Jurisprudência Selecionada
1 - STF Direito Constitucional Ambiental. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Política de combate ao desmatamento. falhas estruturais na atuação governamental sobre política de preservação do bioma amazônico, terras indígenas e unidades de conservação. Inexecução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal- PPCDAM. Princípio da prevenção e precaução ambiental. Estado de coisas inconstitucional não caracterizado. Assunção, pelo Governo Federal, de um «compromisso significativo (meaningful engagement) referente ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica. ação julgada parcialmente procedente.
I. Caso em exame 1. Na arguição de descumprimento de preceito fundamental o conjunto de partidos políticos autor da ação busca a imposição de uma séria de medidas voltadas ao equacionamento do que entende serem graves e irreparáveis lesões a preceitos fundamentais, decorrentes de ações e omissões imputadas à União e respectivos órgãos federais, inibidores da execução da política pública há anos existente para o combate efetivo ao desmatamento na Amazônia Legal. 2. Em semelhante direção, na ação direta de inconstitucionalidade por omissão a agremiação autora imputa conduta omissiva à União relativamente à tarefa de combater o desmatamento, em concretude ao que preconizam os arts. 23, VI e VII; 225, caput e §1º, VI e VII; todos da Lei Maior. II. Questão em discussão 3. Questões preliminares: (i) alegada ausência de questão constitucional; (ii) inobservância ao requisito da subsidiariedade (Lei 9.882/99, art. 4º, § 1º); (iii) inadequação do processo objetivo para as finalidades de coordenação, supervisão e monitoramento de políticas públicas; (iv) inviabilidade de investigação probatória em processo objetivo (v) alteração substancial do contexto fático e normativo que ensejou o ajuizamento da presente ação. 4. Mérito. De acordo com sistematização apresentada pela eminente relatora originária dos feitos, a questão posta em discussão, que busca escrutinar a constitucionalidade da própria política pública de proteção ambiental ao bioma Amazônia, possui seis eixos de impugnação, a saber: (i) alegada redução da fiscalização e controles ambientais; (ii) abandono do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal - PPCDAm; (iii) redução e inexecução orçamentária em relação aos programas e ações ambientais; (iv) enfraquecimento normativo no quadro ambiental; (v) falta de transparência na disponibilização de informações sobre o cumprimento do PPCDAm; e (vi) o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental. III. Razões de decidir 5. Rejeição das questões preliminares. Como já reconhecido por esta Suprema Corte, a questão relacionada à concretização do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, plasmado no art. 225 da Lei Maior e titularizado pelas presentes e futuras gerações, através da efetiva implementação de programas e ações governamentais eficientes, «é um dos temas jurídicos e sociais mais relevantes da atualidade, tanto na perspectiva nacional quanto internacional (ADO Acórdão/STF, Rel. Min. Rosa Weber, Tribunal Pleno, j. 03/11/2022, p. 16/08/2023), possuindo inegável estatura constitucional. 6. Não se pode afastar a possibilidade de escrutínio judicial acerca da suficiência do conjunto de ações e omissões que compõem a atuação estatal para a efetiva tutela de direito fundamental, sobretudo quando de feição transindividual - no caso, até mesmo intergeracional -, sob pena de inviabilizar o exercício da jurisdição constitucional exatamente em relação aos casos para os quais ela foi concebida - relacionados à efetiva proteção dos direitos e garantias fundamentais cuja positivação pela Lei Maior figura como elemento central de sua superior dignidade normativa (cf. art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789). 7. Exame do Mérito. A análise dos dados e literatura técnica disponível atestam que o problema do desmatamento na Floresta Amazônica começa a emergir na década de 1970. Trata-se, de fato, de significativa violação de direitos fundamentais individuais e coletivos de índole ambiental, com duração superior a meio século, a demandar esforços vultosos e coordenados de União, Estados e Municípios, assim como de todos os poderes republicanos e órgãos autônomos. A adequada solução exige olhar eminentemente prospectivo e estruturante. 8. O dever constitucional de proteção ao meio ambiente reduz a esfera de discricionariedade do Poder Público em matéria ambiental, pois há uma imposição de agir a fim de afastar a proteção estatal deficiente e a proibição do retrocesso. A inércia do administrador ou sua atuação insuficiente configura inconstitucionalidade, autorizando a intervenção judicial. 9. Demonstração de quadro de insegurança jurídica e risco de dano irreparável ao meio ambiente, à saúde humana, à riqueza da biodiversidade da flora e da fauna na Amazônia e consequente enfraquecimento do solo pela manutenção do estado atual da situação. Alta relevância constitucional e internacional de defesa do bioma da Amazônia e das populações indígenas. Indicadores oficiais comprobatórios de aumento significativo nos focos de incêndio e desmatamento da vegetação amazônica, aproximando-se do ponto de não retorno (tipping point), com irreversível ‘savanização’ de boa parte da região. 10. O cenário formado pela conjugação (i) da diminuição dos níveis de performance dos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental; (ii) da inexecução orçamentária e da redução de recursos em projetos ambientais; (iii) do abandono do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal - PPCDAm, desacompanhado de medida substitutiva dotada de igual ou superior grau de eficácia, eficiência e efetividade; (iv) da desregulamentação em matéria ambiental; (v) da incompletude no fornecimento de informações relativas a metas, objetivos e resultados da «nova política ambiental; inserido na situação de crescente desmatamento na região da Amazônia caracterizam retrocesso ambiental inadmissível na implementação das políticas ambientais. 11. As políticas públicas ambientais atualmente adotadas revelam-se insuficientes e ineficazes para atender ao comando constitucional de preservação do meio ambiente e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, caracterizando um quadro estrutural de violação massiva, generalizada e sistemática dos direitos fundamentais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito à saúde e direito à vida. 12. A complexidade do problema, associada a razões de interesse social, segurança jurídica, repercussão internacional e outras externalidades negativas orientam, contudo, para o não reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional em relação à política pública de proteção ambiental atualmente adotada pelos poderes públicos, nos diversos níveis federativos e instâncias governamentais nacionais. 13. Assunção, como alternativa, de um «compromisso significativo (meaningful engagement) referente ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica, com a determinação de (i) elaboração de plano de ação voltado à efetiva execução do PPCDAm ou outro instrumento de planejamento e formatação da política pública ambiental para a região amazônica atualmente em vigor; (ii) elaboração de plano específico de fortalecimento institucional do Ibama, do ICMBio, da Funai e outros órgãos envolvidos na defesa e proteção do meio ambiente; (iii) apresentação, em sítio eletrônico a ser indicado pela União, de relatórios objetivos, transparentes, claros e em linguagem de fácil compreensão ao cidadão brasileiro, contendo as ações e os resultados das medidas adotadas em cumprimento aos comandos determinados por este Supremo Tribunal Federal; (iv) abertura de créditos extraordinários, com vedação de contingenciamento orçamentário, em relação às rubricas ambientais; e, (v) expedição de notificação ao Congresso Nacional acerca do contido na presente decisão. IV. Dispositivo e tese 14. Pedido parcialmente procedente. Princípios da prevenção, da precaução e da proibição do retrocesso descumpridos. Estado de coisas inconstitucional não caracterizado. Alternativamente, reconhecimento da necessidade de assunção, pelo Governo Federal, de um «compromisso significativo (meaningful engagement) referente ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica. Tese de julgamento: «Resguardada a liberdade de conformação do legislador infraconstitucional e dos órgãos do Poder Executivo de todas as esferas governamentais envolvidas no planejamento e estabelecimento de metas, diretrizes e ações relacionadas à preservação do meio ambiente em geral e da região amazônica em particular, afigura-se inconstitucional a adoção de postura estatal omissiva, deficiente, ou em níveis insuficientes para garantir o grau de eficácia, efetividade e eficiência mínimo necessário à substancial redução do cenário de desmatamento e degradação atualmente verificado.... ()
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