Jurisprudência em Destaque

STJ. 4ª T. Sociedade. Associação civil. Associado. Associação sem fins lucrativos. Cláusula estatutária. Estatutos. Ação de nulidade. Violação de norma de ordem pública. Nulidade das cláusulas estatutárias excludentes do direito de voto, bem como as dela decorrentes. Inaplicabilidade ao caso concreto. Amplas considerações do Min. Luis Felipe Salomão a possibilidade do associado de sociedade civil ser privada do direito de votar. CCB, art. 1.394. CCB/2002, arts. 53, 55 e 2.035. CPC, art. 47.

Postado por Emilio Sabatovski em 16/06/2012
«... 8.3. A questão meritória principal parece simples: é saber se o associado de sociedade civil pode ser privado de seu principal direito, o de votar.

O art. 1.394 do CC revogado dispunha:


Art. 1.394. Todos os sócios têm direito de votar nas assembléias gerais, onde, salvo estipulação em contrario, sempre se deliberará por maioria de votos.

Ao estabelecer o artigo, em sua primeira parte, que «todos os sócios» têm o direito de voto sem nenhuma restrição ou distinção, pretendeu tornar inequívoco o seu caráter mandamental, evidenciando-se a sua natureza de norma cogente norteadora dos princípios básicos das sociedades civis.

A expressão «salvo estipulação em contrário» refere-se à segunda parte do dispositivo, ou seja, à deliberação por maioria de votos na assembleia geral, a qual representa a comunhão de todos os sócios.

Comentando o dispositivo, Antônio José de Souza Levenhagen ratifica esse entendimento:


É um direito inerente aos sócios, o de votar nas assembléias gerais, e o exercício desse direito vem, de modo geral, regulado nos contratos sociais. Quanto às deliberações tomadas nessas assembléias, se outra coisa não constar dos contratos, devem sê-lo por maioria de votos. É admissível, portanto, que dos contratos ou estatutos se exija maioria absoluta ou maioria simples. (Código Civil - Comentários Didáticos. São Paulo: Ed. Atlas, 1988, p. 152-153)

Na mesma linha de intelecção, Miguel Reale interpreta o art. 1.394 (fls. 4.372-4.375):


Pela simples leitura desse texto, verifica-se que ele se compõe de dois distintos mandamentos, um de caráter categórico, ou seja, «que expressa uma ordem absoluta», conforme definição de AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA – quanto ao direito de voto, assegurado, indistintamente, a todos os associados – e outro de natureza dispositiva, atinente ao modo de exercício desse voto, prevalecendo o decidido pela maioria, salvo se o contrato social dispuser de maneira diversa.


É claro que uma Lei, como a de sociedade anônima, pode abrir exceção à regra, negando voto, por exemplo, ao titular de ações preferenciais, mas a um contrato não é dado fazê-lo.


Quanto ao primeiro preceito, não têm divergido os maiores exegetas do Código Civil, os quais jamais puseram em dúvida a sua imperatividade absoluta, quaisquer que sejam as espécies de sócios previstas no contrato, e por mais extensas que possam ser a competência e as prerrogativas conferidas a esta ou àquela classe de associados.


A começar por CLÓVIS BEVILÁQUA – o grande autor do Projeto aprovado – é ele de uma concisão impressionante, limitando-se a afirmar, em comentário ao art. 1.394 que «O direito de voto é inerente à qualidade de sócio; mas o contrato pode estabelecer o modo de exercê-lo». (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado, Vol. I, pág. 148 – Grifei).


Por sua vez, J. M. DE CARVALHO SANTOS, em seu Código Civil Interpretado, Direiteo das Obrigações, Vol. XIX, Rio de Janeiro, 1937, adverte:


«Nas assembléias gerais, que são reuniões dos sócios para deliberar negócios da sociedade, todos eles têm o direito de voto, sem distinção do valor da respectiva entrada (...)


O direito de voto não poderá ser sacrificado, pois é inerente à qualidade de sócio, prevalecendo quanto ao direito de exerce-lo o que estabelecer o contrato». Sublinhei.


Mais preciso é, sem dúvida, CLÓVIS, ao fazer clara distinção entre o direito de voto, essencial e irrenunciável, e o «modo de exerce-lo», este e tão somente este dependente do estipulado no contrato.


É o que adverte o mestre PONTES DE MIRANDA, o qual, no seu clássico Tratado de Direito Privado, Tomo XLIX, página 131, esclarece:


«Se há diferença de categorias profissionais, ou outras categorias, entre os sócios (sem quebra da unicidade do voto e da igualdade de direitos), pode ser convocada a eleição em assembleias parciais, desde que nenhum sócio fique de fora, nem tenha mais delegados a categoria que é igual às outras ou menor (princípio da igualdade personalística)». Meus os realces.


E, para evitar equívocos, acrescenta logo na página seguinte:


«É essencial às sociedades o direito de voto que têm os sócios».


Donde dever-se concluir que, no sistema do Direito Civil pátrio, prevalece o princípio democrático de um voto para cada sócio, qualquer que seja a sua configuração no contrato.


Como consequência da consagração desse princípio, afigura-se-me necessário qualificar o Art. 1.394 em apreço como norma jurídica de ordem pública, mesmo porque sem ela estaria afetada a natureza mesma do instituto associativo, em nosso ordenamento jurídico, não sendo demais ponderar que o cotado dispositivo é o fecho de uma sequência de regras sobre «os direitos e obrigações recíprocas dos sócios». Ademais, cumpre observar, que não estamos perante uma sociedade de fins econômicos, mas propriamente ante uma associação civil de objetivos éticos-políticos, sendo certo, pelo magistério de HENRI DE PAGE, que, no concernente à tutela dos direitos subjetivos, «a regulamentação é mais severa em matéria de associações sem fim lucrativo do que em matéria de sociedades mercantis». (Traité Elementaire de Droit Civil Belge, 2ª Ed., Bruxelas, 1948, t. I, pág. 569).

Na mesma esteira de entendimento, confiram-se os seguintes precedentes:


PROCESSUAL CIVIL. CLUBE DESPORTIVO. DEMANDA ENVOLVENDO SÓCIOS E CONSELHO DELIBERATIVO. LEGITIMIDADES ATIVA E PASSIVA. ÓRGÃO SEM PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 12 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXCEÇÃO. PARTICULARIDADES. PESSOA FORMAL. PERSONALIDADE JUDICIÁRIA. DOUTRINA. RECURSO DESACOLHIDO.


I - Os sócios de uma associação esportiva, embora não pertençam ao seu Conselho Deliberativo, têm legitimidade ativa para sustar os efeitos de reunião organizada por tal órgão, tendo em vista que por meio do ato impugnado lhes foi tolhido o direito de votar e ser votados, salientando que eventual procedência da pretensão deduzida na causa principal ensejaria o seu retorno à condição de participantes do processo eleitoral para os cargos de direção do Clube.


II - Em se tratando de discussão envolvendo órgão de pessoa jurídica, somente esta, dotada de personalidade, poderia, em princípio, figurar em um dos pólos da demanda. Havendo, entretanto, conflitos interna corporis, entre seus órgãos ou entre seus associados e os mencionados órgãos, nos quais se atacam atos individualizados emanados desses órgãos, não se justifica reconhecê-los desprovidos de personalidade judiciária e, assim, partes ilegítimas nas causas. Merece prestígio, então, a teoria administrativista do órgão independente, salientando-se, ademais, não ser taxativo o rol constante do art. 12 do Código de Processo Civil, como ensina a boa doutrina.


(REsp 161.658/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/1999, DJ 29/11/1999, p. 167)


CONDIÇÃO POTESTATIVA NÃO É VEDADA EM LEI A CONDIÇÃO SIMPLESMENTE POTESTATIVA. INEXISTE, POIS, PROIBIÇÃO A QUE A EFICACIA DO ATO ESTEJA CONDICIONADA A ACONTECIMENTO FUTURO, CUJA REALIZAÇÃO DEPENDA DO DEVEDOR OU POSSA SER POR ELE OBSTADA. DEFESA É A CONDIÇÃO MERAMENTE POTESTATIVA, CORRESPONDENTE A FORMULA «SI VOLAM», QUE ESTA RETIRA A SERIEDADE DO ATO, POR INADMISSIVEL QUE ALGUEM QUEIRA, SIMULTANEAMENTE, OBRIGAR-SE E RESERVAR-SE O DIREITO DE NÃO SE OBRIGAR.


ILICITUDE QUE, ENTRETANTO, SE RECONHECE DA CLAUSULA DE ESTATUTO DE ASSOCIAÇÃO CIVIL, A VEDAR O DIREITO DE VOTO A DETERMINADA CATEGORIA DE ASSOCIADOS, CONDICIONANDO-O A FATO QUE LHES É ABSOLUTAMENTE ESTRANHO. INFRINGENCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 1.394, PRIMEIRA PARTE, DO CODIGO CIVIL. DECISÃO, NESSE PONTO, TOMADA PELO VOTO MEDIO.


(REsp 20.982/MG, Rel. Ministro DIAS TRINDADE, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/11/1992, DJ 22/03/1993, p. 4537)

8.4. Ademais, o ordenamento jurídico é norteado pela liceidade das condições, sendo vedadas aquelas que contrariem a lei, a moral, a ordem pública e os bons costumes, bem como aquelas que se apresentem puramente potestativas, ou seja, que subordinem o negócio jurídico ao talante exclusivo de uma das partes.

É o que se dessume da dicção do art. 115 do CC de 1916:


São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.

Tal princípio é de tão curial importância que foi reiterado pelo Código vigente:


Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.

Ressalta-se que, conquanto o dispositivo refira-se às condições, o respeito à ordem pública e aos bons costumes é ínsito a todas as manifestações de vontade, o que é passível de ser aferido mediante interpretação sistemática do ordenamento jurídico.

Nesse sentido, Cristiano de Sousa Zanetti explicita:


O respeito à ordem pública e aos bons costumes é exigido pelo art. 122 do CC, que, embora se refira às condições, enerra regra aplicável a todas as declarações de vontade. (Princípios. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, v. 3, p. 62)

Confira-se a judiciosa definição do saudoso Professor San Tiago Dantas:


Condição potestativa pura é aquela em que a eficácia do ato jurídico fica inteiramente à mercê da vontade de uma das partes. Essa, a condição potestativa pura, em que uma das partes, somente, decide se há ou não a verificação da condição, essa é inaceitável. (Programa de Direito Civil. Rio de Janeiro: Ed. Rio, p. 307)

No caso concreto, penso que o desequilíbrio contratual imposto pelo estatuto decorre de cláusulas puramente potestativas, tais como: a exclusão do direito de voto, a existência de sócios precários com mandato de um ano e a possibilidade de exclusão de sócios efetivos dos quadros da entidade por força de decisão de assembleia, cujos membros são os componentes da diretoria formada exclusivamente pelos sócios fundadores.

Cominando pena de nulidade à condição potestativa pura, os seguintes julgados:


DIREITO CIVIL – CONTRATO ENTRE AGREMIAÇÕES DE FUTEBOL. VENDA DE PASSE DE JOGADOR – CLÁUSULA CONDICIONADA A EVENTO FUTURO - POTESTATIVIDADE .


I – Cláusula contratual que condiciona a realização de negócio futuro à vontade e ao ilimitado arbítrio de apenas uma das partes é potestativa e, por isso, não goza de respaldo no direito positivo pátrio (Art. 115 do Cód. Civil).


II - Não tem efeito jurídico, em vista de encerrar condição puramente potestativa, a cláusula contratual que, na cessão de passe do jogador de futebol, confere excessivos poderes ao cessionário, em prejuízo do cedente.


Recurso conhecido e provido.


(REsp 291631/SP, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/10/2001, DJ 15/04/2002, p. 215)


AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. PROCESSO CIVIL. CLÁUSULA PURAMENTE POTESTATIVA. ARTIGO 115 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. PROIBIÇÃO PELO SISTEMA JURÍDICO.


1. «São lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes.» (Artigo 115 do Código Civil de 1916).


2. As regras de locação não admitem cláusula que conceda a uma das partes benefício ou vantagem que a torne mais poderosa, ou ainda que a submeta ao arbítrio da outra.


3. É vedado pela Súmula 7/STJ o reexame do quantum fixado em multa contratual.


4. O decaimento de parte mínima do pedido não caracteriza a ocorrência de sucumbência recíproca.


5. Agravo regimental improvido.


(AgRg no AgRg no Ag 652.503/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2007, DJ 08/10/2007, p. 377)


PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - AGRAVO REGIMENTAL - CONTRATO BANCÁRIO - ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE - JUROS REMUNERATÓRIOS - TAXA NÃO ESTABELECIDA NO CONTRATO - LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO - DESPROVIMENTO.


1 - Este Tribunal já proclamou o entendimento no sentido de que, quanto aos juros remuneratórios, uma vez não estabelecida no contrato a taxa de juros a ser aplicada, conforme explicitado no v. acórdão recorrido, deve ser imposta a limitação de 12% ao ano, vez que a previsão de que o contratante deve arcar com os juros praticados no mercado financeiro é cláusula potestativa, que sujeita o devedor ao arbítrio do credor ao assumir obrigação futura e incerta. Precedentes (AgRg REsp 689.819/RS, AgRg no Ag 585.754/RS e REsp 551.932/RS).


2 - Agravo regimental desprovido.


(AgRg nos EDcl no REsp 810.553/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2006, DJ 29/05/2006, p. 264)

8.5. Apenas a título de argumentação, ainda que se aplicasse o Código Civil de 2002 ao caso vertente não se chegaria à conclusão diversa.

Isso porque o Código vigente não exclui o direito de voto de nenhuma classe de sócio. Ao revés, consagra-o a todos os sócios indistintamente.

O que difere os dois diplomas em questão é basicamente o fato de que o art. 1.394 e as demais normas então vigentes não explicitavam as matérias reservadas à assembleia geral, a qual, reitera-se, significa, ontologicamente, a comunhão de todos os sócios.

O atual Código Civil, diversamente, dando um passo adiante, procedeu à discriminação da competência privativa da assembleia geral em seu art. 59 (redação vigente à época da interposição dos recursos):


Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral:


I - eleger os administradores;


II - destituir os administradores;


III - aprovar as contas;


IV - alterar o estatuto.

A seu turno, o art. 55, consagrando a igualdade de direitos e deveres de todos os sócios, permite a divisão dos associados em categorias diferentes, que não, evidentemente, a reserva de exercício exclusivo dos direitos enumerados no art. 59, os quais são inerentes a toda e qualquer categoria de sócio.


Art. 55. Os associados devem ter iguais direitos, mas o estatuto poderá instituir categorias com vantagens especiais.

Tal conclusão pode ser inferida, inclusive, da própria dicção do art. 60, que prevê a convocação da assembléia por, no mínimo, um quinto dos associados, sendo certo que o direito de convocar a assembleia encontra-se estreitamente vinculado ao direito de votar:


Art. 60. A convocação dos órgãos deliberativos far-se-á na forma do estatuto, garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promovê-la.

Traz-se a lume a doutrina de Nestor Duarte, no Código Civil Comentado sob coordenação do Ministro Celso Peluso:


Divide-se o dispositivo em duas partes: a) os associados devem ter direitos iguais; b) o estatuto pode instituir categorias com vantagens especiais. Isso significa que a regra é a igualdade de direitos e deveres, porém é possível dividir os associados em categorias diferentes.


Adverte Silvio de Salvo Venosa sobre a dificuldade de saber, no caso concreto, se é válida a concessão de vantagens especiais contrariando a igualdade de direitos e conclui «que a melhor solução é entender que toda entidade dessa espécie deve garantir os direitos mínimos aos associados e que as vantagens são excepcionais a algumas categorias que, por sua natureza, sejam diferenciadas, como, por exemplo, a atribuição da categoria de «sócio benemérito» a alguém estranho inicialmente aos quadros sociais, mas que tenha trazido efetivo benefício à entidade» (Direito Civil - Parte Geral. São Paulo, Atlas, 2002, p. 278). [...]

Mais uma vez recorremos à notável lição do mestre Miguel Reale, em artigo intitulado «As associações no novo Código Civil», publicado no jornal O Estado de São Paulo, de 29/2/2003 (fl. 5.090):


No que se refere às associações, tenho sido consultado, como supervisor da Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil, sobre as disposições ora em vigor, que têm dado lugar a graves dúvidas, sobretudo quanto ao quórum fixado para as deliberações da assembléia-geral, à qual compete privativamente a eleição de seus administradores.


Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a palavra administradores é empregada no sentido de «dirigentes» [...]


[...]


A questão mais delicada se refere à eleição dos dirigentes pela assembléia-geral, porquanto se configuram várias hipóteses à luz do estatuto social, devendo-se considerar, desde logo, proibida a eleição por outro órgão que não seja a assembléia geral, por exemplo, os chamados associados fundadores. (Grifo nosso)

8.6. As demais normas estatutárias encontram-se igualmente maculadas, porquanto infringem o princípio do direito de voto de todos os sócios, aos quais assiste a prerrogativa de participar da decisão sobre os objetivos comuns da associação.

A restrição ao direito de convocação da assembleia geral, bem como a temporariedade da investidura dos associados efetivos, decorrem lógica e diretamente da norma que prevê a exclusividade dos sócios fundadores na deliberação dos rumos e objetivos da entidade e que, consoante exaustivamente explanado, não podem prevalecer.

Em verdade, ao fundo e ao cabo, verifica-se a existência de um feixe de normas estatutárias tendentes ao mesmo fim, qual seja, a manutenção oligárquica do poder de comando da Sociedade recorrente nas mãos dos sócios fundadores.

Não fossem todos os argumentos jurídicos, as regras estatutárias não convivem bem com os tempos modernos.

Nesse passo, o voto vencedor no julgamento da apelação, com propriedade, bem situou a questão da nulidade das referidas cláusulas (fl. 4.016):


A recorrida, por seus Estatutos, conta com três categorias de sócios: os fundadores, que são oito; os efetivos, que são 152, autores na ação, e os sócios honorários, estes sem qualquer direito ou obrigação para com a sociedade.


Os recorrentes, sendo sócios efetivos, pelos Estatutos, não têm direito a voto; ou melhor, o sócio efetivo somente tem direito a voto quando integrar a Diretoria Administrativa e Financeira Nacional (DAFN), como se tem do artigo 14, parágrafo 1º do Estatuto Social. Os sócios fundadores e os efetivos, quando integrem a DAFN, têm direito a voto nas assembleias gerais, podendo fazer uso da palavra. Mas, mesmo essa condição do sócio-efetivo poderá vir alcançada, porque a Assembleia Geral poderá, a seu exclusivo arbítrio, destituir qualquer membro da DAFN e do Conselho Nacional da entidade.


Portanto, como se verifica, pelos Estatutos da recorrida, somente os sócios fundadores têm direito a voto.


Ora, sendo assim, essa disposição estatutária afronta o que preceitua o referido art. 1.394 do Código Civil. Não parece plausível que os Estatutos, admitindo o sócio na categoria de efetivo, a ele, é verdade, que por decisão da assembleia que o admitir, lhe imponha um prazo de permanência na sociedade. Se são sócios efetivos, têm o direito a voto, participando das assembleias da sociedade.

Impõe-se a conclusão de que todos os sócios efetivos da TFP devem ser assim considerados, ou seja, não como sócios a título precário, mas sim como sócios que, além de possuir direito a voto, têm também o de convocar, comparecer e participar efetivamente das Assembléias Gerais ordinárias e extraordinárias, devendo, para tal fim, delas ter ciência prévia.

8.7. Subjaz a definição acerca da aplicação ou não do art. 2.035, do CC de 2002, ao caso em tela, uma vez que, segundo os recorrentes, os efeitos de atos jurídicos realizados sob o pálio de lei anterior, quando se protraiam no tempo e sejam produzidos após a vigência da novel legislação devem a esta observar.

O referido artigo dispõe que:


Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. (Grifo nosso)

Com efeito, todas as cláusulas estatutárias objeto da demanda mostram-se nulas de pleno direito, uma vez que violam frontalmente o art. 1.394 do CC, o qual se reveste da qualidade de norma cogente norteadora dos princípios básicos de todas as sociedades civis que, sem eles, estariam ao alvedrio do autoritarismo dos detentores do poder de comando, situação dissonante da boa convivência exigida entre pessoas que devem ser tratadas em condição de igualdade entre si.

Sob esse enfoque, tendo sido declarada a nulidade das normas estatutárias pelo Tribunal estadual, ainda sob a égide do Código anterior, ressoa inequívoca a não produção de efeitos passíveis de atrair a aplicação do art. 2.035 do CC, porquanto, consoante cediço, a declaração de nulidade tem eficácia ex tunc, retroagindo ao momento da propositura da ação.

Confira-se o magistério de Cristiano Chaves de Farias:


Em virtude da gravidade do vício infringido, violado, considera o ordenamento jurídico que o ato ou o negócio nulo não produza qualquer efeito jurídico, podendo, inclusive, ser reconhecido como tal ex officio, pelo próprio juiz, ou a requerimento do interessado ou do Ministério Público, quando tenha de intervir (CC, art. 168).


[...]


A nulidade de qualquer negócio será reconhecida através de decisão judicial meramente declaratória (limitando-se o magistrado a afirmar que não se produziu qualquer efeito, sendo desnecessário desconstituir qualquer situação) e, por conseguinte, imprescritível, produzindo efeitos ex tunc. (Direito Civil: Teoria Geral. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2009, p. 536-537)

Nesse sentido:


ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ARTIGO 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. MANDADO DE SEGURANÇA. INABILITAÇÃO DE EMPRESA. PREGÃO. REGISTRO DE PREÇOS DE MEDICAMENTOS. PERDA DE OBJETO. INTERESSE DE AGIR.


[...]


5. Falta de interesse da empresa impetrante, em razão da perda superveniente de objeto do mandado de segurança. Não houve a alegada perda de objeto do mandado de segurança, porque: (i) a ilegalidade do ato administrativo objeto desta demanda – inabilitação da empresa impetrante – restou declarada por meio do presente Mandado de Segurança. Essa decisão, de natureza declaratória, como se sabe, produz efeitos ex tunc de maneira a anular todo e qualquer procedimento que fosse contrário à intenção do decisum; (ii) somente a recorrida ofereceu os medicamentos indicados na parte dispositiva do acórdão, não sendo possível, dessarte, falar-se em perda do objeto do certame.


6. Recurso especial conhecido em parte e não provido.


(REsp 1128271/AM, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 25/11/2009)


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. SUSPENSÃO DO PROCESSO. MORTE DE UMA DAS PARTES. NULIDADE DE ATOS PROCESSUAIS.


EFICÁCIA EX TUNC. PRECEDENTES


1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental.


2. A orientação jurisprudencial dominante nesta Corte é no sentido de que os atos processuais praticados após a morte da parte são nulos, pois o ato de suspensão do processo tem eficácia declaratória, ex tunc. Precedentes da Corte Especial e das 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Turmas: EREsp 270.191/SP, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, CORTE ESPECIAL, DJ 20/09/2004; EDcl no REsp 465.580/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, DJe 18/04/2008; REsp 155.141/ES, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, DJ 07/11/2005, REsp 270.191/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, DJ 08/04/2002 p. 209, REsp 436.294/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJ 02/06/2003).


3. Agravo regimental a que se nega provimento.


(AgRg no AgRg no Ag 654.796/RS, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 09/10/2009)


DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMAS NÃO PREQUESTIONADOS. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO NÃO ATACADO. SÚMULA 183 DO STF. ATO NULO. EFEITOS. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMAÇÃO ATIVA. DOADOR DE IMÓVEL GRAVADO COM CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE. BEM PENHORADO.


[...]


- O ato nulo não gera – ou pelo menos não deveria gerar – efeitos jurídicos. Vindo a produzir efeitos, o reconhecimento da nulidade os afasta, pois a declaração retroage à data do evento. O vício irremediável de que padece o ato nulo também o impede de ser convalidado.


[...]


Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.


(REsp 856.699/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 30/11/2009)

Dessarte, o pressuposto da incidência da norma é a existência de negócio jurídico plenamente válido, cujos efeitos futuros, se não tiverem previsão no próprio negócio, serão regidos pela lei vigente à época de sua execução. Hipótese manifestamente diversa da presente nestes autos.

Portanto, observada sempre a máxima vênia, ouso divergir do eminente Relator, para, acolhendo o pedido de nulidade da cláusula restritiva do direito de voto e das demais dela decorrentes, determinar lógica e consequentemente a invalidação de todas as assembleias realizadas desde dezembro de 1997, início da demanda, porquanto realizadas na forma e procedimento previstos nas cláusulas estatutárias consideradas nulas pelo Tribunal a quo. ...» (Min. Luis Felipe Salomão).»

Doc. LegJur (123.9262.8000.7700) - Íntegra: Click aqui


Referência(s):
Sociedade (Jurisprudência)
Associação civil (Jurisprudência)
Associação sem fins lucrativos (Jurisprudência)
Cláusula estatutária (Jurisprudência)
Estatutos (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Ação de nulidade (v. Cláusula estatutária ) (Jurisprudência)
Norma de ordem pública (Jurisprudência)
Nulidade (v. Cláusulas estatutárias ) (Jurisprudência)
Direito de voto (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Direito de votar (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Voto (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Liberdade de estipular (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Associado (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Admissão temporária de associados (v. Associação civil ) (Jurisprudência)
Litisconsórcio (Jurisprudência)
Litisconsórcio passivo necessário (Jurisprudência)
CCB, art. 1.394
CCB/2002, art. 53
CCB/2002, art. 55
CCB/2002, art. 2.035
CPC, art. 47
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