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Análise da constitucionalidade do critério objetivo de renda familiar para concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, §3º da Lei 8.742/1993 (LOAS) e sua aplicação judicial excepcional

Publicado em: 11/05/2025 Constitucional Direito Previdenciário
Este documento discute a constitucionalidade do critério objetivo de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo para concessão do benefício assistencial continuado previsto na Lei 8.742/1993 (LOAS), destacando que, apesar de válido, o Poder Judiciário pode afastar sua aplicação automática em casos excepcionais para garantir os princípios constitucionais da dignidade humana, isonomia e solidariedade social.

TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

A fixação do critério objetivo de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, constante do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 (LOAS), para concessão do benefício assistencial de prestação continuada, não se mostra, por si só, inconstitucional. Todavia, a aplicação automática desse critério pode, em situações concretas, frustrar a efetividade dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, isonomia, solidariedade social e erradicação da pobreza, cabendo ao Poder Judiciário, em casos excepcionais devidamente comprovados, afastar a incidência da norma legal para fins de concretização do mínimo existencial.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A principal tese assentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi a de que o critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, da LOAS constitui uma presunção absoluta (juris et de jure) de miserabilidade, mas não pode ser interpretado como parâmetro único e excludente para a concessão do benefício. Isso significa que, embora a lei estabeleça um requisito financeiro, a sua aplicação automática pode resultar em situações concretas de manifesta inconstitucionalidade material, caso comprometa a realização dos direitos fundamentais previstos na Constituição. O Judiciário pode, excepcionalmente, considerar outros elementos fáticos — tais como doenças, despesas com medicamentos, composição familiar, entre outros — para reconhecer a condição de vulnerabilidade/miserabilidade do requerente, ainda que a renda per capita familiar ultrapasse o limite legal.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 1º, III – Dignidade da pessoa humana
  • CF/88, art. 3º, I e III – Objetivos fundamentais da República: construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e erradicação da pobreza
  • CF/88, art. 6º – Direito à assistência aos desamparados
  • CF/88, art. 203, V – Garantia de benefício mensal ao idoso e ao portador de deficiência que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família

FUNDAMENTO LEGAL

  • Lei 8.742/1993 (LOAS), art. 20, §3º
  • Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), art. 34, parágrafo único (declarado inconstitucional, incidenter tantum)
  • CPC/2015, art. 489, §1º, VI (fundamentação das decisões judiciais em normas constitucionais e legais)

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 11/TNU (cancelada em 2006, mas relevante para o debate histórico): "A renda mensal, per capita, familiar, superior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20 § 3° da Lei 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante."
  • Súmula 279/STF (limites do recurso extraordinário quanto ao reexame de provas)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A decisão do STF reflete uma evolução do controle de constitucionalidade, especialmente quanto aos direitos fundamentais de natureza social. O Tribunal reconheceu que o contexto social, econômico e os avanços legislativos podem gerar uma inconstitucionalização progressiva de critérios outrora considerados adequados, como o limite objetivo da renda “per capita”. A interpretação construída busca evitar a concretização deficitária dos direitos fundamentais (princípio da proibição de proteção insuficiente), mantendo o papel normativo do legislador, mas não abdicando do controle judicial em situações de omissão ou inadequação legislativa que comprometam o mínimo existencial.

A repercussão da tese é significativa: reforça a possibilidade de atuação do Judiciário na proteção de hipossuficientes, mesmo diante de limites legais objetivamente fixados, conferindo efetividade material ao direito à assistência social. Por outro lado, evidencia os riscos de insegurança jurídica e de ativismo judicial, exigindo dos magistrados elevada cautela e parcimônia para não substituir, de forma indiscriminada, a vontade do legislador.

A decisão também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, por violação ao princípio da isonomia, ao criar distinção injustificada entre beneficiários do mesmo núcleo familiar quanto ao cálculo da renda para concessão do benefício. Tal declaração, contudo, foi feita sem pronúncia de nulidade e não houve modulação de efeitos por falta de quórum qualificado, o que deixa aberta a necessidade de adequada atuação legislativa para recompor o sistema.

ANÁLISE CRÍTICA

A argumentação do STF demonstra maturidade institucional ao reconhecer que critérios objetivos, embora necessários à segurança jurídica e à previsibilidade das políticas públicas, podem tornar-se insuficientes ou inadequados diante das transformações sociais e do próprio sistema de proteção social. O reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão parcial e a possibilidade de controle judicial da aplicação da norma no caso concreto reforçam o caráter aberto dos direitos fundamentais e a função contramajoritária do Judiciário. Contudo, a decisão também revela os limites e desafios do diálogo institucional entre Judiciário e Legislativo, especialmente quanto à necessidade de atualização permanente dos critérios legais para o acesso a direitos sociais em contextos de inflação, mudanças demográficas e evolução dos programas de transferência de renda.

Na prática, a tese estimula a análise individualizada das situações de vulnerabilidade, permitindo que situações de manifesta injustiça social sejam corrigidas, mas exige dos magistrados fundamentação robusta e criteriosa, sob pena de fragilizar a segurança jurídica e a isonomia entre os jurisdicionados. A ausência de modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade evidencia o impasse institucional, reforçando a urgência de atuação legislativa para evitar a perpetuação de parâmetros legais defasados e a multiplicação de demandas judiciais.


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