Análise Jurídica sobre a Atipicidade e Impunibilidade da Mera Solicitação de Entorpecentes sem Efetiva Concretização da Entrega ou Posse
Documento que discute a natureza jurídica da solicitação de entorpecentes, destacando que a mera solicitação, sem entrega ou posse da substância, configura ato preparatório atípico e impunível no ordenamento penal.
TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
A mera solicitação de entrega de entorpecente, sem a efetiva concretização da conduta típica por meio de entrega ou posse da substância ilícita pelo destinatário, configura-se como ato meramente preparatório, sendo, portanto, considerada conduta atípica e impunível pelo ordenamento jurídico penal.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirma o entendimento de que não é possível imputar responsabilidade penal pelo crime de tráfico de drogas ao destinatário que apenas solicita, mas não recebe a substância, quando esta é interceptada antes da consumação. O acórdão diferencia claramente atos preparatórios dos atos de execução, destacando que apenas estes últimos permitem a tipificação penal. A conduta do agente, ainda que tenha solicitado o ingresso da droga no presídio, não evoluiu para o início do iter criminis, pois a substância ilícita foi apreendida antes que pudesse ser entregue ou estar sob sua posse.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
- CF/88, art. 5º, incisos XXXIX e XL: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" e "A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".
- CF/88, art. 5º, inciso LIV: "Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal."
FUNDAMENTO LEGAL
- CP, art. 14, II: Distingue atos preparatórios de atos executórios.
- CP, art. 29: Disposições sobre concurso de pessoas, sendo necessário que haja efetiva participação na conduta típica.
- Lei 11.343/2006, art. 33, caput: Descreve as condutas típicas do crime de tráfico de drogas, exigindo a prática de um dos verbos nucleares (importar, exportar, vender, entregar, etc.).
SÚMULAS APLICÁVEIS
- Não há súmula específica do STF ou STJ diretamente sobre a atipicidade do mero ato preparatório no crime de tráfico de drogas, mas a tese encontra respaldo em precedentes reiterados do STJ, conforme citados no próprio acórdão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O entendimento consolidado neste acórdão reforça a necessidade de delimitação precisa entre atos preparatórios e atos de execução no âmbito penal, em especial para delitos de perigo abstrato como o tráfico de drogas. A decisão possui extrema relevância para a segurança jurídica, evitando condenações baseadas em meras intenções ou preparações que não se traduziram em risco concreto à tutela penal. O reconhecimento da atipicidade de condutas que não avançam para o início da execução serve de baliza para atuação das autoridades policiais e judiciais, impedindo o alargamento indevido da tutela penal e resguardando o princípio da legalidade estrita. No plano prático, tal orientação limita o alcance da persecução penal, exigindo elementos objetivos de materialidade e início de execução para configuração de crimes, o que pode impactar diretamente investigações e processos envolvendo crimes praticados no contexto carcerário.
ANÁLISE CRÍTICA
A argumentação jurídica empregada pelo STJ está alinhada com princípios fundamentais do Direito Penal, notadamente o princípio da legalidade e da intervenção mínima, evitando a criminalização de atos que não ultrapassaram a fase preparatória. A decisão é tecnicamente fundamentada, utilizando-se de farta jurisprudência da própria Corte. Na prática, a exigência de ato de execução para a caracterização do tráfico de drogas impede interpretações expansivas que possam resultar em condenações injustas, pautando a atuação do Estado no rigor do texto legal e da proteção de garantias individuais. Por outro lado, a tese pode ensejar dificuldades probatórias em contextos de organização criminosa, exigindo uma atuação investigativa eficiente para flagrar a consumação ou o início da execução. O precedente reafirma a necessidade de rigor técnico na análise dos elementos do tipo penal, com consequências diretas na formulação de denúncias e julgamentos criminais.