Indevida cobrança de concessionária de rodovia contra autarquia de saneamento pelo uso da faixa de domínio público concedida à via
Publicado em: 14/02/2025 AdministrativoTESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
É indevida a cobrança promovida por concessionária de rodovia, em face de autarquia prestadora de serviços de saneamento básico, pelo uso da faixa de domínio da via pública concedida.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
A tese firmada pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Incidente de Assunção de Competência (IAC), determina que a cobrança de valor pela utilização da faixa de domínio de rodovia concedida, por entidade estatal prestadora de serviço público de saneamento básico, é ilegítima. O fundamento reside na natureza jurídica da faixa de domínio como bem público de uso comum do povo, que, apesar de concedida à iniciativa privada para exploração do serviço rodoviário, não se desnatura, permanecendo afetada à destinação pública. Quando o uso desse bem visa viabilizar a execução de serviço público essencial, como o saneamento básico, prestado por autarquia (portanto, fora do regime concorrencial e lucrativo), é vedada a imposição de ônus financeiro, seja a título de preço público, seja como receita alternativa da concessionária.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
- CF/88, art. 21, XX – competência da União para instituir diretrizes para o saneamento básico;
- CF/88, art. 23, IX – competência comum dos entes federativos para promover programas de melhoria de saneamento básico;
- CF/88, art. 175 – prestação de serviços públicos diretamente ou sob regime de concessão/permissão.
FUNDAMENTO LEGAL
- CCB/2002, art. 98, 99, 100 e 103 – definição e regime dos bens públicos, incluindo a possibilidade de uso comum gratuito ou retribuído, conforme legislação da entidade administradora;
- Lei 8.987/1995, art. 11 – receitas alternativas para concessionárias, desde que não contrárias ao interesse público;
- Lei 11.445/2007, art. 2º e 3º – princípios e definição do saneamento básico como serviço público essencial;
- Lei 10.257/2001, art. 2º, XVIII – prioridade às obras de saneamento básico nas políticas urbanas;
- CPC/2015, arts. 947, §3º, 927, §3º – regime de fixação de tese vinculante pelo STJ;
- Decreto 7.217/2010, art. 3º – regulamentação do serviço público de saneamento básico.
SÚMULAS APLICÁVEIS
- Tema 261/STF (RE Acórdão/STF) – natureza de bem público de uso comum do povo da faixa de domínio e impossibilidade de cobrança de tributo/taxa pelo uso por concessionária de serviço público.
- Não há súmula específica do STJ ou STF sobre a vedação, mas o entendimento se alinha a precedentes vinculantes do STF sobre o tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevância da tese reside na proteção do interesse público e na garantia da universalização do acesso ao saneamento básico, evitando-se a transferência de custos indevidos ao usuário final desses serviços essenciais. A decisão impede que concessionárias de rodovia, ao buscarem receitas alternativas, onerem o poder público e, por via reflexa, a coletividade, especialmente considerando que a prestação de serviços públicos sanitários é, em regra, não lucrativa e estruturada como monopólio natural estatal.
Os reflexos futuros da decisão devem ser sentidos em ações semelhantes envolvendo outras utilidades públicas (energia, telecomunicações, gás), sempre que o uso da faixa de domínio seja instrumental à implementação de serviço público essencial, prestado por ente estatal. A tese reforça a impossibilidade de se equiparar o uso público ao uso privado de bens públicos de uso comum, consolidando a função social dos bens públicos e a supremacia do interesse coletivo sobre o econômico, quando se trata de serviços públicos essenciais.
ANÁLISE CRÍTICA
A argumentação jurídica do acórdão é robusta ao construir uma linha de raciocínio assentada na natureza jurídica dos bens públicos, nos princípios da Administração Pública e na ponderação entre modicidade tarifária e universalização dos serviços públicos essenciais. A decisão é tecnicamente precisa ao distinguir as hipóteses de cobrança entre entes privados (legítima, se prevista contratualmente) e entre particulares e entes públicos (ilícita, ante a finalidade pública do uso).
Em consequência prática, a decisão evita a oneração do serviço público de saneamento básico, o que poderia inviabilizar ou dificultar a expansão e melhoria desse serviço fundamental, em afronta ao interesse coletivo. Juridicamente, reforça a supremacia do interesse público e a proteção de direitos fundamentais ligados à saúde, dignidade e qualidade de vida. O entendimento tende a ser aplicado em demandas futuras envolvendo o uso de bens públicos por entidades estatais para fins de interesse público, conferindo maior segurança jurídica e uniformidade na interpretação da legislação sobre concessões e bens públicos.
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