Restituição de Valores Recebidos de Boa-fé por Servidor Público: Impossibilidade em Caso de Pagamento Indevido por Interpretação Errônea da Administração Pública

Documento que aborda a impossibilidade de restituição ao erário de valores recebidos de boa-fé por servidor público, quando o pagamento indevido resulta de interpretação equivocada ou má aplicação da lei pela Administração Pública. Fundamenta-se na proteção do servidor diante de falhas administrativas na aplicação normativa.


TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

É incabível a restituição ao erário de valores recebidos de boa-fé por servidor público, quando o pagamento indevido decorre de interpretação errônea ou má aplicação da lei pela Administração Pública.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que, nos casos em que a Administração Pública, por equívoco na interpretação ou aplicação da legislação, efetua pagamentos a maior aos servidores públicos, não se exige a devolução desses valores caso demonstrada a boa-fé do beneficiário. A boa-fé, neste contexto, pressupõe que o servidor não tenha contribuído para o erro e que recebeu quantias acreditando em sua legitimidade, diante da presunção de legalidade dos atos administrativos.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 5º, incisos II e XXXVI: Garante que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” e assegura o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
  • CF/88, art. 37, caput: Estabelece os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na Administração Pública.

FUNDAMENTO LEGAL

  • Lei 8.112/90, art. 46, caput: Prevê a possibilidade de reposição ao erário de pagamentos indevidos aos servidores, condicionando-a à prévia comunicação e possibilidade de parcelamento. Todavia, a interpretação conferida pela jurisprudência agrega temperamentos à literalidade da norma, em especial quanto à verificação da boa-fé do servidor.
  • CPC/2015, art. 985: Determina a obrigatoriedade de observância do julgamento de recursos repetitivos pelos órgãos do Poder Judiciário.

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 249/TCU: “O servidor que, de boa-fé, recebe valores indevidamente pagos pela Administração não está obrigado a restituí-los.”
  • Súmula 34/AGU: “Não será exigida a restituição de valores recebidos de boa-fé por servidor público decorrentes de interpretação errônea, má aplicação ou má interpretação da lei por parte da Administração Pública.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta tese reflete um importante avanço na proteção dos direitos dos servidores públicos e na observância dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima no Estado. Ao afastar a obrigatoriedade de devolução de valores recebidos de boa-fé, o Judiciário reconhece a responsabilidade objetiva da Administração Pública por seus próprios atos, evitando a transferência do ônus de sua má gestão para o administrado inocente. Praticamente, a decisão tem o potencial de pacificar a jurisprudência sobre o tema e diminuir o número de litígios relacionados à devolução de verbas alimentares, além de preservar a dignidade do servidor público e garantir a estabilidade nas relações jurídicas. No entanto, ressalta-se que a inexigibilidade de devolução não se aplica em casos de comprovada má-fé, fraude ou erro doloso do servidor.

ANÁLISE CRÍTICA

A fundamentação jurídica apresentada pelo STJ demonstra rigor técnico e alinhamento com a moderna doutrina administrativa, que privilegia a proteção da confiança do administrado diante de falhas imputáveis exclusivamente à Administração. O acórdão faz referência expressa a diversos precedentes e enfatiza que a exigência de restituição apenas seria cabível em situações excepcionais, como fraude ou má-fé do servidor, inexistentes na hipótese sob julgamento. Consequentemente, a decisão contribui para fortalecer a previsibilidade e a segurança jurídica nas relações entre Estado e administrados, além de coibir eventuais práticas abusivas da Administração na busca de ressarcimento. Destaca-se, ainda, o caráter de recurso repetitivo do julgado, o que amplia seu alcance e impõe observância obrigatória por tribunais inferiores, promovendo uniformidade jurisprudencial e eficácia normativa.