Nas ações civis públicas referentes ao fornecimento de água potável decorrente de desastre ambiental, cuja titularidade do serviço é de autarquia municipal e o direito atingido é restrito à coletividade local, a competência para processamento e julgamento é da Justiça estadual do local do dano, mesmo que o evento original seja de âmbito nacional e envolva o interesse da União.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) evidencia a possibilidade de exceção à regra geral de competência da Justiça Federal em ações coletivas ambientais de grandes proporções, como o desastre da Barragem de Fundão. A Corte reconheceu que, embora a competência para processar e julgar ações relacionadas ao desastre, em regra, seja da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte/MG, há hipóteses excepcionais — notadamente quando o objeto da demanda é o fornecimento de serviço público essencial local (água potável) e envolve autarquia municipal — em que a competência é deslocada para o Juízo estadual do local do dano.
A ratio decidendi está ancorada na análise do objeto da demanda e das partes envolvidas: a pretensão diz respeito ao direito da população de Colatina/ES ao acesso à água potável, prestado pela autarquia municipal SANEAR, o que demanda análise de provas, perícias e realidade fática local, justificando a competência estadual. Tal entendimento foi amparado inclusive por parecer do Ministério Público Federal, corroborando a aplicação da exceção prevista no CC Acórdão/STJ.
A tese firmada pelo STJ é relevante por fortalecer o princípio da facilitação do acesso à justiça e a efetividade da tutela coletiva ambiental, especialmente quando o direito material é de índole local. Ao admitir a competência do juízo estadual, privilegia-se a proximidade com a fonte das provas e a realidade dos atingidos, conferindo maior celeridade e adequação à prestação jurisdicional. O precedente tende a ser replicado em outros desastres ambientais de repercussão nacional, mas com impactos localizados, especialmente quando envolver a prestação de serviços públicos essenciais por entes municipais.
Além disso, essa orientação contribui para evitar a sobrecarga e concentração de demandas em juízo federal único, promovendo a descentralização e especialização do julgamento de ações coletivas ambientais, sem prejuízo da uniformidade e segurança jurídica, pois as exceções são restritas a situações claramente individualizadas e localizáveis.
A decisão equilibra corretamente os princípios da especialização da Justiça Federal em temas de interesse da União e a necessidade de tutela efetiva dos direitos coletivos locais. A argumentação do STJ é robusta ao priorizar o critério do local do dano (relevante para a análise probatória) e ao acolher a doutrina e pareceres técnicos que reconhecem a legitimidade do juízo estadual nos casos em que o direito discutido é essencialmente local, mesmo que o evento gerador do dano seja de interesse nacional. As consequências práticas são positivas, pois facilitam o acesso do cidadão à jurisdição e viabilizam respostas mais céleres e eficazes a demandas coletivas ambientais, especialmente em situações emergenciais.
Contudo, a ressalva deve ser feita quanto à necessidade de articulação entre os diversos juízos competentes, a fim de evitar decisões contraditórias e garantir a coerência na tutela jurisdicional dos direitos metaindividuais, sobretudo em contextos de multiconflituosidade e extensão nacional dos danos.