto 1.832/1996, arts. 1º, IV; 4º, I; 54, IV; 55: Disciplina medidas de segurança e vigilância nas ferrovias;
- Decreto 2.089/1963, art. 10: Dever de cercar a faixa da linha férrea, conforme necessário à segurança e à determinação da autoridade competente.
SÚMULAS APLICÁVEIS
- Súmula 54/STJ: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual.”
- Súmula 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tese reafirma a relevância do equilíbrio entre o dever de segurança do concessionário e a responsabilidade do usuário. O entendimento é relevante por fixar, em sede de recurso repetitivo, uma diretriz para casos similares, servindo de orientação para os tribunais inferiores e conferindo maior segurança jurídica. O reconhecimento da culpa concorrente impede tanto o afastamento completo da responsabilidade do concessionário – que deve zelar pela segurança dos usuários – quanto a atribuição de culpa exclusiva à vítima, promovendo justiça distributiva e proporcionalidade na fixação da indenização. Reflexos futuros incluem a padronização da redução proporcional das indenizações em hipóteses de culpa concorrente, bem como o incentivo para que concessionárias invistam em medidas preventivas e para que usuários adotem condutas cautelosas.
ANÁLISE CRÍTICA
O acórdão apresenta fundamentação robusta, alinhada ao entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado, especialmente quanto à distinção entre responsabilidade objetiva (conduta comissiva) e subjetiva (conduta omissiva do Estado ou delegatária). A decisão valoriza a análise do caso concreto, exigindo a demonstração do nexo causal e da culpa para responsabilização por omissão. No tocante à concorrência de culpas, a aplicação do art. 945 do CCB/2002 confere racionalidade à distribuição dos encargos indenizatórios, desestimulando tanto a omissão do concessionário quanto comportamentos temerários de usuários. Consequência prática relevante é o critério objetivo para redução do quantum indenizatório, conferindo previsibilidade às partes e aos julgadores, bem como potencial redução da litigiosidade.