Autorização de busca pessoal em via pública baseada em fuga repentina perante guarnição policial com necessidade de comprovação objetiva e escrutínio judicial rigoroso

O documento aborda a legitimidade da busca pessoal em via pública quando o indivíduo foge repentinamente ao avistar a polícia, destacando que tal medida deve ser fundamentada em elementos objetivos e submetida a rigoroso controle judicial, vedando-se decisões baseadas apenas em impressões subjetivas do agente.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

Fugir correndo repentinamente ao avistar uma guarnição policial configura motivo idôneo para autorizar busca pessoal em via pública, desde que tal motivo seja comprovado por elementos objetivos e submetido a especial escrutínio judicial, não se admitindo a mera intuição ou impressão subjetiva do agente policial como fundamento para a medida restritiva.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A decisão do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento segundo o qual a fuga repentina de um indivíduo ao avistar uma guarnição policial em via pública constitui fato objetivo suficiente para configurar a fundada suspeita exigida pelo CPP, art. 244, legitimando a busca pessoal. Ressalta-se, contudo, que a mera narrativa policial deve ser submetida a especial escrutínio judicial, devendo ser rechaçadas versões inverossímeis, incoerentes ou infirmadas por outros elementos probatórios. A corte repudia abordagens baseadas em critérios subjetivos, discriminatórios ou meras impressões, alinhando-se a parâmetros internacionais de proteção de direitos fundamentais.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 5º, X: Proteção à intimidade, vida privada, honra e imagem.
  • CF/88, art. 5º, XI: Inviolabilidade do domicílio (distinguindo-se do regime da busca pessoal).
  • CF/88, art. 5º, LIV e LV: Devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

FUNDAMENTO LEGAL

  • CPP, art. 244: Busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito.
  • Lei 13.869/2019, art. 22: Criminalização da violação de domicílio.
  • CP, art. 150: Invasão de domicílio.

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 11/STJ: Só é lícito o uso de algemas em situações de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física.
  • Súmula 14/STF: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese enunciada pelo STJ representa significativo avanço na objetivação dos critérios para busca pessoal, delimitando de modo claro os limites do poder estatal em face das garantias individuais, sobretudo diante do histórico de abusos e discricionariedade policial nas abordagens. O acórdão diferencia, com precisão técnica, a busca pessoal da domiciliar, exigindo para a primeira um standard probatório menos rigoroso, mas ainda assim fundado em elementos concretos e passíveis de controle judicial.

Os reflexos futuros da decisão tendem a ser amplos, pois oferecem diretrizes para a atuação policial e parâmetros para o controle jurisdicional da legalidade das buscas, especialmente em contextos de vulnerabilidade social e de risco de discriminação. O julgamento também estimula a produção de provas objetivas (como o uso de câmeras corporais) e reforça a necessidade de fundamentação concreta das abordagens, evitando decisões baseadas em subjetivismos ou preconceitos.

ANÁLISE CRÍTICA

A fundamentação jurídica do acórdão destaca-se pela rigor argumentativo e pela integração de precedentes nacionais e internacionais (Corte IDH, STF). A corte reconhece que a fuga é um dado objetivo, mas adverte para o risco de manipulação narrativa policial ("dropsy testimony"), transferindo ao Estado o ônus de demonstrar a veracidade do motivo invocado para a busca. O acórdão rejeita o uso de critérios discriminatórios (raça, gênero, aparência) e enfatiza a necessidade de controle judicial e de respeito ao contraditório.

Do ponto de vista prático, a decisão fortalece o Estado de Direito ao limitar o arbítrio policial e ao proteger direitos fundamentais, sem inviabilizar a atuação estatal legítima no combate à criminalidade. No entanto, a corte adverte para a complexidade da valoração probatória nessas situações, sugerindo o aprimoramento dos meios de registro das abordagens (bodycams) e a contínua vigilância crítica sobre os relatos policiais, em especial nos casos em que há impugnação da defesa.

Em síntese, o precedente contribui para a segurança jurídica e para a padronização de condutas, orientando tanto o trabalho policial quanto a atuação do Judiciário no resguardo dos direitos e garantias individuais, além de promover a harmonização do direito processual penal brasileiro com os parâmetros internacionais de direitos humanos.