Distinção entre furto qualificado e roubo segundo STJ: exigência de violência ou grave ameaça à pessoa para configuração do crime de roubo e fundamentos constitucionais e legais aplicáveis
Análise da tese doutrinária extraída do acórdão da Terceira Seção do STJ que reforça a necessidade de violência ou grave ameaça contra a pessoa para caracterização do crime de roubo, distinguindo-o do furto qualificado, com base nos artigos 155 e 157 do Código Penal e princípios constitucionais da legalidade penal. A decisão destaca a importância da valoração fático-probatória e limita a reanálise em recurso especial, preservando garantias fundamentais e a segurança jurídica.
TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
A caracterização do crime de roubo exige, necessariamente, o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa da vítima, não bastando a violência praticada exclusivamente contra o objeto; eventual violência dirigida inicialmente ao objeto, mas que venha a atingir a pessoa (por ação ou resultado), pode configurar o roubo, desde que constatada a efetiva ofensa ao bem jurídico “pessoa”, sendo a análise eminentemente fático-probatória em cada caso concreto.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
O acórdão da Terceira Seção do STJ, ao deliberar sobre o cancelamento do Tema n. 1.227 e a desafetação do REsp Acórdão/STJ do rito repetitivo, reafirma a centralidade da violência ou grave ameaça à pessoa como elemento diferenciador entre furto (CP, art. 155) e roubo (CP, art. 157). O Tribunal destaca que o emprego de violência exclusivamente sobre objetos (como a quebra de vidro para subtrair bens) não caracteriza o roubo, salvo se tal violência, de fato, atingir a pessoa, seja por dolo direto, dolo eventual ou resultado naturalístico. A discussão, portanto, é eminentemente fática: não se trata de saber se o agente quis ou não atingir a pessoa, mas se a conduta efetivamente ofendeu o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a integridade física ou psíquica da vítima, além do patrimônio.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
- CF/88, art. 5º, XLV: Princípio da legalidade penal, limitando a atuação estatal à estrita tipicidade da conduta e proteção dos direitos fundamentais do acusado.
- CF/88, art. 5º, XXXIX: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (princípio da legalidade estrita).
FUNDAMENTO LEGAL
- CP, art. 155: Furto simples e qualificado (especialmente §4º, I – rompimento de obstáculo).
- CP, art. 157: Roubo – exige grave ameaça ou violência à pessoa.
SÚMULAS APLICÁVEIS
- Súmula 7/STJ: A reanálise da configuração do elemento violência/ameaça à pessoa demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado na via do recurso especial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tese reafirma o princípio da legalidade estrita e a necessidade de observância da tipicidade penal no exame da distinção entre furto qualificado e roubo. A decisão tem forte impacto prático, pois restringe a aplicação do tipo penal mais gravoso (roubo) àquelas hipóteses nas quais reste comprovada a ofensa à pessoa, seja física ou moralmente, afastando interpretações extensivas que poderiam desbordar a legalidade. Ademais, reforça o papel das instâncias ordinárias na valoração dos fatos, limitando o STJ à uniformização da interpretação da lei federal, sem reexame de provas, em sintonia com a Súmula 7/STJ.
O cancelamento da afetação do tema repetitivo demonstra maturidade institucional quanto ao uso de precedentes vinculantes no campo penal, reconhecendo que a casuística e a especificidade das situações concretas desafiam a fixação de uma tese geral e abstrata, sob pena de afronta ao princípio da individualização da pena e ao direito de defesa. O entendimento preserva garantias fundamentais, impede o esgarçamento do tipo penal do roubo e orienta a atuação dos operadores do Direito quanto à correta subsunção dos fatos à norma penal.
A decisão projeta reflexos relevantes para a persecução penal, pois delimita o âmbito de incidência do delito de roubo e impede a expansão indevida do direito penal, reforçando o compromisso com a hermenêutica restritiva em matéria criminal e prevenindo abusos na imputação de delitos mais graves sem o devido suporte fático e jurídico.
ANÁLISE CRÍTICA
O acórdão demonstra sólida argumentação ao distinguir os bens jurídicos protegidos pelos tipos penais de furto e roubo, defendendo que a violência direcionada à coisa, por si só, qualifica o furto, mas não preenche o requisito do roubo. O STJ reitera que até mesmo situações em que a violência, inicialmente contra o objeto, atinge a vítima (ainda que por dolo eventual), poderão caracterizar o roubo, valorizando o resultado naturalístico, e não apenas o elemento subjetivo do agente.
A decisão evita a vulgarização do crime de roubo, que comporta reprimenda mais severa, e atende à proporcionalidade e à fragmentariedade do direito penal. Ademais, adota postura cautelosa e respeita a autonomia das instâncias ordinárias, reconhecendo que a valoração sobre a existência e a natureza da violência é matéria predominantemente fática, insuscetível de uniformização abstrata por meio de tema repetitivo.
Em síntese, a decisão contribui para a segurança jurídica, delimita o alcance dos tipos penais e valoriza a análise do caso concreto, mantendo o equilíbrio entre a necessária repressão a crimes patrimoniais e a proteção dos direitos fundamentais do acusado.