Análise Jurídica sobre a Cessão de Créditos Decorrentes da Devolução do Empréstimo Compulsório da ELETROBRÁS com Fundamentação no Art. 286 do Código Civil

Documento que examina a possibilidade legal de cessão a terceiros dos créditos relativos à devolução do empréstimo compulsório da ELETROBRÁS, destacando a ausência de impedimento legal expresso e a prevalência da regra da disponibilidade do direito de crédito conforme o artigo 286 do Código Civil de 2002.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

Os créditos decorrentes da obrigação de devolução do empréstimo compulsório da ELETROBRÁS, incidente sobre o consumo de energia elétrica, podem ser cedidos a terceiros, inexistindo impedimento legal expresso à transferência ou cessão desses créditos, prevalecendo a regra da disponibilidade do direito de crédito prevista no CCB/2002, art. 286.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso especial representativo de controvérsia, consolidou o entendimento de que a cessão de créditos resultantes do empréstimo compulsório sobre energia elétrica é plenamente admitida no ordenamento jurídico brasileiro. Não há vedação expressa na legislação específica ( Decreto-Lei 1.512/76 e Decreto 81.688/78), tampouco na legislação geral, à cessão desses créditos. Pelo contrário, prepondera o princípio geral da cessibilidade dos direitos creditórios, salvo restrição legal, convencional ou em razão da natureza da obrigação. A natureza tributária do empréstimo compulsório não impede a aplicação do direito privado após constituído o crédito do contribuinte, especialmente após o trânsito em julgado da decisão judicial que reconheceu o direito ao ressarcimento.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 173, §1º, II — As sociedades de economia mista, como a ELETROBRÁS, submetem-se ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
  • CF/88, art. 5º, XXXVI — A coisa julgada deve ser respeitada, garantindo a segurança jurídica nas relações processuais e materiais.
  • ADCT, art. 78 — Previsão de cessão de créditos consubstanciados em precatórios.

FUNDAMENTO LEGAL

  • CCB/2002, art. 286 — Regra geral de cessão de crédito, condicionada à inexistência de vedação legal, convencional ou em razão da natureza da obrigação.
  • CCB/2002, art. 290 — Necessidade de notificação ao devedor para que a cessão produza efeitos em relação a este.
  • CPC/2015, art. 567, II — O cessionário pode promover ou prosseguir na execução quando o direito resultante do título executivo lhe foi transferido por ato entre vivos.
  • CTN, art. 123 — As convenções particulares não podem ser opostas à Fazenda Pública para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias, exceto disposição legal em contrário.
  • Decreto-Lei 1.512/76, art. 2º, §§ 2º e 3º — Disciplina o pagamento do empréstimo compulsório, não instituindo vedação à cessão do crédito para as hipóteses de devolução em dinheiro ou em participação acionária.

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 211/STJ — Relevante para questões de prequestionamento, mas não diretamente relacionada ao mérito da cessão dos créditos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese firmada pelo STJ no regime de recurso repetitivo confere segurança jurídica e previsibilidade às relações jurídicas envolvendo créditos oriundos de empréstimos compulsórios. A decisão fortalece o primado da autonomia privada e da livre disposição dos direitos patrimoniais, em consonância com a moderna doutrina civil e processual. O acórdão diferencia adequadamente a relação tributária (cobrança do empréstimo) da relação administrativa (devolução ao contribuinte), permitindo a circulação econômica desses créditos após o nascimento do direito subjetivo à restituição.

Na prática, a tese permite a transferência desses créditos a terceiros, promovendo liquidez e flexibilização das operações financeiras. O entendimento também inibe tentativas de criar restrições não previstas em lei para a cessão de direitos, exigindo que eventual limitação esteja expressamente prevista no texto legal. Reflexos futuros podem ser sentidos em outras espécies de crédito público, especialmente no tratamento de precatórios e créditos tributários reconhecidos judicialmente, potencializando o mercado secundário de créditos judiciais e ampliando o acesso à justiça.

A decisão é robusta do ponto de vista jurídico, pois se alinha à doutrina dominante e à jurisprudência consolidada, observando a legalidade estrita, os princípios da coisa julgada e da autonomia privada. A argumentação valoriza a função social do crédito e a eficiência econômica, sem descuidar da necessária proteção aos interesses do devedor público, que permanece resguardado pela exigência de notificação do devedor (CCB/2002, art. 290) e pela observância do regime legal de devolução.