Decisão sobre a não incidência de ICMS na prestação de serviço público de fornecimento de água potável por concessionárias fundamentada na ausência de operação de circulação de mercadoria
Este documento aborda a interpretação jurídica que exclui a incidência do ICMS sobre o fornecimento de água potável realizado por concessionárias de serviço público, fundamentando-se no entendimento de que tal atividade não configura operação de circulação de mercadoria. Trata-se de análise tributária relevante para concessionárias e contribuintes envolvidos no setor de saneamento básico.
TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:
O fornecimento de água potável por concessionárias de serviço público não configura operação de circulação de mercadoria, razão pela qual não incide ICMS sobre essa atividade.
COMENTÁRIO EXPLICATIVO
O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a água, em seu estado natural ou mesmo após tratamento para consumo humano, permanece qualificada juridicamente como bem público de uso comum do povo (CF/88, art. 20, III e VI; art. 26, I), insuscetível de alienação e comercialização. Assim, o fornecimento de água tratada à população pelas concessionárias, permissionárias ou autorizadas configura atividade típica de prestação de serviço público essencial, não havendo transferência de titularidade nem característica de mercancia capaz de enquadrar tal operação como circulação de mercadoria. A concessão outorga mero direito de uso do recurso hídrico, não importando na sua alienação (Lei 9.433/97, art. 18; Decreto 24.643/34, art. 46).
FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
- CF/88, art. 20, III e VI: Define as águas como bens públicos da União.
- CF/88, art. 26, I: Define as águas como bens públicos dos Estados.
- CF/88, art. 23, II e IX: Competência comum para promoção de saneamento básico.
- CF/88, art. 145, II: Possibilidade de instituição de taxa pela utilização efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível.
- CF/88, art. 155, II: Hipótese de incidência do ICMS limitada à circulação de mercadorias.
- CF/88, art. 175: Dever do Estado de prestar serviços públicos, inclusive mediante concessão ou permissão.
FUNDAMENTO LEGAL
- Lei 9.433/97, art. 18: A outorga do uso da água não implica alienação, apenas direito de uso.
- Decreto 24.643/34 (Código de Águas), art. 46: A concessão não importa alienação das águas públicas.
- Lei 7.783/89, art. 10, I: Reconhece o tratamento e abastecimento de água como serviço essencial.
SÚMULAS APLICÁVEIS
- Súmula 188/STJ: “Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da decisão.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A decisão reforça a clara distinção entre o conceito jurídico de “mercadoria” e de “serviço público essencial”, reafirmando que a materialidade do ICMS não se verifica no fornecimento de água canalizada à coletividade. Ao afastar a incidência do ICMS, o STF preserva a finalidade pública do serviço de saneamento básico, evitando onerar ainda mais o acesso à água, bem vital e de relevância social extrema, especialmente em contextos de desigualdade e necessidade de universalização do serviço. Possíveis reflexos futuros incluem a consolidação da segurança jurídica para concessionárias e usuários, bem como a vedação de tentativas legislativas estaduais de tributar tais operações via ICMS.
ANÁLISE CRÍTICA E CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS
A argumentação do STF está alicerçada na hermenêutica constitucional, na doutrina tributária e na jurisprudência consolidada. O Tribunal rechaça a tentativa de ampliar a incidência do ICMS por meio de analogias inadequadas com outros serviços essenciais (como energia elétrica e gás), reforçando a necessidade de adequação estrita à hipótese de incidência prevista na CF/88, art. 155, II. A decisão também impede que normas infralegais ou convênios estaduais ampliem o conceito de mercadoria para alcançar serviços públicos essenciais, protegendo o contribuinte de exações indevidas. Na prática, a decisão afasta a repetição de cobrança de ICMS sobre água canalizada, resguardando o direito à devolução de valores pagos indevidamente e impedindo a majoração do custo do serviço ao usuário final.