Jurisprudência Selecionada
1 - TJPR DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE DETERMINOU O FORNECIMENTO DE «CBD: THC (D8) CANABIDIOL 1000MG. TRATAMENTO DE FIBROMIALGIA. INSURGÊNCIA DO ESTADO DO PARANÁ. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO. CASO QUE NÃO SE ENQUADRA NA LEI PÉTALA. NECESSIDADE DE INCLUSÃO DA UNIÃO NO POLO PASSIVO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRELIMINAR ACOLHIDA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. CASO EM EXAME 1.1 O
Estado do Paraná interpõe recurso alegando a incompetência da Justiça Estadual, sustentando a necessidade de inclusão da União no polo passivo, dada a ausência de registro do produto junto à Anvisa e a competência federal para sua regulamentação, nos termos da RDC 327/2019 e da Lei 9.782/1999. Fundamenta nos Temas 6 e 1234 do STF para afirmar que não foram demonstradas a eficácia, segurança e imprescindibilidade do tratamento à luz da medicina baseada em evidências, sendo a simples prescrição médica insuficiente para justificar o fornecimento judicial. Aponta a existência de alternativas terapêuticas no SUS e os riscos de concessão de tratamento sem respaldo técnico-científico. Requer, liminarmente, a suspensão da decisão agravada e, no mérito, sua revogação, com a remessa dos autos à Justiça Federal.1.2 O recurso foi recebido com o efeito suspensivo.1.3 Nas contrarrazões, a parte agravada requer o desprovimento do agravo e a manutenção da liminar, sustentando que a decisão foi proferida com base em prova documental robusta e nos princípios da dignidade da pessoa humana e do direito à saúde. Rebate a alegação de incompetência da Justiça Estadual, destacando a solidariedade dos entes federativos no dever de fornecimento de medicamentos. Defende que a ausência de registro na Anvisa não impede a concessão judicial do canabidiol, desde que haja autorização de importação, conforme o Tema 1161 do STF. Ressalta que o medicamento foi prescrito por profissional habilitado, que não houve resposta aos fármacos disponíveis no SUS e que estão preenchidos os requisitos fixados pelo STF e STJ para a concessão judicial. Por fim, afirma que eventual ressarcimento entre os entes federativos deve ser discutido em ação própria.1.4 A Procuradoria de Justiça apresentou parecer pelo conhecimento e desprovimento do recurso, ao sustentar que a competência para o julgamento da demanda é da Justiça Estadual e que estão devidamente preenchidos os requisitos legais e jurisprudenciais para a concessão do tratamento pleiteado em favor da paciente. 2. QUESTÕES EM DISCUSSÃO2.1 Analisar se o caso em questão exige a inclusão da União no polo passivo, por envolver matéria de regulação sanitária federal, com a necessidade de remessa do feito à Justiça Federal. 2.2 Verificar em quais hipóteses o Estado do Paraná deve fornecer produto à base de canabidiol, com base na Lei Estadual 21.364/2023 (Lei Pétala), e qual a Justiça competente para seu julgamento. 3. RAZÕES DE DECIDIR3.1 No caso em análise, o Estado do Paraná interpõe recurso contra decisão liminar que determinou o fornecimento de produto à base de canabidiol à parte autora, diagnosticada com fibromialgia (CID 10 M79.7). Dentre as pretensões recursais, destaca-se o pedido de remessa dos autos à Justiça Federal, sob o argumento de que a controvérsia demanda a inclusão da União no polo passivo da demanda.3.2 A Resolução de Diretoria Colegiada - RDC 660/2022, da ANVISA, define os critérios e os procedimentos para a importação de produtos derivados de cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. 3.3 Já a RDC 327/2019, da ANVISA, dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de cannabis para fins medicinais, e dá outras providências. 3.4 Inicialmente, deve-se fazer a distinção entre os regimes regulatórios estabelecidos por essas duas normas: a RDC 327/2019 instituiu um modelo transitório, com a previsão de que os produtos de cannabis sejam regularizados como medicamentos até o vencimento da Autorização Sanitária. Para a concessão da Autorização Sanitária, a ANVISA exige da empresa solicitante Certificado de Boas Práticas de Fabricação, de Distribuição e Armazenamento, além do controle de qualidade e diversas regras para garantir a segurança do produto. A RDC 660/2022, por sua vez, trata de autorização excepcional e precária, sem avaliação técnica da ANVISA, destinada apenas ao uso pessoal e mediante responsabilidade do paciente e do médico assistente. 3.5 Há atualmente apenas um medicamento à base de canabidiol registrado na ANVISA, que passou por toda a análise de eficácia, acurácia, segurança, próprios do procedimento de registro de medicamento. Todos os demais são considerados produtos de cannabis enquanto não passarem pelo procedimento de registro sanitário da ANVISA.3.6 A Lei Estadual 21.364/2023 (Lei Pétala), regulamentada pelo Decreto Estadual 4.977/2024 e alterada pelo Decreto 10.222/2025, condiciona o fornecimento de medicamentos e produtos à base de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) pelo Estado do Paraná a duas hipóteses específicas e taxativas: (i) fornecimento de medicamentos devidamente registrados na ANVISA, conforme previsto no Decreto 4.977/2024, art. 1º; e (ii) fornecimento excepcional de medicamentos contendo canabidiol com registro em agências reguladoras estrangeiras, desde que destinados ao tratamento das síndromes de Lennox-Gastaut, Dravet ou Complexo de Esclerose Tuberosa, com autorização sanitária vigente da ANVISA nos termos da RDC 327/2019, e com autorização individual de importação concedida ao paciente, nos moldes da RDC 660/2022, conforme dispõe o Decreto 4.977/2024, art. 2º, com redação dada pelo Decreto 10.222/2025. Em ambas as hipóteses, o paciente deverá apresentar, ainda, a documentação exigida no art. 1º da Lei Pétala para análise do pedido, consistente em laudo médico com CID e justificativa, declaração sobre evidências científicas comprovando a eficácia do produto para a enfermidade tratada e prescrição médica formal detalhada.3.7 Deve ser levado em consideração o impacto da judicialização crescente sobre o tema, com dados que evidenciam o aumento expressivo de ações judiciais e ordens de fornecimento de produtos à base de canabidiol. Tal cenário impõe a necessidade de rigor técnico na definição da competência e na delimitação objetiva da participação da União nas ações que envolvam regulação sanitária federal. Tal delimitação visa garantir a segurança jurídica, a previsibilidade administrativa e o respeito à repartição constitucional de competências. 3.8 Logo, a competência da Justiça Estadual do Paraná, quando envolver fornecimento de medicamentos ou produtos à base de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), poderá ser reconhecida quando o pedido esteja integralmente amparado na Lei 21.364/2023 (Lei Pétala) e em seus decretos regulamentadores (Decretos 4.977/2024 e 10.222/2025). Isso ocorrerá quando a pretensão for dirigida exclusivamente ao Estado do Paraná e envolver: (i) medicamento devidamente registrado na ANVISA (art. 1º do Decreto 4.977 /2024); ou (ii) produto com registro em agência reguladora estrangeira, com autorização sanitária vigente da ANVISA nos termos da RDC 327/2019, e com autorização individual de importação concedida ao paciente nos moldes da RDC 660/2022, e desde que a indicação terapêutica esteja limitada a uma das três doenças expressamente previstas no art. 2º do Decreto. Em ambas as hipóteses, é imprescindível a apresentação da documentação exigida no art. 1º da Lei Pétala para análise do pedido. 3.9 Quando o produto não possuir registro sanitário ou autorização sanitária da ANVISA (RDC 327/2019), ou possuir apenas autorização individual de importação (RDC 660/2022), ou quando o pedido extrapolar os limites da política pública estadual, a competência será da Justiça Federal, com inclusão obrigatória da União no polo passivo, nos termos do CF, art. 109, I/88 e em consonância com o Tema 500 do STF, conforme decisão no Conflito de Competência 209.648/SC, Min. Afrânio Vilela, 1ª Seção, DJe 10 /06/25. 3.10 No caso concreto, a parte autora, ora agravada, pleiteia o fornecimento, pelo Estado do Paraná, de «CBD:THC (D8) Canabidiol 1000mg, para o tratamento de fibromialgia. Considerando que o pedido envolve substância à base de canabidiol ainda não registrada na Anvisa, e que não se enquadra nas hipóteses expressamente previstas na Lei Estadual 21.364/2023 (Lei Pétala), a controvérsia assume contornos de competência federal, por envolver a necessidade de análise quanto à regulamentação sanitária e ao controle exercido pela União, por meio da Anvisa. 3.11 Nessa linha, aplica-se o entendimento consolidado na Súmula 150/STJ, segundo o qual «compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique que a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas. Assim, reconhecida a necessidade de inclusão da União no polo passivo, impõe-se o acolhimento da preliminar, com a consequente remessa dos autos à Justiça Federal, nos termos do CF, art. 109, I.4. DISPOSITIVO E TESE4.1 Recurso de Agravo Interno CONHECIDO e PARCIALMENTE PROVIDO para acolher a preliminar do Estado do Paraná e determinar a inclusão da União no polo passivo da demanda, com a remessa dos autos à Justiça Federal.4.2 Tese de julgamento: «O fornecimento de produto à base de canabidiol ou canbidiol mais tetrahidrocanabinol, desprovido de registro sanitário ou de autorização sanitária concedida nos moldes da RDC 327/2019, e fundamentado exclusivamente em autorização individual de importação pela ANVISA (RDC 660/2022), sem enquadramento nas hipóteses taxativas previstas na Lei Estadual 21.364/2023 (Lei Pétala) e nos Decretos 4.977 /2024 e 10.222/2025, exige a inclusão da União no polo passivo, atraindo a competência da Justiça Federal, nos termos do CF, art. 109, I/88 e da orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 500 da Repercussão Geral.Dispositivos relevantes citados: CF/88, art. 109, I; Lei 6.360/1976; RDC 327/2019; RDC 660/2022; Lei Estadual 21.364 /2023; Decretos Estadual 4.977/2024; Decreto Estadual 10.222/2025. Jurisprudência relevante: Conflito de Competência 209.648/SC, Min. Afrânio Vilela, 1ª Seção, DJe 10/06/25.... ()
(Íntegra e dados do acórdão exclusivo para clientes)
Plano mensal por R$ 19,90 veja outros planos
Cadastre-se e adquira seu pacote