Jurisprudência Selecionada
1 - STF Ação direita de inconstitucionalidade por omissão. Omissão inconstitucional da União quanto à implementação das prestações normativas e materiais de proteção da área compreendida como Amazônia Legal. O inadimplemento dos deveres constitucionais de tutela do meio ambiente pela União Federal, materializado na ausência de políticas públicas adequadas para a proteção da Amazônia Legal e na desestruturação institucional das formuladas em períodos antecedentes, configura estado normativo desestruturante e desestruturado em matéria ambiental na região. Omissão normativa quanto às obrigações referentes à ativação do Fundo Amazônia, cuja causa principal consiste na extinção dos mecanismos normativos essenciais para a gestão do Fundo. A consequência da paralisação do Fundo Amazônia consiste na suspensão dos ativos financeiros doados, atualmente na ordem de mais de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais), fato que impossibilita a contratação de projetos voltados às ações de prevenção, combate e controle do desmatamento na Amazônia Legal. Classificação do Fundo Amazônia como instrumento de política pública financeira necessária ao adimplemento dos deveres de proteção ao meio ambiente na região da Amazônia Legal. Vedação do retrocesso em tutela ambiental. Procedência parcial dos pedidos.
1. A controvérsia constitucional objeto da deliberação do Supremo Tribunal Federal é um dos temas jurídicos e sociais mais relevantes da atualidade, tanto na perspectiva nacional quanto internacional. A questão subjacente à controvérsia assume caráter humanitário, cultural e econômico de abrangente impacto na tessitura social e na estrutura constitucional, notadamente no núcleo normativo do art. 225, caput, §§ 1º e 4º, da CF/88. 2. O comportamento omissivo de desrespeito à Constituição por parte dos Poderes Públicos, seja legislador, administrador ou jurisdicional, produz como resultado quadro de inexistência de tutela dos direitos fundamentais e do arcabouço normativo constitucional ou de insuficiência no adimplemento dos deveres fundamentais de proteção. 3. O como concretizar os direitos fundamentais integra o espaço de conformação prática dos Poderes Públicos, em especial do Legislativo e do Executivo. Todavia, a liberdade decisória inerente à formulação da política normativa tem como vetor de atuação o dever de tutela dos direitos fundamentais. A proteção não é discricionária, mas sim as formas de sua implementação, desde que observado o postulado da proporcionalidade em sua dupla face proibitiva: do excesso da intervenção na esfera de proteção de direitos fundamentais e da insuficiência de sua tutela. 4. Os pedidos como formulados no sentido da adoção de providências administrativas enquadram-se na categoria de prestações normativas e fáticas derivadas da estrutura e necessidades da órbita de proteção do direito fundamental alegado. 5. A audiência pública produziu aportes informativos e argumentativos essenciais, com esclarecimentos de questões fáticas e jurídicas necessárias para a contextualização e elucidação do problema posto. 6. O quadro normativo e fático da Amazônia Legal traduz a realidade de um autêntico estado de coisas inconstitucional na Amazônia Legal, a revelar um cenário de tutela insuficiente e deficiente dos biomas patrimônios nacionais por parte do Estado brasileiro. 7. O retrato contemporâneo da Amazônia Legal não responde aos deveres de tutela assumidos pelo Estado constitucional brasileiro, expressamente desenhado no art. 225 da Constituição e na arquitetura legislativa, como prescreve a Lei 12.187/2009, que instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC. Tampouco responde à normativa internacional, devidamente ratificada e promulgada pelo Estado brasileiro, a demonstrar seu comprometimento político e jurídico com a centralidade e importância da tutela do meio ambiente, em particular a proteção contra o desmatamento e as mudanças climáticas, a saber a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas de 1992 (Decreto 2.652 de 01 de julho de 1998); o Protocolo de Kyoto, de 2005 (Decreto 5.445 de 12 de maio de 2015); e o Acordo de Paris, aprovado no final de 2015 e em vigor desde 2016 (Decreto 9.073, de 05 de junho de 2017). 8. A importância e a centralidade do Fundo Amazônia, como principal política pública financeira em vigor de apoio às ações de prevenção, controle e combate ao desmatamento, conservação das florestas e desenvolvimento sustentável, restou comprovada. Nesse sentido, os resultados fáticos obtidos com a implementação do PPCDAm e os depoimentos das organizações não-governamentais, dos secretários de Estado do Meio Ambiente, dos entes federados da Amazônia Legal e dos órgãos de controle e fiscalização envolvidos. Todavia, a centralidade do Fundo Amazônia como política pública financeira não significa inércia estatal, inclusive dos entes subnacionais, em formular outros instrumentos financeiros necessários ao financiamento das ações e planos de concretização da tutela do meio ambiente. Não é compatível com o modelo de federalismo cooperativo, em matéria ambiental, e com a normativa climática, a exclusividade de atuação da União Federal. Aos Estados igualmente compete concretizar objetivos de tutela dos seus biomas por meio de apresentação de resultados suficientes de redução do desmatamento para lograr políticas financeiras alternativas. 9. A alteração na governança do Fundo Amazônia, com a extinção dos seus comitês, Comitê Orientador - COFA e Comitê Técnico-científico - CTFA, por meio da edição dos Decretos 9759/2019, 10.144/2020 e 10.223/2020, acarretou a suspensão da avaliação e aprovação de novos projetos no âmbito do Fundo e, por conseguinte, da aplicação dos recursos disponíveis em caixa. Coube apenas, em termos de operação do Fundo, a continuidade de execução dos projetos aprovados anteriormente. 10. Da leitura e interpretação da CF/88, art. 225, fundamento normativo do Estado de Direito e da governança ambiental, infere-se estrutura jurídica complexa decomposta em duas direções normativas. A primeira, voltada ao direito fundamental, e a segunda relacionada aos deveres de proteção de responsabilidade dos poderes constituídos, atores públicos e da sociedade civil. 11. A omissão inconstitucional configurada reside no comportamento comissivo do administrador, que instaurou marco normativo desestruturante do antecedente, sem as salvaguardas jurídicas necessárias para a manutenção de um quadro mínimo de adimplemento dos deveres de proteção ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, mais especificamente de proteção dos patrimônios nacionais, tal como categorizados pelo art. §4º da CF/88, art. 225, e de cumprimento das obrigações climáticas firmadas. 12. Apresenta-se, como medida jurisdicional adequada para a solução do problema posto, a invalidação dos dispositivos normativos que alteraram o modelo de governança do Fundo Amazônia. Como consequência, cabe à União tomar as providências administrativas necessárias para a reativação do Fundo, no que lhe compete. 13. A omissão inconstitucional do Poder Executivo no que diz respeito ao funcionamento da política pública do Fundo Amazônia traz consequências em distintas atividades e operações do seu funcionamento, como recebimento de novos recursos, análise de novos projetos a serem financiados com valores já recebidos, em resposta aos resultados obtidos pelo Estado brasileiro na redução do desmatamento em momentos anteriores. 14. As providências administrativas relacionadas as atividades de operação do Fundo é de competência do BNDES, responsável e gestor do Fundo. Por esse motivo, os pedidos b), c), d) e) formulados na inicial carecem de respaldo jurídico, porquanto fora da competência da União Federal e da abordagem constitucional desta demanda. O pedido de declaração de inconstitucionalidade do Decreto 10.223/2020, art. 1º, CCII, no ponto em que extinguiu o Comitê Orientador do Fundo Amazônia, foi resolvido no julgamento da ADPF 651, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, quando o Tribunal, ao deferir o aditamento à inicial, declarou sua inconstitucionalidade. 15. Procedência dos pedidos «a e «f para (i) declarar a inconstitucionalidade do Decreto 10.144/2019, art. 12, II e do Decreto 9.759/2019, art. 1º, no que se refere aos colegiados instituídos pelo Decreto 6.527/2008; e (ii) determinar à União Federal que, no prazo de sessenta dias, tome as providências administrativas necessárias para a reativação do Fundo Amazônia, dentro e nos limites das suas competências, com o formato de governança estabelecido no Decreto 6.527/2008. 16. Ação direta julgada parcialmente procedente.... ()
(Íntegra e dados do acórdão exclusivo para clientes)
Plano mensal por R$ 19,90 veja outros planos
Cadastre-se e adquira seu pacote