Tese: 1243

TESE DOUTRINÁRIA EXTRAÍDA DO ACÓRDÃO:

É caracterizada a fraude à execução na hipótese de doação de bens pelo devedor a descendente, mesmo antes da citação, quando restar demonstrada a ciência inequívoca da demanda capaz de levá-lo à insolvência, especialmente se presentes vínculos familiares e indícios de conluio entre as partes envolvidas, afastando-se a proteção ao terceiro de boa-fé.

COMENTÁRIO EXPLICATIVO

O acórdão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça consolida entendimento de que, em situações específicas, a fraude à execução pode ser reconhecida mesmo que a alienação do bem (doação a descendente, no caso) tenha ocorrido antes da citação formal do devedor, desde que existam elementos concretos que evidenciem a ciência da demanda e o intuito de frustrar a execução. Destaca-se o contexto de relações familiares próximas e a ausência de terceiro adquirente de boa-fé, permitindo, assim, a relativização do marco temporal tradicionalmente adotado pela jurisprudência, que seria a citação.

FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

CF/88, art. 5º, XXXV – "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", garantindo o direito de acesso à justiça e a efetividade da tutela jurisdicional, inclusive na satisfação do crédito.

FUNDAMENTO LEGAL

CPC/1973, art. 593, II – Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens quando, ao tempo da alienação, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência.
CPC/2015, art. 792, IV – Atual dispositivo correspondente, que mantém o mesmo conteúdo.
CCB/2002, art. 884 – Vedação ao enriquecimento sem causa, respaldando a proteção do credor contra atos fraudulentos do devedor.

SÚMULAS APLICÁVEIS

Súmula 375/STJ – “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” (No caso, a má-fé é presumida pela relação familiar e ciência da demanda.)
Súmula 83/STJ – “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”
Súmula 7/STJ – Aplicada à impossibilidade de reexame de provas no recurso especial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A decisão reitera a flexibilização do entendimento tradicional acerca do momento em que se configura a fraude à execução, especialmente nos casos de transferência de bens entre familiares próximos. Ao prescindir da necessidade de citação formal, quando cabalmente demonstrada a ciência da demanda e o intuito fraudulento, o STJ reforça a proteção do direito do credor e a efetividade da execução, inibindo práticas que visem à dilapidação patrimonial para frustrar a satisfação do crédito.
A relevância do precedente reside em seu potencial de desestimular condutas simuladas e em seu impacto sobre a segurança jurídica das relações patrimoniais, alertando para a necessidade de análise do contexto fático e das circunstâncias do caso concreto. Como possível reflexo futuro, a tese pode consolidar maior rigidez na análise de atos de disposição patrimonial ocorridos após o ajuizamento da ação, mormente entre pessoas ligadas por laços de parentesco.

ANÁLISE CRÍTICA

A solução adotada pelo STJ, ao permitir o reconhecimento da fraude à execução independentemente da citação formal, mas com base em elementos objetivos de ciência e intenção fraudulenta, demonstra maturidade e sensibilidade do Judiciário em combater fraudes processuais. Ressalta-se o equilíbrio entre a segurança jurídica dos negócios e a necessidade de efetividade da execução. A argumentação é sólida ao distinguir hipóteses em que a proteção ao terceiro de boa-fé não se justifica, mormente em relações familiares de interesse comum. Consequentemente, reforça-se a responsabilização do devedor e do donatário que atuam em conluio, além de garantir a integridade do sistema de execução civil brasileiro.