Esclarecimento sobre a natureza da ação penal em lesão corporal leve no âmbito doméstico contra a mulher, destacando a exigência da representação da vítima segundo a Lei Maria da Penha
Publicado em: 16/02/2025 Advogado Direito PenalTESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
A ação penal relativa ao crime de lesão corporal leve praticado no âmbito doméstico e familiar contra a mulher é pública condicionada à representação da vítima, não sendo afastada tal exigência pelo art. 41 da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que apenas veda a aplicação do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras previstas na Lei 9.099/95.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
A tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sede de recurso especial representativo de controvérsia, foi no sentido de que a natureza da ação penal para o crime de lesão corporal leve praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher permanece condicionada à representação da vítima. O art. 41 da Lei Maria da Penha não teria o condão de transformar a persecução penal em incondicionada, mas sim de afastar unicamente os institutos despenalizadores, como a transação penal e a suspensão condicional do processo, previstos na Lei dos Juizados Especiais ( Lei 9.099/95).
Essa interpretação decorre da leitura sistemática da Lei 11.340/2006, em especial dos arts. 12, I, e 16, os quais expressamente fazem referência à representação como condição de procedibilidade para certos delitos, bem como à possibilidade de retratação da vítima em audiência especialmente designada. A ratio decidendi do acórdão busca compatibilizar a proteção da mulher com a autonomia da vítima, evitando que o processo penal seja instrumento de agravamento das tensões familiares quando a própria ofendida não deseja a condenação do agressor, desde que sua manifestação de vontade seja livre e espontânea.
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
- CF/88, art. 226, § 8º: "O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações."
- CF/88, art. 5º, I: "Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição."
FUNDAMENTO LEGAL
- Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), art. 12, I: Determina que a autoridade policial tome a representação da vítima, se apresentada.
- Lei 11.340/2006, art. 16: Estabelece que a renúncia à representação só será admitida perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
- Lei 11.340/2006, art. 41: Veda a aplicação da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.
- Lei 9.099/1995, art. 88: "Dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas."
- CP, art. 100: A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.
SÚMULAS APLICÁVEIS
- Não há súmula específica do STF ou STJ sobre a matéria, mas a orientação firmada neste acórdão serve de precedente qualificado (art. 927, III, do CPC/2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A decisão do STJ, proferida em recurso especial repetitivo, possui efeito vinculante para as instâncias ordinárias, conferindo estabilidade e uniformidade à interpretação do tema. A tese acatada prestigia o direito de autodeterminação da vítima e o princípio da intervenção mínima do direito penal, mas não desconsidera o contexto de vulnerabilidade da mulher, exigindo que a retratação da representação ocorra sob a fiscalização judicial, para evitar coação ou intimidação.
Os reflexos práticos incluem a necessidade de manifestação clara da vontade da vítima para a persecução penal em casos de lesão corporal leve, bem como o fortalecimento do contraditório e da proteção integral dos direitos fundamentais das mulheres. Contudo, a manutenção da exigência de representação pode, em certos contextos, dificultar o combate à violência doméstica, especialmente diante de relações marcadas pela dependência e pelo medo, o que sugere a evolução do tema seja acompanhada de políticas públicas de apoio e acolhimento à vítima.
ANÁLISE CRÍTICA
A decisão evidencia o embate entre uma leitura literal e uma leitura teleológica da Lei Maria da Penha. Ao adotar a primeira, o acórdão reforça a necessidade de representação, alinhando-se à tradição do direito penal brasileiro de exigir manifestação da vítima para a persecução de delitos de menor gravidade. Por outro lado, parte da doutrina e julgadores defendem que a finalidade da Lei Maria da Penha seria justamente garantir uma tutela penal mais enérgica e independente da vontade da vítima, em razão das dificuldades inerentes à denúncia e ao prosseguimento da ação penal em contexto de violência doméstica.
O acórdão, ao interpretar restritivamente o art. 41 da Lei 11.340/2006, ressalta a preocupação com a instrumentalização do processo penal e o respeito à autonomia da vítima, mas mantém um modelo que, na prática, pode perpetuar cenários de impunidade, caso o Estado não ofereça condições de segurança e apoio suficientes para que a mulher possa exercer sua liberdade de decisão sem coação. Portanto, a eficácia da decisão depende do fortalecimento das redes de proteção e do acompanhamento das vítimas, sob pena de se frustrar o objetivo maior da Lei Maria da Penha.
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