Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do valor residual garantido (VRG) quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais.
A tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (CPC/1973, art. 543-C, atualmente CPC/2015, art. 1.036), resolve controvérsia de grande relevância prática no âmbito do arrendamento mercantil (leasing financeiro). Estabeleceu-se que, na hipótese de resolução do contrato por inadimplemento do arrendatário e consequente reintegração de posse do bem ao arrendador, o valor residual garantido (VRG) antecipadamente quitado pode ser restituído ao arrendatário, desde que, somado ao valor obtido com a venda do bem, supere o total do VRG originalmente pactuado. O recebimento dessa diferença pelo arrendatário está condicionado ao abatimento de eventuais despesas ou encargos previstos em contrato.
A ratio decidendi reside na função econômico-social do contrato de leasing, na proteção do equilíbrio contratual e na vedação ao enriquecimento sem causa. O VRG possui natureza dúplice: serve tanto como valor mínimo a ser garantido ao arrendador em caso de não exercício da opção de compra, quanto como preço para eventual aquisição do bem pelo arrendatário. Sua restituição, porém, não é automática, devendo observar o resultado financeiro da venda do bem e as disposições contratuais.
A tese firmada pelo STJ orienta a uniformização da jurisprudência nacional acerca da restituição do VRG em contratos de arrendamento mercantil financeiro, especialmente em situações de inadimplemento e reintegração de posse. O entendimento evita desequilíbrios econômicos e distorções no mercado de leasing, resguardando tanto os interesses do arrendador — que deve receber ao menos o valor mínimo garantido do bem — quanto do arrendatário — que não poderá ser compelido a suportar prejuízos que excedam a garantia contratual, tampouco ser privado de valores pagos que ultrapassem o VRG originalmente ajustado.
Do ponto de vista prático, a decisão estimula a adimplência contratual e protege a boa-fé objetiva, ao passo que desincentiva o inadimplemento estratégico por parte do arrendatário e o enriquecimento sem causa do arrendador. O acórdão também reforça a importância da observância da função social do contrato e da necessidade de se respeitar a finalidade econômica do VRG no leasing financeiro, conferindo maior segurança jurídica às operações e previsibilidade às partes quanto à destinação dos valores pagos.
Para o futuro, a tese tende a impactar positivamente a estabilidade das relações contratuais de leasing, reduzindo litigiosidade sobre o tema e promovendo eficiência no sistema financeiro nacional. Ressalta-se, ainda, o relevante papel da cláusula contratual que pode prever descontos e deduções adicionais, conferindo flexibilidade à negociação privada, desde que não se afaste do núcleo do entendimento ora firmado pelo STJ.
O acórdão em análise enfrentou de modo técnico e aprofundado a natureza jurídica do VRG, superando antigas divergências e esclarecendo sua destinação em hipóteses de resolução contratual. A argumentação da maioria, lastreada em precedentes e doutrina, privilegiou a função social do contrato e o equilíbrio nas relações negociais, evitando tanto prejuízos ao arrendador (que pode não recuperar o valor investido em caso de depreciação do bem) quanto ao arrendatário (que não deve ser onerado além do que foi convencionado como garantia).
A decisão possui consequências jurídicas relevantes, pois impede que o VRG seja tratado como valor integralmente devido ao arrendador em qualquer circunstância, determinando seu abatimento e restituição apenas quando apurado saldo positivo após a venda do bem e quitados encargos contratuais. Ao mesmo tempo, reconhece a autonomia privada para estipular, em contrato, critérios de desconto de despesas, desde que preservada a essência do equilíbrio contratual.
Como reflexo, a tese fortalece a segurança jurídica, confere previsibilidade às partes e previne abusos contratuais, sendo de observância obrigatória pelas instâncias inferiores, conforme a sistemática dos recursos repetitivos.