Condições para pagamento da indenização pelo seguro garantia judicial em execução trabalhista contra empresa em recuperação judicial e competência do Juízo Laboral

Análise da exigibilidade do pagamento da indenização pelo seguro garantia judicial em execução trabalhista contra empresa em recuperação judicial, destacando que a obrigação da seguradora ocorre somente se o sinistro tiver ocorrido antes do deferimento da recuperação judicial, e confirmando a competência do Juízo do Trabalho para execução da apólice nessas condições.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

O pagamento da indenização pelo seguro garantia judicial, em execução trabalhista proposta contra empresa em recuperação judicial, somente pode ser exigido da seguradora se o sinistro tiver ocorrido antes do deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial, sendo legítima a competência do Juízo Laboral para determinar a execução da apólice nessas condições.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A tese delimita a atuação do Juízo do Trabalho em execuções trabalhistas nas quais a empresa executada está submetida ao regime de recuperação judicial e apresentou seguro garantia judicial. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que somente se admite a execução da apólice contra a seguradora, pelo Juízo Laboral, caso o evento caracterizador do sinistro — como o trânsito em julgado da condenação ou o inadimplemento — tenha ocorrido antes do deferimento do processamento da recuperação judicial. Nesse cenário, a execução não afeta diretamente o patrimônio da recuperanda, pois recai exclusivamente sobre a seguradora, afastando-se a atração do juízo universal da recuperação para tais atos executórios.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 5º, XXXV: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito";
  • CF/88, art. 114: competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho;
  • CF/88, art. 170: princípios da ordem econômica, com ênfase na função social da empresa e na proteção do trabalho.

FUNDAMENTO LEGAL

  • Lei 11.101/2005, art. 6º, caput e § 2º: dispõe sobre a suspensão das ações e execuções contra o devedor em recuperação judicial, ressalvadas as hipóteses em que a execução não recai sobre bens sujeitos à recuperação;
  • CPC/2015, art. 797: a execução se realiza no interesse do credor;
  • CPC/2015, art. 805: determina a utilização do meio menos gravoso ao devedor, aplicável à recuperanda;
  • Lei 8.666/1993, art. 56, § 2º: seguro garantia em execuções judiciais, por analogia.

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 480/STJ: "O juízo da recuperação judicial é competente para decidir sobre os atos de constrição e expropriação de bens de empresa em recuperação, salvo as execuções fiscais..." (aplicação residual, com ressalvas do próprio julgado quanto à execução de seguro garantia);
  • Súmula 581/STJ: "A recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções movidas contra os coobrigados em geral, inclusive fiadores."

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese reafirma a autonomia do Juízo Laboral para determinar a execução da apólice de seguro garantia quando o fato gerador do sinistro ocorrer antes do deferimento da recuperação judicial. Tal orientação tem relevante impacto prático, pois confere celeridade à satisfação do crédito trabalhista, sem comprometer o equilíbrio do processo recuperacional, na medida em que a execução recai sobre a seguradora — e não sobre o patrimônio da empresa em crise. Ademais, preserva-se a par conditio creditorum e evita-se a burla à ordem de pagamentos do plano de recuperação. Futuramente, a tese pode ser aplicada para delimitar situações análogas envolvendo outros garantidores, reforçando o papel do seguro garantia como instrumento de efetividade na tutela jurisdicional dos trabalhadores.

ANÁLISE CRÍTICA DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS, ARGUMENTAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS

O acórdão apresenta fundamentação consentânea com a hermenêutica sistemática do regime recuperacional e com a jurisprudência consolidada do STJ (CC Acórdão/STJ e AgInt no CC Acórdão/STJ). A distinção entre execução contra a recuperanda e execução contra a seguradora é crucial: enquanto a constrição sobre bens da empresa é vedada após o deferimento do pedido de recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 6º), a execução do seguro garantia anterior não interfere na preservação da atividade empresária, pois não há impacto patrimonial direto na empresa em recuperação.

O entendimento preserva a efetividade do crédito trabalhista, considerado de natureza alimentar e prioritário, sem subverter o princípio da universalidade do juízo da recuperação. A delimitação temporal (sinistro anterior ao pedido) resguarda a boa-fé objetiva dos credores e da seguradora, promovendo segurança jurídica e previsibilidade.

A consequência prática mais relevante é a possibilidade de o trabalhador obter a satisfação de seu crédito de modo mais célere e eficaz, estimulando o uso do seguro garantia como instrumento legítimo de acesso à justiça, sem vulnerar a reestruturação da empresa. Em sentido crítico, eventuais abusos devem ser coibidos, e o controle judicial sobre o efetivo momento do sinistro é essencial para evitar fraudes e litígios desnecessários entre credores, recuperanda e seguradora.