Jurisprudência Selecionada
1 - TJDF JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. PROCESSO CIVIL. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA REJEITADA. VALOR DA CAUSA COMPATÍVEL. AUSÊNCIA DE COMPLEXIDADE. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA REJEITADA. PARTE LEGÍTIMA PARA O RESSARCIMENTO DOS JUROS DE MORA. FALHA NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DE IMÓVEL. DATA DE ENTREGA ESTIMADA NO TERMO DE RESERVA DESCUMPRIDA. CONTRATO FIRMADO MAIS DE UM ANO E MEIO APÓS O INÍCIO DA PANDEMIA. FORTUITO INTERNO. LIGADO AO RISCO DO NEGÓCIO. TEMA 996 STJ. JUROS DE OBRA. LUCROS CESSANTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.I. Caso em exame1. Trata-se de recurso inominado interposto pelos réus em face da sentença proferida pelo Juízo do 3º Juizado Especial Cível de Brasília que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais «para condenar solidariamente as requeridas a pagarem à autora a quantia de: i) R$ 2.596,70 (dois mil, quinhentos noventa e seis reais e setenta centavos), a título de juros de obra, corrigida monetariamente desde 25/11/23 e acrescido de juros a partir da citação; ii) R$ R$ 5.908,08 (cinco mil novecentos e oito reais e oito centavos), a título de lucros cessantes, corrigida monetariamente desde novembro de 2023 e acrescida de juros a partir da citação (ID 71556867).2. Embargos de declaração opostos pelos réus (ID 7155686) conhecidos e rejeitados (ID 71556874).3. Recurso próprio e tempestivo (ID 71556877). Custas e preparo recolhidos.4. Em suas razões recursais, os recorrentes suscitam, preliminarmente, a incompetência do Juizado Especial Cível, em razão do valor e da complexidade da causa, bem como a ilegitimidade passiva em relação aos juros de mora, uma vez que estes são cobrados pelo agente financeiro. No mérito, sustentam que o termo de reserva é um instrumento que não gera a obrigação de vendedor e comprador e não substitui nem prevalece sobre o contrato de compra e venda. Afirmam que o contrato de compra e venda é o instrumento jurídico hábil a reger os direitos e obrigações das partes de forma plena, inclusive quanto ao prazo de entrega do imóvel. Mencionam que o prazo estabelecido no contrato de compra e venda, que foi devidamente acordado entre as partes, deve prevalecer. Alegam que o atraso na entrega da obra se deu em razão da pandemia e de caso fortuito e de força maior relativos à falta de materiais e insumos. Defendem a ausência de comprovação dos danos materiais quanto aos juros de mora e lucros cessantes. Aduzem que o imóvel é residencial, de modo que a parte autora não poderia obter qualquer lucro. Pedem o acolhimento das preliminares suscitadas, com a declaração de incompetência do Juizado Especial Cível e o reconhecimento da ilegitimidade passiva dos réus quanto aos juros de obra. No mérito, requerem a reforma da sentença, com a improcedência dos pedidos iniciais.5. Em contrarrazões, o recorrido refuta as alegações dos recorrentes e pugna pelo desprovimento do recurso (ID 71556880).II. Questão em discussão6. Saber se houve falha na prestação dos serviços, consistente no atraso injustificado na entrega do imóvel.III. Razões de decidir7. Preliminar de incompetência. Conquanto a controvérsia em questão diga respeito a contrato de compra e venda de imóvel, o autor busca a indenização por danos materiais específicos e determinados (devolução de determinadas parcelas de juros de obra e pagamento de lucros cessantes), de modo que o valor atribuído à causa está adequado e dentro da competência dos Juizados Especiais Cíveis. Por outro lado, a presente demanda, no que diz respeito ao objeto da prova, não apresenta complexidade a exigir produção de prova pericial e tramitação pelo procedimento comum, haja vista que os documentos trazidos aos autos são suficientes para o deslinde da questão. Preliminar de incompetência rejeitada.8. Preliminar de ilegitimidade passiva. Ainda que os juros de obra questionados sejam cobrados pelo agente financeiro, certo é que eles decorreram do atraso na entrega do imóvel, o que revela a legitimidade passiva das requeridas. Ademais, o objetivo do autor é o ressarcimento desses danos causados em decorrência da mora contratual. Preliminar de ilegitimidade rejeitada.9. A relação entabulada entre as partes é tipicamente de consumo, porquanto presentes as figuras do consumidor e do fornecedor de serviços, nos termos dos Lei 8.078/1990, art. 2º e Lei 8.078/1990, art. 3º, estando, portanto, sujeita às disposições do CDC.10. No julgamento do Tema Repetitivo 996, o STJ firmou as seguintes teses: «1.1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância; 1.2. No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. 1.3. É ilícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. 1.4. O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor".11. O prazo estabelecido no contrato de compra e venda (28/08/2023) (ID 71556853) não deve substituir o prazo estimado no Termo de Reserva de Unidade Habitacional (30/04/2023) (ID 71556830), porquanto no primeiro a informação não está prestada de forma clara e inteligível. Verifica-se que no Contrato de Compra e Venda o prazo consta de um quadro geral, que pode muito bem passar despercebido pelo consumidor, principalmente porque difere e muito do prazo inicialmente estipulado e aceito pela compradora. Logo, deve prevalecer o prazo de 30/04/2023 para conclusão da obra da unidade imobiliária, aceita a tolerância de 180 dias corridos. Vale lembrar que, nos termos do CDC, art. 47, as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Ademais, nos termos do CDC, art. 51, V, são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Por fim, consoante entendimento firmado pelo STJ acima mencionado, «na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância".12. Transcorrido o prazo de tolerância da entrega não é mais lícito cobrar do adquirente juros de obra, ou outro equivalente. Isso porque, diante do atraso na entrega do imóvel, o autor sofreu prejuízos resultantes de fato imputável somente aos réus, haja vista que arcou com o pagamento da referida taxa durante o período de atraso da obra.13. A restituição dos valores pagos a título de juros de obra fundamenta-se não na ilicitude da cobrança pela CEF, mas sim no fato de que a cobrança ocorreu após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.14. O contrato foi celebrado em 10 de dezembro de 2021, ou seja, mais de um ano e meio após o início da pandemia da Covid-19, não sendo razoável justificar o atraso na obra em razão desse acontecimento extraordinário. Em verdade, a alegação chega até a revelar um comportamento contraditório do fornecedor, não admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que, na ocasião da venda, não alegou nenhum impedimento ligado à pandemia. Quanto à alegação de falta de materiais e insumos, trata-se de fortuito interno, relacionado ao risco do negócio do fornecedor, não afastando sua responsabilidade. Nesse sentido: «4.1. A escassez de mão de obra qualificada, falta de insumos para construção do empreendimento e entraves administrativos não são suficientes para afastar o inadimplemento, pelo descumprimento do prazo pactuado. 4.2. Constituem riscos previsíveis para o setor da construção civil. Por isso mesmo, não são circunstâncias aptas a excluir a responsabilidade da empresa, seja por caso fortuito ou pela força maior. 4.3. Além disso, os riscos da atividade lucrativa desenvolvida pelas empresas de construção civil não podem ser assumidos pelos consumidores". (Acórdão 1220776, 00219783920158070001, Relator: JOÃO EGMONT, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 4/12/2019, publicado no DJE: 16/12/2019)15. O descumprimento contratual, consistente na demora na entrega do imóvel comprado na planta, enseja a indenização por lucros cessantes, uma vez que o imóvel, seja ele comercial ou residencial, gera potencialidade de ganhos, seja pela locação seja pela ocupação própria. Em uma ou em outra situação, os lucros cessantes devem ser calculados pelo seu potencial de renda, que é apurado pela estimativa de valor de aluguel de imóvel equivalente, ou por arbitramento judicial. Nesse aspecto, no julgamento do REsp. Acórdão/STJ, foi decidido que no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, desde o fim do prazo de tolerância para a entrega do imóvel e com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.16. Nesse sentido: Acórdão 1940542, 0705739-53.2024.8.07.0016, Relator(a): LUIS EDUARDO YATSUDA ARIMA, PRIMEIRA TURMA RECURSAL, data de julgamento: 30/10/2024, publicado no DJe: 14/11/2024.IV. Dispositivo e tese17. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Condeno os recorrentes ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor da condenação, nos termos da Lei 9.099/1995, art. 55, caput.18. A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme regra da Lei 9.099/95, art. 46.
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