Jurisprudência Selecionada
1 - TST AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO COM A FINALIDADE DE RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA.
Constata-se, no caso, que a pretensão do autor, consistente no reconhecimento de vínculo de emprego com a empresa UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. mais consectários daí decorrentes, está vinculada diretamente à relação de parceria laboral travada com o referido aplicativo de ativação por demanda de usuários. Dessa constatação emerge a competência da Justiça do Trabalho para dirimir a controvérsia, porquanto, independentemente do enquadramento jurídico do contrato firmado entre as partes, fato é que se trata de uma relação de trabalho. É importante compreender que a intermediação da mão de obra autônoma do prestador de serviços, no contexto das novas relações de trabalho, emerge como consequência do próprio desenvolvimento tecnológico eruptivo da revolução 4.0. Ou seja, as relações de trabalho operadas pelos novos meios tecnológicos, à parte de não configurarem em essência a relação jurídica de emprego prevista na CLT, não se afastam do cerne jurídico de uma relação de trabalho, qual seja, o retorno financeiro guiado pela parceria entre agente de mercado e agente de labor. No caso das relações entre o aplicativo e o motorista credenciado, tal parceria se desenvolve por meio de um princípio geral de distribuição equitativa de lucros, o que, apesar de ser aparentemente incompatível com a relação tradicional de emprego, está inequivocamente, quando menos, enquadrada no conceito de uma relação autônoma de trabalho fundada em parceria laboral com a empresa, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho. Tal relação de trabalho, ora intermediada por meios digitais inerentes às novas formas de engajamento laboral distintos do tradicional modelo nine-to-five (das nove às cinco) é, em verdade, uma dinâmica natural, que decorre do avanço da revolução 4.0, essencialmente tecnológica. O crepúsculo do modelo tradicional de emprego, portanto, coincide com a emergência das novas demandas de mercado, a partir da revolução 4.0, o que fomenta no seio da relação entre capital, labor e consumo um novo modo de intermediação da mão-de-obra, caracterizado pela aproximação digital entre o trabalhador e o mercado consumidor. Tal característica é marcante nas relações laborais em uma sociedade 5.0, focada no ser humano e na inventividade atrelada aos novos meios de trabalho. Nessa sociedade, que rejeita o modelo tradicional estático de engajamento laboral, abrindo-se às novas oportunidades de mercado, surge um espaço ainda pouco explorado para a promoção do progresso dignitário do trabalhador, o que se encontra atrelado à agenda de sustentabilidade socioambiental típica dos modelos ESG (Enviromental, Social and Governence) de gestão. Esses modelos disruptivos de intermediação de mão-de-obra, então, tangenciam a necessidade de fomento de boas práticas de mercado. Por conseguinte, tais práticas refletem o surgimento de novas formas de relação laboral. São modelos menos rígidos de trabalho, focados em parcerias produtivas de trabalho, tendentes à valorização das habilidades singulares dos parceiros laborais (e à maximização dos ganhos por critérios individuais de engajamento e retorno). Essas novas práticas laborais não deixam de ser ancoradas na função social que rege a capitalização das oportunidades pelo critério de livre iniciativa, já que no mesmo preceito constitucional em que se erige tal pilar como princípio fundante da República coabita a valorização social do trabalho (art. 1º, IV, da Constituição), sendo certo que ambos os aspectos da norma estão intimamente ligados em uma relação de trabalho digna e justa. De todo modo, o enquadramento jurídico dessas novas relações de trabalho é matéria essencialmente ligada à matriz histórica da função social exercida pela Justiça do Trabalho. Institucionalmente falando, é dizer, a expertise laboral não pode ser abandonada, como se se quisesse negar o histórico de efeitos da interpretação jurídica das Cortes trabalhistas. Por outro lado, o desafio de conferir singularidade e justeza a essas novas relações laborais impõe negar a tentação de simplesmente se acomodar as novas relações de parceira laboral na amalgama estática da relação de emprego celetista, pois isso tende a afastar tais causas judiciais da Justiça especializada, tal como se percebe de julgamentos monocráticos ainda esparsos no STF sobre o tema, mas que poderão se tornar dominantes, a depender do rumo das interpretações judiciais em torno de tais relações de parceria laboral. É preciso referir, quanto ao aspecto, que já há uma decisão monocrática do Min. Alexandre de Moraes reconhecendo a aderência deste tema com o precedente vinculante fixado pelo STF na ADC 48. Nesse sentido, nos autos da Reclamação 59.795, Publicada em 24/05/2023, o citado relator afirmou que: «a conclusão adotada pela decisão reclamada acabou por contrariar os resultados produzidos nos paradigmas invocados, a sugerir, consequentemente, o restabelecimento da autoridade desta CORTE quanto ao ponto. Realmente, a relação estabelecida entre o motorista de aplicativo e a plataforma reclamante mais se assemelha com a situação prevista na Lei 11.442/2007, do transportador autônomo, sendo aquele proprietário de vínculo próprio e que tem relação de natureza comercial.E, ao final da referida decisão, concluiu: «JULGO PROCEDENTE o pedido de forma sejam cassados os atos proferidos pela Justiça do Trabalho (Processo 0010140.79.2022.5.03.0110) e DETERMINO a remessa dos autos à Justiça Comum. Contudo, há também, após essa decisão, algumas outras decisões monocráticas no âmbito do STF negando o vínculo de emprego entre plataformas de aplicativo e motoristas, mas mantendo o processo originário de tais reclamações no âmbito de competência desta Justiça Especializada. A título de exemplo, cito dois julgados monocráticos proferidos pelo Ministro Luiz Fux nas Reclamações 59.404 e 61.267. Do primeiro, publicado em 29/09/2023, extrai-se a seguinte conclusão do relator: «ao reconhecer a relação de emprego no caso sub examine, o acórdão reclamado violou a autoridade da decisão proferida por esta Corte na ADPF 324.[...] Ex positis, JULGO PROCEDENTE a presente reclamação, para cassar o acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região nos autos do Processo 0010355-10.2021.5.03.0007, e determinar que outro seja proferido, observando-se a jurisprudência vinculante deste Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Do segundo, publicado em 28/09/2023, extrai-se conclusão análoga daquele relator: «ao reconhecer a relação de emprego no caso sub examine, o acórdão reclamado violou a autoridade da decisão proferida por esta Corte na ADPF 324.[...] Ex positis, JULGO PROCEDENTE a presente reclamação, para cassar o acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região nos autos do Processo 0010490-74.2022.5.03.0140, e determinar que outro seja proferido, observando-se a jurisprudência vinculante deste Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Por fim, é de se ressaltar que a própria temática de fundo sobre o reconhecimento de vínculo de emprego entre aplicativo e motoristas encontra-se sob o rito da repercussão geral naquela Suprema Corte. Trata-se do paradigma, pendente de apreciação, a ser julgado no Tema 1.291, o que bem ressaltou o Min. Dias Tóffoli ao negar seguimento à Reclamação 67.134. Portanto, mesmo após aquela decisão paradigmática do Ministro Alexandre de Moraes, secundada por outras aqui citadas, já há naquela Corte Suprema vozes que se levantam contra a aplicação imediata de outros precedentes vinculantes a casos desta natureza, que não o próprio precedente a ser fixado nos autos do Tema de Repercussão Geral 1.291. Tal tema de repercussão geral irá examinar exatamente a questão relativa ao: «Reconhecimento de vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital. Essa situação de instabilidade jurisprudencial induz este relator a concluir, pelo menos por ora, que é necessário manter tais causas judiciais no seio da Justiça do Trabalho. Aliás, tal medida de cautela atende à própria tradição judicial que aponta para a autoridade do histórico de efeitos dos direitos sociais, em enlace com a competência jurisdicional trabalhista. A Justiça do Trabalho ostenta no ordenamento jurídico pátrio um valioso repositório institucional de saber jurídico autorizado em matéria de direito do trabalho, o que inegavelmente possibilitará, acaso mantida a sua competência, promover um progresso civilizatório das relações de trabalho atento à necessidade de conformação social às novas relações digitais, que tendem a ressignificar os regimes de trabalho, por meio de modelos mais livres e descentralizados de engajamento laboral. Assim, conclui-se que, em que pese tais relações de trabalho inovadoras já não pertençam de modo inequívoco ao modelo de produção típico do século XX, forjado pelo emprego formal celetista, nem por isso estão fora do contexto de regulação estatal dos direitos sociais. Daí por que a sindicabilidade de direitos constitucionais nessas relações, entre eles o de livre disposição da força de trabalho pelo parceiro laboral, está imediatamente ligado à história institucional da narrativa dos direitos laborais, embora sob uma perspectiva dialeticamente aberta e nova. A novidade, aqui, é bem verdade, opera pela rejeição da simples redução do trabalho ao modelo empírico do emprego, mas, ainda assim, inserida no campo de atuação da Justiça do Trabalho. Apesar de o engajamento em plataformas de ativação por demanda de usuários não refletir todas as dimensões inovadoras do chamado «trabalho 5.0, até por ser um trabalho redundante a função de motorista, a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho dever ser reforçada, e não retirada, uma vez que nessas relações de intermediação a «matéria-prima labor permanece como objeto central do contrato firmado entre as partes. Ora, se até mesmo relações mais sofisticadas atraem a competência desta Justiça especializada, com maior razão tal competência deve ser reforçada nas relações firmadas entre parceiros laborais e agentes de mercado. Nessa nova forma de aproximação entre o trabalhador e as oportunidades de trabalho há uma semente inexorável da relação de trabalho lato sensu, cuja competência, à toda evidência, decorre do critério fixado pelo, IX da CF/88, art. 114. Tal dispositivo assevera ser competência desta Justiça especializada o exame de causas que versem sobre «outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. Sendo a relação de intermediação entre o agente de labor e a plataforma de serviço um autêntico contrato de parceria laboral, cuja origem do interesse comum é exatamente o agenciamento do trabalho de transporte pessoal fornecido a terceiros, não há como excluir da competência da Justiça do Trabalho o exame de controvérsia que envolva tais contratos entre aplicativos e seus fornecedores de serviço. Em termos simples, conclui-se que a relação contratual entre essa empresa e seus clientes é consumerista, ao passo que a sua relação com seus prestadores de serviço é uma relação de trabalho lato sensu, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para quaisquer controvérsias que se travem em torno da relação de parceria do trabalho firmada entre os trabalhadores credenciados e a plataforma de serviços. Precedente da 5ª Turma. Logo, merece reforma a decisão do Regional, com consequente remessa dos autos ao segundo grau, a fim de que prossiga no exame do recurso ordinário prejudicado em seus temas de fundo, como entender de direito. Agravo não provido.... ()
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