Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 862.9974.0482.5455

1 - TJRJ RECURSOS DE APELAÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. FORNECIMENTO DE ÁGUA. COBRANÇA INDEVIDA POR DÉBITOS PRETÉRITOS. INTERRUPÇÃO DE SERVIÇO ESSENCIAL. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MAJORADO. EXECUÇÃO DE MULTAS COERCITIVAS. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

A controvérsia recursal reside na análise da licitude da conduta da concessionária em condicionar o fornecimento de serviço essencial e a alteração de titularidade da conta de fornecimento de água ao pagamento de débitos pretéritos de terceiro, bem como na apuração da extensão dos danos morais causados pela interrupção do serviço e pela negativação indevida do nome da consumidora, e, por fim, na exigibilidade das multas coercitivas acumuladas em razão do descumprimento das ordens judiciais. Cogente a incidência do Código do Consumidor, com todos seus consectários legais, uma vez que a empresa ré nitidamente insere-se no conceito de fornecedor, consagrado no seu art. 3. Por essa razão, cabia à ré comprovar que não houve falha na prestação do serviço, o que efetivamente não ocorreu. Com efeito, na hipótese dos autos, caberia à concessionária a produção de prova que comprovasse que o débito era de responsabilidade da parte autora, ou que a interrupção no fornecimento de água e a negativação do nome da consumidora decorreram de causa legítima, o que não se verificou. A recorrente Águas do Rio argumenta que a parte autora não teria apresentado a documentação necessária para a alteração de titularidade, o que justificaria as cobranças e a impossibilidade de fornecimento regular do serviço. Contudo, essa alegação não prospera. A obrigação de pagar por serviços de fornecimento de água possui natureza pessoal, e não propter rem, vinculando-se àquele que efetivamente usufruiu do serviço. O STJ e este Egrégio Tribunal de Justiça têm entendimento pacificado nesse sentido, sendo ilícita a conduta da concessionária que condiciona a prestação do serviço essencial à quitação de débitos de terceiros (STJ - AgRg no AREsp: 613542 SP 2014/0283510-5, Relator: Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, Data de Publicação: DJe 19/08/2015). Ademais, a autora comprovou sua boa-fé e a posse do imóvel por meio de documentos acostados aos autos, tal qual o seu termo de compra e venda, bem como o pedido de troca de titularidade da conta. A exigência de quitação de dívidas de terceiros como condição para a instalação do hidrômetro e o fornecimento de água configura prática abusiva, em manifesta violação ao disposto no CDC, art. 22, que impõe a continuidade dos serviços essenciais. A interrupção do fornecimento de água por um longo período (mais de dez meses, consoante manifestação da consumidora nos autos), configura falha grave na prestação do serviço. Restou, assim, evidente que houve falha da empresa ré na prestação do serviço essencial de fornecimento de água, ao condicionar a regularização e a continuidade do serviço ao pagamento de débitos pretéritos de terceiro, resultando na privação do acesso à água por longo período e na indevida negativação do nome da consumidora. No que tange à indenização por danos morais, não há como negar estarem presentes os elementos a justificar a responsabilização civil, quais sejam, ação em sentido amplo, nexo causal e prejuízo, tendo a empresa ré falhado na prestação do serviço, restando inequívoco o dano moral sofrido. Na hipótese dos autos, verifica-se que a ré agiu em desconformidade com as normas consumeristas e a jurisprudência consolidada. O dano moral, portanto, decorre da enganosidade da postura da concessionária de condicionar o fornecimento de serviço essencial ao pagamento de débitos propter personam de responsabilidade de terceiro, bem como pela indevida restrição de crédito e prolongada privação do acesso à água, que impactou diretamente a dignidade e bem-estar da autora e sua família. Logo, restando comprovado que a parte autora foi surpreendida com cobrança que não refletia o seu real consumo, não teve prestado regular fornecimento de água em sua residência e ainda teve seu nome negativado, é manifesta a ocorrência de danos morais. A inicial narra situação de enorme desconforto e excessivo descaso da ré, que, promoveu cobranças indevidas. O descaso da concessionária com o consumidor, ainda mais se considerarmos a essencialidade do serviço, enseja uma adequada reprimenda. Nesse passo, considerando as circunstâncias do caso concreto, majoro a verba reparatória para R$ 10.000,00 (dez mil reais), patamar razoável e usualmente aplicado em casos semelhantes. Outrossim, quanto a multa diária arbitrada pelo juízo em sede de tutela provisória de urgência, tem-se que as astreintes, ou multas coercitivas, fixadas para compelir o devedor ao cumprimento de uma obrigação, possuem caráter predominantemente coercitivo, não se confundindo com sanção punitiva. Conforme o entendimento consolidado pelo STJ, especialmente após o julgamento do EAREsp. Acórdão/STJ, a multa vencida não pode ser reduzida, tornando-se definitiva uma vez que o prazo para o cumprimento da obrigação se esgotou. No presente caso, o longo período de descumprimento por parte da concessionária e a essencialidade do serviço demonstram a adequação do valor para fins de coerção e reparação, não se verificando manifesta desproporcionalidade que pudesse justificar a revisão da multa já consolidada. Assim, a recalcitrância da concessionária em cumprir as determinações judiciais por um período extenso, privando a consumidora de um serviço essencial, justifica a manutenção e execução das multas fixadas, sob pena de esvaziamento da força coercitiva do Poder Judiciário e afronta à efetividade jurisdicional. Recursos conhecidos. Desprovimento do recurso da parte ré e provimento do recurso da parte autora.... ()

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