Jurisprudência Selecionada
1 - TJRJ HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR AUSÊNCIA DE CONTEMPORANEIDADE, DE REQUISITOS LEGAIS À CUSTÓDIA E EXCESSO DE PRAZO.
Não tem razão o impetrante. O paciente foi denunciado como incurso nas penas dos arts. 217-A, c/c o art. 226, II, ambos do CP, n/f da Lei 11.340/06, pois supostamente praticou ato libidinoso com sua sobrinha-neta, nascida em 23.11.2013, então com 8 anos de idade, uma vez que acariciou o corpo da criança, inclusive tentando acessar sua genitália e beijar a sua boca. Cumpre destacar que a higidez do decreto prisional foi examinada quando do julgamento do habeas corpus 0047756-97.2023.8.19.0000, por unanimidade de votos, em sessão realizada em 20/07/2023. Por sua vez, na decisão que manteve o cárcere cautelar, ora combatida, o magistrado de piso observou que os requisitos que autorizam a manutenção da custódia do réu já foram exaustivamente debatidos nestes autos, sendo de todo desnecessária nova análise para conclusão pela impossibilidade de concessão de liberdade provisória, tudo em alinho com o entendimento de que não foram apresentados fatos novos ou circunstâncias jurídicas que alterem o entendimento adotado no momento da decretação da medida. Cumpre destacar que a legislação processual penal e a jurisprudência pátria orientam que a revisão de uma medida cautelar como a prisão preventiva deve ser precedida de uma alteração substancial no panorama processual, o que não se observa no presente caso. E, de fato, do cotejo do decisum com as alegações do impetrante, vê-se que permanecem inalterados os motivos que ensejaram a decretação da prisão cautelar do acusado, sendo certo que a decisão mantendo o decreto foi proferida pelo juiz natural da causa. Nesse sentido «impõe-se, em observância ao princípio da confiança no Juiz da causa, dar maior respaldo às conclusões obtidas por este, uma vez que, por estar mais próximo aos fatos, pode analisar com mais segurança a presença do fumus comissi delicti e o periculum libertatis (AgRg no HC 633.975/BA, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/4/2021, DJe de 19/4/2021). No que trata da alegação de ausência de contemporaneidade, em que pese parte da doutrina referir-se à contemporaneidade considerando que esta deva ter como marco temporal a data do crime, todavia, e na esteira da jurisprudência pátria, não partilho de tal entendimento. A contemporaneidade pontuada pelo ordenamento referente à data do delito deve ser observada quando da aplicação do juízo de censura a ser imposto ao agente, ou seja, na resposta penal a lhe ser aplicada acaso a pretensão punitiva estatal contra ele deduzida seja julgada procedente (deve-se observar, por exemplo, se à época dos fatos ele era relativamente menor, ou não; se era reincidente, ou não; se tinha anotações configuradoras de maus antecedentes, ou não). Pensar que a contemporaneidade mencionada no nosso CP seja atinente tão somente à data do fato nos leva ao perigoso caminho de transformar a prisão processual em antecipação de pena. Muito diferente, contudo, é a contemporaneidade que deve ser observada para a decretação e/ou manutenção da imposição da segregação cautelar daquele que teve contra si deflagrada uma persecutio criminis. Esta, por sua vez, diz respeito aos requisitos que autorizam privar cautelarmente a liberdade de alguém (periculum in mora). Enquanto no primeiro caso, a contemporaneidade é relativa ao fato, e serve para a aferição da resposta final; no segundo, a contemporaneidade é dos motivos que ensejaram a constrição cautelar da liberdade do agente (aferir se eles ainda subsistem na atualidade). Conforme já assentado em nossa jurisprudência, mesmo tal contemporaneidade comporta mitigação a depender da gravidade concreta do delito praticado, não sendo o decurso do tempo, por si só, elemento hábil para esgotar e sequer esmaecer o periculum libertatis. A prisão preventiva tem em sua ontologia a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, o que se depreende da redação do próprio CPP, art. 316. Isto porque é facultado ao magistrado responsável pela instrução, diante da alteração dos motivos que ensejaram custódia, revogá-la e após, novamente decretá-la caso surjam novas razões que a justifiquem, conforme dispõe o CPP, art. 316 (CPP). Destaque-se que a contemporaneidade invocada pelo ordenamento no que diz respeito à data do delito deve ser observada quando da aplicação do juízo de censura a ser imposto ao agente. Entretanto, há situação diversa quando se trata da contemporaneidade exigida para a decretação e/ou manutenção da imposição da segregação cautelar, pois esta diz respeito aos requisitos que autorizam privar cautelarmente a liberdade de alguém, e não aos fatos que lhes são imputados. Portanto, no primeiro caso, a contemporaneidade é referente ao fato, e serve para a aferição da resposta final (quantitativa e qualitativamente); e, no segundo caso, a contemporaneidade é dos motivos que ensejaram (ou podem vir a ensejar) a constrição cautelar da liberdade do agente (aferir se eles ainda subsistem, na atualidade). No caso dos autos, a prisão cautelar do ora paciente foi decretada a prisão preventiva tendo como um dos fundamentos a garantia da ordem pública, cuja finalidade é a preservação das circunstâncias subjetivas em que ocorreu a concreta violação da norma penal. Em razão disto, origina-se a sua categorização jurídico-positiva, não como descrição de delito ou cominação de pena, mas como pressuposto de prisão cautelar. Neste aspecto, se a ambiência fática permite ao magistrado aferir que a liberdade de determinado indivíduo implicará a insegurança objetiva de outras pessoas, com sérios reflexos no seio da própria comunidade, abre-se espaço para o manejo da prisão em prol da ordem pública, hipótese dos autos. No que trata da conclusão do laudo de sanidade mental que consta do procedimento instaurado sob o 0005674-79.2023.8.19.0023, a conclusão que o expert chegou é a de que, embora o paciente seja portador de Síndrome pós-traumática (CID - F07.2) ele não era inteiramente incapaz de determinar-se, ao tempo da ação delituosa, o que tampouco exclui o caráter ilícito da conduta do paciente, conforme observado pela D. Procuradoria de Justiça. No que tange ao alegado excesso de prazo, observa-se que o paciente foi preso preventivamente em 16/05/2023, denunciado, como incurso nos arts. 217-A, c/c o art. 226, II, ambos do CP, n/f da Lei 11.340/06, pois supostamente praticou ato libidinoso com sua sobrinha-neta, nascida em 23.11.2013, então com 8 anos de idade. Do compulsar dos autos, conforme sinalizado pela D. Procuradoria de Justiça, vê-se que a instrução processual já se encerrou estando o processo em alegações finais. Destarte, é o caso de se aplicar a Súmula 52/STJ, segundo a qual, encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento por excesso de prazo. Além do mais, percebe-se que o trâmite processual está com encaminhamento regular e não há hiatos. É consabido que a concessão de Habeas Corpus em razão da configuração de excesso de prazo é medida de todo excepcional, somente admitida nos casos em que a dilação resulte da inércia do próprio aparato judicial, em obediência ao princípio da razoável duração do processo, previsto no CF/88, art. 5º, LXXVIII, o qual estabelece que «a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". No caso trazido a exame no presente writ, é importante considerar a complexidade do feito, com destaque para a indicação do magistrado a quo de que houve requerimento por parte da Defesa Técnica de instauração de incidente de insanidade mental, o qual, retarda o encerramento da instrução probatória, além da inquirição de onze testemunhas. De outro giro, tem-se que os prazos na condução da instrução criminal não devem ser contados de forma meramente aritmética, mas, sobretudo, com a invocação do Princípio da Razoabilidade, no qual devem ser sopesados não só o tempo da prisão provisória, mas também as peculiaridades da causa, sua complexidade, bem como quaisquer fatores que possam influir na tramitação da ação penal. (HC 717.571/MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/03/2022, DJe 25/03/2022). Além disso, convém observar que dentro do contexto de gravidade em concreto dos fatos, a segregação visa garantir o regular andamento da instrução criminal, considerando que o eventual deferimento de sua liberdade poderia acarretar gravames à colheita escorreita de provas para a realização da instrução criminal, sobretudo, diante da possibilidade de vir a influir no depoimento da vítima, seus familiares e demais testemunhas, causando justo temor quando forem intimadas para prestar depoimento em Juízo. Diante desse contexto, não se observa ilegalidade a ser corrigida por meio do presente habeas corpus, permanecendo hígidos os motivos que ensejaram a medida excepcional. Entretanto, compulsando os autos principais verifica-se o processo já está em fase de alegações finais da defesa e, portanto, avizinhando-se a sentença, a recomendar para o juízo de piso que ultime, com a celeridade que o caso demanda, as providências necessárias para entrega da sentença, para que não reste configurado eventual futuro excesso de prazo da prisão preventiva do paciente. ORDEM CONHECIDA E DENEGADA COM RECOMENDAÇÃO.... ()
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