Aplicação da regra de imputação de pagamentos no Sistema Financeiro da Habitação conforme art. 354 do Código Civil de 2002

Documento esclarece que, salvo disposição contratual diversa, nos contratos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) deve ser aplicada a regra do art. 354 do Código Civil, que determina a imputação dos pagamentos primeiramente aos juros vencidos e depois ao capital. Trata-se de orientação jurídica sobre a correta destinação dos valores pagos em contratos habitacionais, garantindo segurança jurídica às partes envolvidas.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

Salvo estipulação contratual em sentido diverso, aplica-se aos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) a regra de imputação prevista no art. 354 do Código Civil de 2002, segundo a qual, havendo capital e juros, o pagamento deve ser imputado, primeiramente, aos juros vencidos e, apenas após a sua quitação, ao capital.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A tese reafirma a preponderância do critério legal de imputação do pagamento, privilegiando a quitação dos juros em detrimento do capital, na ausência de ajuste expresso em contrário nos contratos de financiamento habitacional regidos pelo SFH. A decisão destaca que tal critério, consagrado desde o Código Civil de 1916 (art. 993) e mantido pelo Código Civil de 2002 (art. 354), é também respaldado por ato normativo específico do setor — a Resolução Dirigida BNH 81/1969 — e se coaduna com a sistemática de amortização por Tabela Price, usual nesses contratos. O acórdão ainda ressalta que não há incompatibilidade entre essa regra e outras normas do SFH, rejeitando argumentos que buscavam priorizar a amortização do capital em razão de suposta finalidade social do contrato ou vedação ao anatocismo.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 5º, XXXVI – Princípio da segurança jurídica e respeito ao ato jurídico perfeito.
  • CF/88, art. 105, III, a e c – Competência do STJ para uniformizar a interpretação da legislação federal.

FUNDAMENTO LEGAL

  • CCB/2002, art. 354 – Havendo capital e juros, o pagamento imputar-se-á primeiro nos juros vencidos, e, depois, no capital, salvo estipulação em contrário, ou se o credor passar a quitação por conta do capital.
  • CCB/1916, art. 993 – Dispositivo de igual teor ao atual art. 354, aplicado aos contratos firmados sob sua vigência.
  • Resolução Dirigida BNH 81/1969 – Aplicação do critério de imputação legal aos contratos do SFH.
  • CPC/2015, art. 543-C – Julgamento sob o rito de recurso repetitivo, conferindo eficácia vinculante à tese firmada.

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Não há súmulas específicas do STF ou STJ diretamente aplicáveis à exata controvérsia decidida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância da tese reside na uniformização do tratamento jurídico dos contratos do SFH, conferindo segurança e previsibilidade à imputação dos pagamentos em financiamentos habitacionais. A decisão repercute na sistemática das prestações, evitando interpretações subjetivas e insegurança contratual. O acórdão prestigiou o princípio da legalidade, da autonomia privada limitada pela lei e da força obrigatória dos contratos quando respeitados os parâmetros legais. Como consequência prática, impede a formação de contas apartadas de juros não pagos e reforça a necessidade de observância da regra legal, exceto se pactuada disposição diversa pelas partes. Eventuais reflexos futuros incluem a diminuição de litígios sobre o tema e o fortalecimento da jurisprudência que privilegia a literalidade da lei frente a interpretações extensivas, sobretudo em contratos de adesão e em relações massificadas do mercado imobiliário.

ANÁLISE CRÍTICA

A fundamentação jurídica do acórdão é sólida, ancorada em preceitos legais expressos e respaldada em precedentes do próprio STJ, o que confere uniformidade e estabilidade ao entendimento. A argumentação rejeita a tese de incompatibilidade entre a imputação legal de pagamentos e a finalidade social dos contratos do SFH, restringindo a atuação judicial à hipótese de omissão contratual, sem inovar além do que a lei permite. Essa postura evita ativismo judicial e garante previsibilidade aos agentes financeiros e mutuários. Em termos práticos, a decisão impede que eventual insuficiência de pagamento recaia diretamente sobre o principal antes da quitação dos juros, o que tem impacto direto sobre o saldo devedor e a evolução do contrato. Trata-se de orientação de grande relevância para o setor habitacional e para a proteção do equilíbrio contratual, além de contribuir para a padronização da atuação do Poder Judiciário em demandas semelhantes.