Jurisprudência Selecionada

Doc. LEGJUR 990.3649.1969.5366

1 - TJRJ APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO. CONDENAÇÃO. PENAS DE 08 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, E 799 DIAS-MULTA, EM SEU PATAMAR MÍNIMO, PARA AUDIVAN E 07 ANOS E 06 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, E 750 DIAS-MULTA, EM SUA FRAÇÃO MÍNIMA, PARA WALLACE. RÉUS PRESOS. RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. SUBSIDIARIAMENTE PEDE PARA QUE AS REPRIMENDAS SEJAM DIMINUÍDAS E PARA QUE SE RECONHECÇA A CONFISSÃO ESPONTÂNEA EXTRAJUDICIAL.

O recurso preenche os requisitos de admissibilidade e deve ser provido. A denúncia narra que os recorrentes, de forma compartilhada entre si, traziam consigo e transportavam, com nítida intenção de tráfico, 600g de Cocaína, distribuídos em 418 pequenos tubos plásticos incolores, fechados por tampa articulada e acondicionados individualmente em 278 ou em pares de 70 invólucros plásticos incolores, fechados individualmente por grampos metálicos e retalhos de papel branco com inscrições diversas, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar. E Juízo foram ouvidos dois policiais. Os réus foram interrogados, negando a prática delitiva. Ainda integram o acervo probatório, as declarações prestadas em sede policial, o auto de apreensão da droga e os laudos técnicos que se referem a ela. E diante do caderno de provas, chama a atenção o fato de que a pessoa que dirigia o carro no qual a droga teria sido apreendida não foi qualificada. O carro em questão, também não foi plenamente identificado, sendo certo que no auto de prisão em flagrante consta apenas que seria um Voyage branco, placa não anotada. O policial Gilberto, em sede judicial, que sarquearam o motorista e verificaram que ele trabalhava em um aplicativo de viagem e que estava fazendo uma corrida para os réus. Mas não há qualquer registro de quem seria essa pessoa e nem a identificação completa do carro que ela dirigia. E se tal fato pode parecer irrelevante, em princípio, toma contornos de importância quando os réus negam que fossem proprietários da droga apreendida, negam que tenham pedido uma corrida de uber e dizem que o motorista do carro deu dinheiro para os policiais e foi logo liberado. Ainda analisando a dinâmica da abordagem policial, consta da denúncia que esta teria ocorrido no dia 15/11/2023, por volta das 19:30h, na Rua General Olímpio, próximo do número 32, em São Conrado. Os policiais disseram, em sede de inquérito, que estavam parados com a guarnição e tiveram a atenção voltada para o carro. Deram uma ordem de parada. Verificaram que o veículo se tratava de um carro de aplicativo. Perceberam que os dois homens que ocupavam o automóvel estavam nervosos. Em Juízo o policial Jonas contou que tiveram a atenção voltada para o carro. Pediram para o carro diminuir a velocidade e perceberam que os réus ficaram nervosos. O depoimento do policial Gilberto seguiu a mesma linha, primeiro houve a abordagem e depois perceberam que os recorrentes estavam nervosos. E essa cronologia se alinha mais à realidade, já que é pouco crível que, por volta das 19:30h, ou seja, quando já está anoitecendo ou já é noite, policiais pudessem perceber o estado de ânimo de duas pessoas que estivessem no banco de trás de um carro em movimento. Assim, pode se concluir que a ordem de parada se deu antes de se observar o nervosismo dos réus e para tal ordem os policiais não apresentaram qualquer justificativa. A parada do carro foi aleatória. E, em atenção aos rigores da proteção constitucional da esfera individual de cada cidadão, não se pode admitir que agentes da lei abordem as pessoas, ou veículos, de forma aleatória e exploratória. A abordagem de qualquer pessoa deve se alicerçar em fundadas razões e, no caso, não se apresentou qualquer razão para a abordagem. E se abordagem se deu forma irregular, os crimes que se observam em sequência a ela, se contaminam de tal irregularidade não tendo, por outro giro, o poder de purificar a abordagem (precedentes STJ). Acrescenta-se que não se fecha os olhos para o fato de que cabe à polícia militar a preservação da ordem pública e o policiamento ostensivo e para tanto, a abordagem, por vezes, se faz necessária. Entretanto, no caso concreto, a abordagem se deu destituída de qualquer motivação concreta, suspeita plausível ou justa causa, ou seja, de forma ilegal. E ainda que a ilegalidade acima assinalada fosse superada, a prova dos autos se revela fragilizada. Havia outra pessoa dentro do carro, outra pessoa que poderia ser apenas uma testemunha da prisão dos apelantes, como concluíram os policiais, ou poderia ser partícipe ou corré no crime ora em apuração e esta pessoa não foi nem mesmo qualificada. A justificativa apresentada pelos policiais para não levarem o motorista para a delegacia, porque não estavam com um efetivo suficiente e queriam sair logo do local, para evitar aglomerações, não é de todo plausível. Os agentes da lei poderiam pedir reforço policial e aguardar tal reforço já que o endereço indicado na denúncia, como sendo o do local da abordagem, não é propriamente uma das saídas da Rocinha. Tal endereço está um pouco mais a frente da comunidade, próximo do metrô de São Conrado e de um condomínio de prédios residenciais. Mas mesmo que na avaliação dos policiais não fosse possível levar o motorista ou aguardar reforço, este deveria ao menos ser identificado, assim como o veículo abordado, mas nada disso foi feito. Vale ainda sublinhar que os policiais disseram que não verificaram antecedentes criminais dos réus porque queriam sair logo do local, mas sarquearam o motorista do carro e não levaram para os autos sequer seu nome. E neste cenário, considera-se importante pontuar que os depoimentos prestados pelos policiais assumem relevância porque, normalmente, os agentes da lei são as únicas testemunhas do momento da prisão ou da prática delitiva e porque são agentes de Estado e suas palavras possuem fé pública. Mas a presunção de veracidade que permeia as palavras destes agentes do Estado não é absoluta e deve sempre ser analisada com outros elementos de prova, e, no caso, a prova não se mostra suficientemente robusta para sustentar uma condenação. Assim, declara-se nula a prova obtida mediante a abordagem do recorrente e a revista no interior de veículo, por consequência, de todo caderno de provas o que leva à absolvição dos apelantes. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. ABSOLVIÇÃO. EXPEDIÃO DE ALVARÁS DE SOLUTRA... ()

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