Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 265.9526.2808.5260

1 - TST AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA PARTE RÉ. LEI 13.015/2014. CPC/2015. INSTRUÇÃO NORMATIVA 40 DO TST. LEI 13.467/2017. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. ASSÉDIO ELEITORAL. CARACTERIZAÇÃO. PRESENÇA DE MANIFESTAÇÃO DE CUNHO POLÍTICO NO ÂMBITO DA EMPRESA RÉ. ABUSO DO PODER ECONÔMICO EMPRESARIAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA.

No caso, o TRT asseverou: « a regulamentação da Nota Técnica da Coordenadoria da Igualdade do MPT, sob 001/2022 destaca justamente que o assédio moral eleitoral é caracterizado por práticas abusivas ‘(...) com a finalidade de obter o engajamento subjetivo da vítima em relação a determinadas práticas ou comportamentos de natureza política durante o pleito eleitoral’ . Dessa forma, propugna que: ‘O poder diretivo do empregador é limitado pelos direitos fundamentais da pessoa humana, não podendo tolher o exercício dos direitos de liberdade, de não discriminação, de expressão do pensamento e de exercício livre do direito ao voto secreto, sob pena de se configurar abuso daquele direito, violando o valor social do trabalho (...)’ (NT 1/2022 Coordigualdade/MPT). Afinal: ‘A liberdade de expressão não pode ser usada para a prática de atividades ilícitas ou discursos de ódio, contra a democracia ou contra as instituições.’ [AP 1.044, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 20-4-2022, P, DJE de 23-6-2022.]. Tampouco se admitem manobras pelo discurso do medo, pois quer ‘seja usada como substantivo, verbo, advérbio ou adjetivo’ seu uso impacta ‘a consciência simbólica e a expectativa de que o perigo e o risco são uma característica central do ambiente eficaz’, produzindo sim forma de controle. Isso porque o ‘uso do medo é consistente com a cultura popular orientada para a prossecução de um ‘enquadramento problemático’ e de formatos de entretenimento, que também têm implicações sociais para a política social e para a dependência de agentes formais de controle social’ (Tradução livre. BURKE, E. apud ALHTEIDE; MICHALOWSKI. Fear in the news: a discourse of control . Universidade do Arizona. The Sociological Quarterly. Vol. 40, 3 (Summer, 1999), pp. 475-503 (29 pages ) - https://www.jstor.org/stable/4121338). Outrossim, o Tribunal de origem consignou : «incontroverso que, com uso de papel timbrado da cooperativa ré (logomarca e endereço) e valendo-se da respeitabilidade do seu cargo de Diretor Presidente da Cooperativa ré, o subscritor do documento de id. a12f5d6 (fl. 99) divulgou carta aberta, na qual destaca uma série de medos e receios quanto aos riscos desastrosos caso não eleito o seu candidato presidencial. Ademais, constatou a Corte Regional: «Em alinhamento com a prova documental, extrai-se da entrevista veiculada pela ‘Rádio Lar Cooperativa’, que ‘o mesmo Diretor Presidente utiliza o meio de comunicação interno da empresa’; e «Emerge do conteúdo dessa entrevista não apenas a indignação do Diretor Presidente da cooperativa com o resultado das eleições no primeiro turno, mas claro constrangimento a quem produziu o resultado ao afirmar que referido ‘candidato ladrão’ [chamando pelo seu nome] foi o mais votado nas prisões, que ele defende o aborto e a criação do ‘ministério dos povos originários’, havendo riscos, para a cooperativa, ‘de sermos impedidos de exportar. Ainda, ressaltou-se no acórdão: «emerge das provas documentais e da supracitada gravação do programa de rádio que não houve mero exercício da liberdade da expressão pessoal pelo Diretor Presidente da ré. A atitude do Presidente da Cooperativa se operava como líder local que era e é há anos nessa região do oeste paranaense; e «a atitude do Presidente da Cooperativa evidencia nítido intento de controle social e não de conscientização de seus trabalhadores. Buscava sim disciplinar corpos para direcionar votos, instigando medos diversos, como o risco de desemprego que haveria ao anunciar possibilidade de fechamento de postos de trabalho, caso não reeleito o presidente com mandato vigente em 2022. A metodologia produz efeitos coercitivos na comunidade e afeta a psique de trabalhadores, caracterizando abuso do poder diretivo e abuso da liberdade de expressão na medida que visa a indução do voto a determinado candidato. Ao final, a Corte de origem concluiu: «O cenário produziu ato de discriminação patronal e violou direitos constitucionalmente assegurados (arts. 3º, IV, 4º, II, 5º, XLI, 7º, XXX, da CF/88). A incitação feita também é capaz de instigar atos de discriminação entre pares, formulando elementos não apenas de assédio moral eleitoral vertical como propiciando um cenário estrutural, deletério à organização e à comunidade; e «O ato ilícito perpetrado (CCB, art. 186 e CCB, art. 187) violou direitos constitucionalmente assegurados (arts. 1º e V, 5º, VI e VIII, e, 14, da CF/88) e internacionalmente garantidos (art. 25 PIDCP/ONU, art. 13.1 e 13.5 da CADH, art. I, ‘a’ da Convenção 111 da OIT, Recomendação 206 e Convenção 190 da OIT), capazes de caracterizar o assédio moral à coletividade, sob o vértice eleitoral de que trata o art. 2º da Res. CSJT 355/2023. Configurado o ilícito trabalhista denunciado pelo MPT. A questão jurídica central diz respeito à indenização por danos morais coletivos em face do comportamento abusivo, intencional e ilegal da ré, objetivando finalidade ilícita, qual seja, de manipular, orientar ou direcionar o voto dos seus empregados, causando nítido constrangimento. Nos termos do Acordo de Cooperação Técnica 13/2023 celebrado entre o Tribunal Superior Eleitoral e o Ministério Público do Trabalho, o assédio eleitoral é definido como «qualquer ato que represente uma conduta abusiva por parte das empregadoras e dos empregadores que atente contra a dignidade do trabalhador, submetendo-o a constrangimentos e humilhações, com a finalidade de obter o engajamento objetivo da vítima em relação a determinadas práticas ou comportamentos de natureza política durante o pleito eleitoral, caracterizando ilegítima interferência nas orientações pessoais, políticas, filosóficas ou eleitorais das trabalhadoras e dos trabalhadores". Por sua vez os CE, art. 299 e CE, art. 301 tipificam como crimes a concessão ou promessa de benefício ou vantagem em troca do voto, bem como o uso de violência ou ameaça com o intuito de coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato. A Resolução 23.735 do Tribunal Superior Eleitoral, de 27 de fevereiro de 2024, trata sobre o abuso do poder econômico e estabelece em seu art. 6º, §5º: «O uso de estrutura empresarial para constranger ou coagir pessoas empregadas, funcionárias ou trabalhadoras, aproveitando-se de sua dependência econômica, com vistas à obtenção de vantagem eleitoral, pode configurar abuso do poder econômico . Ressalte-se que, no âmbito das relações de trabalho, a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho dispõe, em seu art. 1º, esclarecimentos sobre o termo «discriminação: «1. Para os fins desta Convenção, o termo ‘discriminação’ inclui: a) toda distinção, exclusão ou preferência, feita com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito anular ou impedir a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou na ocupação; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou impedir a igualdade de oportunidades ou tratamento no emprego ou na ocupação, conforme pode ser definido pelo Membro em questão, após consultar organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, se as houver, e outros organismos convenientes. (grifos acrescidos). Registre-se que a Convenção 190 da OIT dispõe sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho e define, em seu artigo primeiro, que a referida expressão como: «uma série de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças desses, seja uma única ocorrência ou repetida, que visam, resultam ou podem resultar em danos físicos, psicológicos, sexuais ou econômicos, e inclui violência e assédio de gênero". Ainda, o art. 13 da CADH - Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) disciplina: «art. 13. Liberdade de pensamento e de expressão. 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no, precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no, 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência . Acerca da definição do assédio eleitoral, ensina Maurício Godinho Delgado que não se torna necessária a reiteração da conduta (embora tal reiteração possa tornar a infração ainda mais grave), ou seja, basta a simples verificação do ato singular de interferência do empregador na vontade ou escolha política ou eleitoral dos indivíduos sob seu comando ou influência para compor essa infração política, cívica e também trabalhista. Logo, o referido assédio nas relações de trabalho configura ato ilícito trabalhista, porque representa a tentativa da empregadora, por ato único ou reiterado, intencional ou não, de conquistar votos dos empregados, por intermédio de imposição de suas preferências e convicções políticas e mediante a utilização de mecanismos da estrutura empresarial no condicionamento. Frise-se, por oportuno, que a empresa deve propiciar aos trabalhadores o meio ambiente laboral sadio, isto é, não pode permitir que seu preposto defina ou influencie os trabalhadores a votarem em seu candidato de preferência. Portanto, não se deve tolerar nenhum tipo de assédio eleitoral no trabalho, como no caso, por meio de carta aberta do Diretor Presidente da Cooperativa ré, na qual ele destaca uma série de medos e receios quanto aos riscos tido por ele como desastrosos caso não eleito seu candidato à eleição presidencial, ação que foi reiterada na entrevista veiculada pela «Rádio Lar Cooperativa. Esses atos configuram claro abuso do poder econômico patronal, por meio de ameaça de prejuízo ao emprego ou às condições de trabalho, com o objetivo de manipular o voto dos trabalhadores. Com isso, ficou comprovado nos autos que a empregadora, representada por seu Diretor Presidente, praticou conduta ilícita trabalhista com o intuito de influenciar ou manipular os votos de seus empregados na eleição presidencial do ano de 2022. Não há dúvidas, portanto, da ocorrência da nefasta prática de constrangimento dos empregados, ainda que de forma indireta, ao voto em determinado candidato, o que atenta contra a democracia na medida em que viola, a mais não poder, o direito à participação democrática na escolha livre e consciente, a fim de atender o princípio maior contido no parágrafo único da CF/88, art. 1º: «todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. O dano causado à sociedade há de ser reparado. Houve claro abuso do poder econômico, materializado no exercício abusivo do poder diretivo no âmbito da execução do contrato de trabalho, o qual provoca desequilíbrio na disputa livre e deve ser reprimido com rigor, pois, no fundo, está em jogo a própria existência do Estado Democrático de Direito. Ainda, no que diz respeito aos danos morais coletivos, eles se caracterizam pela violação de direitos de certa coletividade ou ofensa aos valores que lhes são inerentes. Constitui, assim, instituto jurídico que objetiva a tutela de direitos e interesses transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), os quais, quando violados, também reclamam responsabilidade civil. No caso em análise, exsurge como interesse coletivo a ser tutelado o respeito às liberdades individuais, na centralidade dos debates sobre direito ao voto livre e informado. Isso porque o poder diretivo patronal não deve se projetar sobre as liberdades individuais dos trabalhadores referentes à convicção política. Na hipótese, a coletividade encontra-se representada pelo grupo de empregados da ré, cujos direitos trabalhistas não foram inteiramente assegurados, na medida em que a prática de assédio eleitoral pela ré foi constatada nos autos, que teve a finalidade de influenciar determinado pleito ou resultado eleitoral, e, por isso, ocorreu dentro do lapso temporal que abrangeu todos os atos vinculados a esse pleito. Tal constatação já demonstrou o descumprimento de direitos fundamentais assegurados, pela Carta Magna, aos trabalhadores, a ensejar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos. É certo que essa prática não pode ser opção, tampouco merece ser tolerada pelo Poder Judiciário. O assédio eleitoral praticado pela empresa acarretou lesão a vários direitos e liberdades fundamentais previstos na CF/88, sobretudo o do Estado Democrático de Direito; dignidade da pessoa humana; valor social do trabalho, liberdade de expressão; pluralismo político; liberdade de consciência; e de convicção política, previstos nos arts. 1º, caput, III, IV e V, e parágrafo único, e 5º, caput e VI e VIII. A caracterização dos danos morais coletivos dispensa a prova do efetivo prejuízo financeiro ou do dano psíquico dele decorrente, pois a lesão decorre da própria conduta ilícita, configurada pela prática do assédio eleitoral. Caracterizada a lesão a direitos e interesses transindividuais, relativa à interferência da ré na liberdade de orientação política dos seus empregados e no direito ao voto livre, sejam quais forem as opiniões e as preferências políticas, tem-se por configurada a ofensa a patrimônio jurídico da coletividade, que necessita ser recomposto. Desse modo, deve ser mantida a condenação da ré ao pagamento de reparação por danos morais coletivos, diante da comprovação da prática de assédio eleitoral pela ré. Assim, mantém-se incólume a decisão regional. Agravo interno conhecido e não provido. 2. DANOS MORAIS COLETIVOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. ARBITRAMENTO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. Ainda que se busque criar parâmetros norteadores para a conduta do julgador, certo é que não se pode elaborar uma tabela de referência para a reparação do dano moral. A lesão e a reparação precisam ser avaliadas caso a caso, a partir de suas peculiaridades. Isso porque, na forma prevista no caput do CCB, art. 944, «A indenização mede-se pela extensão do dano". O que se há de reparar é o próprio dano em si e as repercussões dele decorrentes na esfera jurídica do ofendido. Na hipótese, o Tribunal Regional asseverou: «houve violação grave a livre convicção de voto dos empregados e prestadores de serviço, o que por sua vez viola princípios garantidores do Estado Democrático de Direito, atingindo toda a sociedade, sendo, portanto, o fato gravíssimo. Ademais, registrou: «É fato notório, ainda, que a ré é uma das maiores cooperativas do Estado, movimentando bilhões anualmente. Assim, concluiu: «Considerando a natureza da ilicitude cometida pela ré, a sua situação econômica, o grau de reprovação social da conduta, o caráter pedagógico da medida, os ditames do art. 944 do CC e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, entendo adequado o valor arbitrado (R$ 500.000,00). Não obstante tenha reservas pessoais quanto à utilização de critérios patrimonialistas calcados na condição pessoal da vítima e na capacidade econômica do ofensor para a quantificação do dano moral, verifica-se que o valor arbitrado pela Corte de origem mostra-se proporcional à própria extensão dos danos morais coletivos, decorrentes da grave ilicitude cometida pela ré. A única exceção à reparação que contemple toda a extensão do dano está descrita no parágrafo único do art. 944, já referido. Todavia, constitui autorização legislativa para a redução equitativa em razão do grau de culpa do ofensor, o que não se constatada na demanda. Ademais, em regra, a intervenção desta Corte para reduzir ou aumentar o valor da indenização por danos morais apenas se mostra possível nas situações em que o quantum arbitrado pelo acórdão regional se mostrar irrisório ou exorbitante. Não é o caso. Logo, considerando a condenação da ré ao pagamento de reparação por danos morais coletivos decorrentes da prática de assédio eleitoral, e diante da avaliação dos critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, bem como do caráter pedagógico da medida; e da gravidade da infração cometida; correta a condenação ao pagamento da indenização no valor de R$ 500.000,00, por considerar que se afigura adequado e em consonância com os princípios consignados. Dessa forma, não se há de falar em afronta à literalidade dos artigos apontados. Agravo interno conhecido e não provido.... ()

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