Jurisprudência Selecionada
1 - TJPR DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITOS HUMANOS. DIREITO DAS PESSOAS IDOSAS. DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. «AÇÃO DE INTERDIÇÃO. EMENDA DA PETIÇÃO INICIAL. DESPACHO GENÉRICO. EXPLICAÇÃO CONSIDERADA INSUFICIENTE PELO JUÍZO DE ORIGEM. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. APELAÇÃO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA ASSERÇÃO. DIREITO DA PARTE À OBTENÇÃO DE SOLUÇÃO INTEGRAL DE MÉRITO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO PROCESSUAL. ERROR IN PROCEDENDO CARACTERIZADO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, COM O RETORNO DOS AUTOS AO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO.I. CASO EM EXAME:1.
Trata-se de recurso de apelação, interposto pela autora da ação de interdição, visando à reforma da sentença de extinção do processo sem resolução do mérito. O juízo de origem entendeu que faltava à requerente interesse de agir, porque a idade avançada da interditanda não seria, por si só, motivo para a declaração de incapacidade e, também, porque não foram especificados os atos da vida civil que justificariam a intervenção do Poder Judiciário. A parte autora defende a presença das condições da ação e busca o retorno dos autos ao juízo de origem para futura declaração de incapacidade relativa de sua mãe, com sua nomeação como curadora definitiva, sustentando, para tanto, a necessidade da medida em razão das enfermidades que afetam a cognição e mobilidade da interditanda.II. questão em discussão:2. O debate trazido neste recurso consiste em verificar a adequação da extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de interesse de agir da parte autora.III. razões de decidir:3. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (promulgada pelo Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009), alterou o instituto da capacidade civil, preconizando que a incapacidade absoluta se restringe apenas aos menores de dezesseis anos de idade (critério objetivo), conforme o disposto na redação atual do CCB, art. 3º. Precedentes do STJ e deste Tribunal de Justiça. Literatura jurídica.4. Deve ser assegurada a maior autonomia possível à pessoa com deficiência, prestigiando a sua vontade e dando maior concretude ao fundamento constitucional da dignidade humana. Inteligência dos arts. 1º, III, da CF/88, 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e 6º e 84 do Estatuto das Pessoas com Deficiência.5. A idade avançada não é, por si, motivo idôneo nem, tampouco, suficiente para a interdição, devendo o Estado-Juiz tomar todas as medidas para assegurar a promoção do princípio da igualdade em sentido substancial, mas também para prevenir e repreender o etarismo, bem como todas as formas de discriminação (diretas, indiretas e interseccionais) contra as pessoas idosas. Interpretação dos arts. 3º, IV, da CF/886. A interdição é medida excepcional, porque pressupõe a substituição completa da vontade da pessoa por uma outra que seja seu representante, e, portanto, implica na supressão da capacidade jurídica em relação aos atos de natureza patrimonial e negocial.7. As deficiências (físicas, mentais, intelectuais e sensoriais), em conjunto com as barreiras (na mobilidade, comunicação, atitudinais, normativas e de acesso aos serviços), dificultam ou impedem a efetivação dos direitos humanos. As diversidades funcionais devem ser mitigadas por medidas de apoio (como a tomada de decisão apoiada) que garantam a dignidade, a maior independência possível e a autonomia para as atividades da vida cotidiana, bem como permitam o exercício da livre expressão da vontade e da plena capacidade jurídica, tornando efetivos os direitos das pessoas com deficiência em condições de igualdade e sem discriminação com as demais pessoas. Interpretação dos arts. 1º e 12 da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência em conjunto com o art. 84, § 2º, do Estatuto da Pessoa com Deficiência.8. O exame das condições da ação, para a resolução do processo sem julgamento de mérito (CPC, art. 485, VI), deve ser realizado in status assertionis, ou seja, diante da situação fática narrada na petição inicial; caso seja necessário uma análise mais aprofundada, a exigir a produção de provas, a questão da (i)legitimidade ad causam ou da falta de interesse processual implicará no julgamento de mérito. Precedentes do STJ e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Literatura jurídica.9. A cláusula geral de cooperação processual (CPC, art. 6º), que é expressão do princípio da boa-fé objetiva (CPC, art. 5º) e da garantia fundamental do devido processo legal (CF/88, art. 5º, LIV), impõe ao órgão judicial deveres gerais (de lealdade, de proteção e de assegurar o contraditório e a ampla defesa) e específicos (de esclarecimento, diálogo, prevenção e de auxílio às partes). Em outras palavras, o modelo cooperativo de processo civil, adotado pelo CPC/2015, está pautado na solidariedade entre os sujeitos processuais (partes, advogados, membros do Ministério Público e órgãos judiciais), e tem como finalidade criar um espaço público de diálogo efetivo, com a participação de todos os envolvidos na construção da decisão judicial. Literatura jurídica.10. O processo deve ser vislumbrado como um local de diálogo permanente, sobretudo considerando-se a complexidade da vida contemporânea, em que se intensifica a necessidade da participação cidadã e da adoção de um modelo processual democrático. Por isso, exige-se que todos os sujeitos processuais, inclusive o Estado-juiz, estejam dispostos a colaborar mutuamente, na busca da decisão judicial mais justa, bem como na otimização dos esforços à formação do juízo de fato e de direito. Nesse contexto, a cooperação deve ser ressaltada como princípio de solidariedade, que impõe deveres éticos de fair play aos sujeitos processuais e pressupõe, tanto no plano fático quanto jurídico, a agilidade, a eficiência e a responsabilidade de todos os envolvidos para a efetivação da justiça no caso concreto.11. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (CPC, art. 4º), porque uma prestação jurisdicional que analise se o litigante tem ou não razão pode proporcionar mais segurança jurídica e estabilidade nas relações sociais.12. A colaboração entre os sujeitos processuais é indispensável para assegurar tanto o direito das partes à obtenção de uma solução integral de mérito quanto a eficiência da tutela jurisdicional. O diálogo claro, transparente e objetivo entre o Estado-Juiz e os litigantes possibilita a discussão dos argumentos indispensáveis ao julgamento do mérito, contribui para a pacificação das relações sociais e evita rejudicialização de demandas. Interpretação teleológica dos CPC, art. 4º e CPC art. 6º.13. No caso concreto, a autora busca a interdição de sua mãe com base em atestado médico particular, alegando que ela tem 77 (setenta e sete) anos de idade, é pessoa «extremamente simples, com «pouquíssima instrução, tem «problemas de saúde cognitivos e de mobilidade, «possuindo dificuldades em sair de sua residência para resolver as pendências da vida civil. Ela frisou que estava buscando «a curatela com a finalidade específica de administração de rendimentos provenientes de benefício previdenciário e/ou assistencial pago pelo INSS, bem como manutenção dos gastos de subsistência do interditando - sic - (custos de vida: tarifas de água e luz, alimentação, cuidados do lar etc.).14. O juízo de origem determinou a emenda da petição inicial, para que fosse demonstrada «a imperiosa necessidade da medida e indicados para quais atos da vida civil da curatelada se pretendia exercer a curatela.15. Foi explicado que a interdição era necessária para permitir que a autora assumisse «os poderes de administração financeira da interditanda, com poderes para receber e administrar os proventos de aposentadoria/benefício pago pelo INSS, representar a interditando (sic) perante instituições bancárias, pagar conta e formalizar contratos.16. Na sequência, o processo foi extinto, sem resolução do mérito, por falta de interesse processual, por entender o magistrado que não havia explicitação de um ato ou negócio específico que justificasse a intervenção do Judiciário.17. Entretanto, a sentença merece reforma, porque baseada na resposta dada a um despacho genérico de emenda da petição inicial. Como existem nos autos elementos que permitem o processamento da pretensão, deve ser privilegiado o julgamento de mérito, cabendo ao órgão julgador, se assim entender necessário, determinar, de forma clara, concreta e detalhada, o esmiuçamento da pretensão inicial, limitando seu julgamento aos pedidos concretos existentes caso não atendida a solicitação pela parte, sem prejuízo de, eventualmente, a questão ser analisada pela dimensão do instituto da tomada de decisão apoiada, ao invés da interdição.IV. DISPOSITIVO E TESES:18. Dispositivo: Apelação conhecida e provida, para reformar a sentença a fim de reconhecer o interesse de agir da parte autora e determinar o retorno dos autos ao juízo de origem para o regular prosseguimento processual.19. Teses de julgamento:19.1. «A interdição de pessoa maior de idade é medida excepcional, porque suprime a capacidade jurídica, sendo cabível quando demonstrada a necessidade específica de proteção para a prática de atos de natureza patrimonial e negocial.19.2. «A idade avançada não é motivo idôneo nem suficiente para justificar a incapacidade absoluta da pessoa idosa.19.3. «Ao determinar a emenda da petição inicial, o Estado-Juiz deve - com fundamento no princípio da colaboração processual - explicar, com clareza e objetividade, as razões para a correção da demanda, evitando despachos genéricos que, ao invés de permitirem o julgamento do mérito, conduzem o processo às sentenças terminativas.Dispositivos relevantes citados: arts. 3º, IV, e 5º, LXXVIII, da CF/88; arts. 4º, 6º, 17, 85, § 11, 485, VI, 1.012, § 1º, e 1.025 do CPC; CCB, art. 3º; arts. 6º e 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência; arts. 1 e 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.Jurisprudência relevante citada: STJ, T3, REsp. Acórdão/STJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 27/04/2021; STJ, T3, REsp. Acórdão/STJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 13/12/2022, TJPR, 11ª C.Cível, Rel. Des. Mari Nino Azzolini, j. em 11/09/2019.Resumo em linguagem acessível: O Tribunal decidiu que o pedido de interdição feito pela filha em relação à mãe deve ser analisado novamente. A primeira decisão havia negado o pedido porque não ficou claro quais atos a mãe não conseguia fazer sozinha e por qual razão a intervenção do Judiciário era necessária. O Tribunal entendeu que a filha apresentou suas razões amparadas em um laudo médico que mostram a condição de saúde da mãe e a necessidade de ajuda. Assim, o Tribunal mandou que o caso volte para o juiz de origem para que seja feita uma nova análise.... ()
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