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Análise Jurídica sobre a Inexistência da Prisão Civil do Depositário Infiel no Brasil em Conformidade com Tratados Internacionais de Direitos Humanos

Publicado em: 15/02/2025 Civel Advogado Direito Internacional
O documento aborda a inexistência da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro, destacando a prevalência dos tratados internacionais de direitos humanos, especialmente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, sobre a legislação infraconstitucional, e limita a prisão civil por dívida apenas ao inadimplemento voluntário e inescusável de pensão alimentícia.

TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

Não subsiste, no sistema normativo brasileiro, a prisão civil do depositário infiel, independentemente da modalidade de depósito (voluntário, necessário ou judicial), em razão da primazia dos tratados internacionais de direitos humanos – notadamente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, art. 7º, 7) – sobre a legislação infraconstitucional, de modo que toda lei interna antagônica a tais tratados encontra-se paralisada em sua eficácia normativa, restringindo-se a prisão civil por dívida à hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de prestação alimentícia.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

A tese representa o entendimento consolidado nos tribunais superiores, segundo o qual os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, ainda que não tenham sido aprovados pelo rito qualificado previsto no CF/88, art. 5º, §3º, ostentam status supralegal, ou seja, situam-se hierarquicamente acima das leis ordinárias e abaixo da Constituição. A partir da ratificação do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), tornou-se ilegítima qualquer prisão civil do depositário infiel, exceto no inadimplemento de prestação alimentícia. O efeito paralisante desses tratados impede a aplicação de preceitos legais ordinários (como o CCB/2002, art. 652 e o Decreto-Lei 911/1969) e resulta na invalidade – e não mera revogação – das normas conflitantes.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

  • CF/88, art. 5º, inc. LXVII: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar e a do depositário infiel”.
  • CF/88, art. 5º, §2º: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
  • CF/88, art. 5º, §3º: equipara os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, aprovados em rito qualificado, às emendas constitucionais.

FUNDAMENTO LEGAL

  • Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), art. 7º, 7: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
  • Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art. 11: “Ninguém poderá ser preso apenas por não cumprir uma obrigação contratual”.
  • CCB/2002, art. 652 (paralisado em sua eficácia, quanto à prisão civil do depositário infiel).
  • CPC/2015, art. 543-C (regulamenta o recurso repetitivo, vinculando as decisões dos tribunais à tese firmada).
  • Decreto 678/1992 (promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos no Brasil).

SÚMULAS APLICÁVEIS

  • Súmula 619/STF (REVOGADA): A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A decisão evidencia o papel central da dignidade da pessoa humana e da proteção à liberdade individual na ordem constitucional e internacional, promovendo uma hermenêutica atualizadora e adequada aos tratados internacionais de direitos humanos. A primazia da regra mais favorável ao indivíduo, derivada do art. 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, impulsiona o Poder Judiciário a afastar qualquer restrição não expressamente admitida pelo tratado internacional. O precedente firmado em sede de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC) possui efeito vinculante, refletindo-se em todos os processos judiciais do país, de modo a impedir a prisão civil do depositário infiel em qualquer modalidade de depósito.

O impacto prático é significativo nas execuções civis, tributárias e outras espécies de ações em que se cogitava a constrição da liberdade por descumprimento de obrigação de depósito, reforçando a eficácia dos tratados internacionais de direitos humanos e a superação de antigos paradigmas do direito brasileiro. A decisão, ao alinhar o Brasil ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, contribui para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, orientando futuros debates sobre a hierarquia e aplicabilidade dos tratados internacionais e promovendo maior segurança jurídica e respeito às garantias fundamentais.


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