Jurisprudência em Destaque

STJ. 3ª Seção. Receptação qualificada. Dolo eventual. Comerciante. Atividade comercial. Embargos de divergência. Fixação da pena da receptação simples. Impossibilidade. Crime autônomo. Maior gravidade e reprovabilidade da conduta. Ofensa ao princípio da proporcionalidade. Inocorrência. Considerações do Min. Jorge Mussi sobre o tema. Precedentes do STJ e STF. CP, art. 180, § 1º.

Postado por Emilio Sabatovski em 21/12/2011
«... Para melhor análise da questão sub examine, imperioso se faz, inicialmente, transcrever o disposto no «caput» do art. 180 do CP, relativo ao delito de receptação simples:


«Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:


Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.»

O § 1º do art. 180 do CP, por sua vez, prevê a figura da receptação qualificada, imputada ao paciente, verbis:


«§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:


Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.»

Em que pesem os fundamentos defensivos no sentido de que não seria razoável o agravamento da sanção do tipo penal qualificado, que traz como elemento constitutivo do tipo o dolo eventual, não há como admitir a imposição da reprimenda prevista para a receptação simples em condenação pela prática de receptação qualificada, crime autônomo.

Dúvidas não há de que, num Estado Democrático de Direito, é assegurado, como um dos seus princípios materiais, o da proporcionalidade, o qual determina que a cominação ou mesmo a aplicação da pena esteja em consonância com a gravidade do delito perpetrado.

Não obstante, Cezar Roberto Bitencort destaca, sobre esse tema, que «o juízo de proporcionalidade, in concreto, resolve-se por meio de valorações e comparações». Para tanto, observa o seguinte:


«Com efeito, o tipo descrito no «caput» do art. 180 retrata um crime comum (que pode ser praticado por qualquer pessoa), enquanto a descrição contida no § 1º configura crime próprio, que exige uma qualidade especial do sujeito ativo, no caso, que se trate de comerciante ou industrial, e mais: que a conduta criminosa seja praticada no exercício da atividade profissional, mesmo que exercida irregular ou clandestinamente. Essa mudança da espécie de tipo penal - de comum para especial -, acrescida da exigência de que qualquer das condutas constantes do enunciado típico deve ser praticada no exercício de atividade comercial ou industrial, denota um desvalor da ação muito superior àquele decorrente das condutas contidas no «caput» do mesmo artigo. Na verdade, no exercício das referidas atividades, o indivíduo capta a confiança da sociedade em geral e do consumidor em particular; o sujeito ativo que se aproveita de sua atividade profissional (comerciante ou industrial) para receptar coisa produto de crime abusa da boa-fé do sujeito passivo, merecendo maior censura penal.» (In: Código Penal comentado. Ed. Saraiva: 2009, p. 733.)

E, na esteira do entendimento adotado pela Quinta Turma desta Corte Superior de Justiça, «a pena mais severa cominada à forma qualificada do delito tem razão de ser, tendo em vista a maior gravidade e reprovabilidade da conduta, uma vez que praticada no exercício de atividade comercial ou industrial. Trata-se de opção legislativa, em que se entende haver a necessidade de repressão mais dura a tais condutas, por se entender serem dotadas de maior lesividade.» (HC nº 128.253/SC, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 5-5-2009, DJe 3-8-2009)

Assim, não existem motivos para negar-se a distinção feita pelo próprio legislador, atento aos reclamos da sociedade que representa, no seio da qual é mais reprovável a conduta praticada no exercício de atividade comercial, como ocorre in casu, cuja lesão exponencial resvala num sem número de consumidores, todos vitimizados pela cupidez do comerciante que revende mercadoria espúria.

Nesse sentido, confira-se o seguinte precedente deste Sodalício, que robustece o ora afirmado:


PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE RECEPTAÇÃO. FINS COMERCIAIS. FORMA QUALIFICADA RECONHECIDA NA ORIGEM. DESCONSIDERAÇÃO DA PENA RESPECTIVA E APLICAÇÃO DA SANÇÃO PREVISTA PARA A FORMA SIMPLES. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA PENA ESPECÍFICA COMINADA. RECURSO PROVIDO.


1. O reconhecimento da forma qualificada do crime de receptação e a aplicação da pena prevista para o tipo básico não encontra amparo na legislação pátria, bem como não se vislumbra inconstitucionalidade na previsão de sanção mais rigorosa na hipótese de receptação para fins comerciais ou industriais, cuja especificidade ensejou tutela específica, com maior rigor na cominação da pena privativa de liberdade, conforme preceito trazido pela Lei 9.426/96.


2. A redação do § 1º do art. 180 do Código Penal, embora não prime pela congruência dos elementos subjetivos do tipo penal em relação à forma simples do «caput», é inequívoca em apenar mais gravemente a hipótese de receptação para fins comerciais ou industriais quando haja dolo, considerada a maior necessidade de repressão a estas formas especiais de receptação, por opção legislativa.


3. Recurso provido para reformar o acórdão proferido pelo Tribunal a quo na parte em que reduziu a pena do recorrido e restabelecer a pena anteriormente fixada pelo Juízo de 1º grau.


(REsp 700.887/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJU de 19-3-2007)

No mesmo entendimento, o julgado a seguir colacionado, do Supremo Tribunal Federal:


DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 180, § 1º, CP. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. DOLO DIRETO E EVENTUAL. MÉTODOS E CRITÉRIOS DE INTERPRETAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA PENAL. IMPROVIMENTO.


1. A questão de direito de que trata o recurso extraordinário diz respeito à alegada inconstitucionalidade do art. 180, § 1º, do Código Penal, relativamente ao seu preceito secundário (pena de reclusão de 3 a 8 anos), por suposta violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena.


2. Trata-se de aparente contradição que é resolvida pelos critérios e métodos de interpretação jurídica.


3. Não há dúvida acerca do objetivo da criação da figura típica da receptação qualificada que, inclusive, é crime próprio relacionado à pessoa do comerciante ou do industrial. A idéia é exatamente a de apenar mais severamente aquele que, em razão do exercício de sua atividade comercial ou industrial, pratica alguma das condutas descritas no referido § 1º, valendo-se de sua maior facilidade para tanto devido à infra-estrutura que lhe favorece.


4. A lei expressamente pretendeu também punir o agente que, ao praticar qualquer uma das ações típicas contempladas no § 1º, do art. 180, agiu com dolo eventual, mas tal medida não exclui, por óbvio, as hipóteses em que o agente agiu com dolo direto (e não apenas eventual). Trata-se de crime de receptação qualificada pela condição do agente que, por sua atividade profissional, deve ser mais severamente punido com base na maior reprovabilidade de sua conduta.


5. Não há proibição de, com base nos critérios e métodos interpretativos, ser alcançada a conclusão acerca da presença do elemento subjetivo representado pelo dolo direto no tipo do § 1º, do art. 180, do Código Penal, não havendo violação ao princípio da reserva absoluta de lei com a conclusão acima referida.


6. Inocorrência de violação aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da individualização da pena. Cuida-se de opção político-legislativa na apenação com maior severidade aos sujeitos ativos das condutas elencadas na norma penal incriminadora e, consequentemente, falece competência ao Poder Judiciário interferir nas escolhas feitas pelo Poder Legislativo na edição da referida norma.


7. Recurso extraordinário improvido.» (RE 443.388/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 18-8-2009, publicado em 11-9-2009) (Grifos nossos)

Inviável, pois, sem negar vigência ao dispositivo infraconstitucional em questão, e sem ofender os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, constitucionalmente previstos, impor ao paciente, pela violação ao art. 180, § 1º, do CP, a sanção prevista ao infrator do «caput» do referido artigo.

Ante o exposto, acolho os embargos de divergência a fim de reformar o acórdão embargado e dar provimento ao recurso especial, restabelecendo a condenação pela forma qualificada da receptação nos termos da sentença. ...» (Min. Jorge Mussi).»

Doc. LegJur (118.5053.8000.2100) - Íntegra: Click aqui


Referências:
Receptação (Jurisprudência)
Receptação qualificada (Jurisprudência)
Dolo eventual (Jurisprudência)
Comerciante (v. Receptação ) (Jurisprudência)
Atividade comercial (v. Receptação ) (Jurisprudência)
Embargos de divergência (v. Receptação ) (Jurisprudência)
Pena (v. Receptação ) (Jurisprudência)
Receptação simples (v. Pena ) (Jurisprudência)
Crime autônomo (v. Receptação ) (Jurisprudência)
Maior gravidade (v. Receptação ) (Jurisprudência)
Princípio da proporcionalidade (v. Receptação ) (Jurisprudência)
CP, art. 180, § 1º.
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