Análise Jurídica da Natureza Taxativa do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS e os Impactos da Lei 14.454/2022 na Cobertura de Tratamentos

Documento aborda a natureza jurídica do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS como referência básica e taxativa em regra, discutindo a mitigação dessa taxatividade após a Lei 14.454/2022, que regula a cobertura de procedimentos não previstos, com aplicação imediata para contratos e tratamentos continuados, respeitando a irretroatividade para fatos anteriores à lei.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS possui natureza jurídica de referência básica, sendo taxativo apenas em regra, admitindo-se sua mitigação, especialmente após a superveniência da Lei 14.454/2022, que estabeleceu critérios legais para a cobertura de procedimentos e tratamentos não previstos no rol, cabendo aplicação imediata da lei nova para contratos e tratamentos continuados, respeitando-se o princípio da irretroatividade quanto a fatos passados.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

O acórdão do STJ consolida o entendimento de que o rol da ANS, antes considerado predominantemente taxativo, passou a ser tratado como referência básica, com possibilidade de flexibilização diante de critérios objetivos. Com a Lei 14.454/2022, a cobertura de procedimentos não constantes do rol passou a ser admitida, desde que haja comprovação de eficácia baseada em evidências científicas ou recomendação por órgão técnico de renome, como a Conitec. Para tratamentos em curso, especialmente em contratos de trato sucessivo, a lei nova incide imediatamente, não retroagindo para fatos consumados (princípio da irretroatividade), mas alcançando os efeitos futuros e etapas subsequentes.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 5º, XXXVI – Princípio da irretroatividade da lei e respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
  • CF/88, art. 196 – Direito à saúde como dever do Estado e direito de todos.

FUNDAMENTO LEGAL

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 83/STJ – Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A decisão representa avanço na proteção dos consumidores de planos de saúde, reduzindo a incerteza sobre a cobertura de procedimentos modernos e inovadores, além de alinhar a jurisprudência ao novo regime legal. A aplicação prospectiva da Lei 14.454/2022 assegura segurança jurídica e estabilidade contratual, mas poderá impactar significativamente o equilíbrio financeiro dos planos de saúde, ensejando debates futuros sobre sustentabilidade e regulação. A orientação reforça a necessidade de atuação técnica, tanto das operadoras quanto do Poder Judiciário, diante das demandas por inovação terapêutica.

ANÁLISE CRÍTICA

O acórdão demonstra adequada ponderação entre a proteção à saúde e a segurança jurídica dos contratos, prestigiando a evolução legislativa que reflete os anseios sociais por acesso a tratamentos eficazes e inovadores. O uso do critério da aplicação imediata da lei nova a contratos de trato sucessivo é consistente com a doutrina e com a jurisprudência do STF. Ao mesmo tempo, o respeito à irretroatividade resguarda situações consolidadas, evitando retrocessos ou surpresas indevidas. Do ponto de vista prático, a decisão tende a ampliar a judicialização das demandas de saúde suplementar, exigindo das operadoras maior rigor técnico na análise e fundamentação das negativas de cobertura, enquanto o Judiciário deverá aprimorar o controle dos critérios legalmente previstos, evitando abusos e decisões padronizadas. O equilíbrio atuarial dos planos de saúde poderá ser desafiado, recomendando-se acompanhamento regulatório e eventual revisão do modelo de financiamento do setor.