Relevância da palavra da vítima e aplicação do princípio da presunção de inocência em crimes praticados às ocultas, como o estupro de vulnerável
Análise da importância da palavra da vítima em crimes praticados às ocultas, especialmente no estupro de vulnerável, destacando a necessidade da existência de provas corroborativas e a observância do princípio da presunção de inocência diante de dúvidas razoáveis.
TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
Em delitos praticados às ocultas, como o estupro de vulnerável, a palavra da vítima possui especial relevância, sobretudo quando corroborada por outros elementos de prova; contudo, a existência de dúvida razoável sobre a configuração do tipo penal impõe a aplicação do princípio da presunção de inocência.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
A decisão reconhece que, em crimes sexuais cometidos sem testemunhas oculares, a palavra da vítima é elemento de grande peso na formação da convicção do julgador. Entretanto, essa valorização não é absoluta: a condenação exige que as declarações da vítima estejam em consonância com outros elementos probatórios e que não subsistam dúvidas razoáveis quanto à autoria e à materialidade do delito. No caso examinado, embora as declarações da vítima fossem relevantes, as circunstâncias fáticas (como o fato de a vítima estar dormindo e a ausência de detalhes sobre o contato) e a fragilidade do contexto probatório impediram a formação do juízo de certeza necessário à condenação pelo art. 217-A do CP.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
CF/88, art. 5º, LVII – “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” (Princípio da presunção de inocência)
CF/88, art. 5º, LIV – “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
FUNDAMENTO LEGAL
CPP, art. 386, VII – Prevê a absolvição quando não houver prova suficiente para a condenação.
CP, art. 217-A – Exige, para a configuração do estupro de vulnerável, elementos que demonstrem a prática do ato com dolo específico voltado à satisfação da lascívia.
SÚMULAS APLICÁVEIS
Não há súmula específica sobre a valoração da palavra da vítima, mas a Súmula 7/STJ serve como baliza para a impossibilidade de reexame das provas em recurso especial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tese equilibra a necessidade de proteção à vítima de crimes sexuais, reconhecendo a relevância de seu depoimento, com a garantia dos direitos fundamentais do acusado, especialmente o direito ao devido processo legal e à presunção de inocência. Garante-se, assim, que a condenação penal somente se dê quando houver prova suficiente e robusta, evitando decisões arbitrárias e injustas. O entendimento contribui para a consolidação de práticas judiciárias responsáveis e para a defesa dos direitos humanos, sendo relevante para a fixação de parâmetros na apreciação das provas em delitos de difícil apuração.
ANÁLISE CRÍTICA
A argumentação jurídica revela maturidade no trato de situações complexas em que há alegações de crimes sexuais sem testemunhas diretas. Destaca-se a preocupação com a proteção da vítima, sem, contudo, relativizar as garantias processuais do acusado. O acórdão evidencia que o reconhecimento da palavra da vítima como elemento probatório relevante não pode prescindir da necessidade de outros elementos corroborem sua narrativa, sob pena de se incorrer em condenações fundadas em dúvida. As consequências práticas são relevantes: reforça-se a necessidade de atuação diligente de autoridades policiais, Ministério Público e Judiciário na busca da verdade real, promovendo o equilíbrio entre repressão penal e direitos fundamentais. Os reflexos futuros apontam para uma jurisprudência mais cautelosa e técnica na valoração da prova em crimes contra a dignidade sexual, evitando decisões precipitadas que possam gerar injustiças irreversíveis.